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Marcos Coimbra

Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

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Uma crise peculiar

Dilma não é Lula e não lhe é possível, como ele, representar a convivência de interesses opostos. O desgaste é vertical

Dilma não é Lula e não lhe é possível, como ele, representar a convivência de interesses opostos. O desgaste é vertical (Foto: Marcos Coimbra)
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Em nossa história política, sempre tivemos crises. O Brasil não é exceção em relação às democracias grandes e complexas, em que extraordinários são os momentos de calmaria. Em todas, a vida política é caracterizada por antagonismos, conflitos e embates. Às vezes, por golpes e guerras.

Nos dois períodos da história brasileira em que houve mais democracia, mais frequentes foram as crises. Nos quase 20 anos que durou a República de 1945, vivemos inúmeras. Em quantos países um tempo tão curto presenciou tantas coisas, do suicídio de um presidente a um quase golpe parlamentar, de meia dúzia de quarteladas malsucedidas a uma intervenção militar que implantou uma longa ditadura?

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Após a redemocratização, as crises políticas e de imagem foram regra. Sarney só teve tranquilidade nos breves meses de sucesso do Plano Cruzado. Collor governou por pouco mais de dois anos, em crise aguda permanente. Itamar foi questionado e ridicularizado pelos que se diziam seus amigos, que nunca o deixaram exercer na plenitude o cargo.

Fernando Henrique enfrentou desde o início a antipatia da maioria da população, foi tolerado por pragmatismo, enquanto parecia um competente gestor da economia, afundou na impopularidade e terminou melancolicamente o mandato.

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Seria equivocado imaginar que os períodos sem democracia foram tranquilos. As oligarquias atravessaram a República Velha em equilíbrio instável, entrecortado por insurreições e sublevações militares. No Estado Novo e na ditadura de 1964, os grupos que controlavam o poder nunca foram harmônicos.

Especialmente depois de 1968, as facções militares, divididas de forma corporativa ou em torno a generais, eram mais heterogêneas que os partidos atuais. Mais de uma vez, estiveram à beira das chamadas vias de fato.

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Excepcional foi a década de paz política iniciada em 2002, com a vitória de Lula, e terminada em 2012, no episódio do julgamento do "mensalão". Nesses dez anos, pela primeira vez em nossa história, tivemos um longo período de baixa turbulência política, em que houve apenas uma crise, ainda que grave, deflagrada pelas denúncias do "mensalão".

Mas ela foi rápida, durando menos de um semestre, findo o qual o presidente marchou para uma reeleição consagradora e um segundo mandato aprovado quase unanimemente. A facilidade com que Lula venceu o desgaste explica muito do que aconteceu desde lá e ajuda a entender a especificidade da crise que Dilma enfrenta hoje.

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O primeiro efeito foi nas oposições. No Congresso e nos partidos, o sucesso de Lula teve consequências paralisantes, ainda mais porque seus líderes nada sabiam do que era estar fora do poder. Um pedaço expressivo do País, aquele que podia até admitir que Lula fazia um bom governo, mas que não o quisera como candidato nem desejava a continuidade da hegemonia petista, ficou órfão de representação.

Se as lideranças aceitavam dialogar, esses segmentos queriam enfrentamento. Em vez da lerdeza dos políticos, tinham pressa. À "pax de Lula", reagiam com rancor. Coube à "grande" imprensa explicitar a distância que havia entre os partidos e os sentimentos oposicionistas difusos na sociedade. De bom grado, ela dispôs-se a ser a "verdadeira oposição".

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Em razão de seus atributos únicos, Lula conseguiu manter represados tais sentimentos por uma década. Mas eles explodiram no começo de 2013 e foi sob seu signo que fizemos a eleição seguinte.

Todas as nossas crises políticas até a atual, na democracia ou não, foram horizontais, ocorrendo dentro do conjunto de categorias sociais que compõem a elite brasileira: empresários, fazendeiros, oligarcas, militares, barões da comunicação, classes médias abastadas, setores profissionais de prestígio etc. Em nenhuma delas o povo teve papel. Como disse Sertório de Castro a propósito da Proclamação da República: "O povo assistira bestializado aquelas transformações".

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Dilma não é Lula e não lhe é possível representar, como ele, a convivência de interesses opostos. A crise política que a atinge é vertical, como ficou evidente no modo como a maioria da elite expressou seu inconformismo diante do resultado da eleição de 2014. E não há pruridos democráticos que a detenham de tentar melar o jogo para devolver o povo ao lugar de personagem secundário em nossa sociedade.

Publicado originalmente na Carta Capital

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