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Paulo Moreira Leite

Colunista e comentarista na TV 247

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Uma idéia de Marx ajuda a refletir sobre a guerra da Rússia contra a Ucrânia

"Para enriquecer o debate sobre a guerra da Rússia contra a Ucrânia, me parece útil retornar ao mais conhecido trecho do 18 Brumário", escreve Moreira Leite

Guerra na Ucrânia (Foto: Ukrainian Armed Forces)
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Logo nas primeiras linhas, Marx escreve: 

"Em alguma passagem de suas obras, Hegel comenta que todos os grandes fatos e todos os grandes personagens da história mundial são encenados, por assim dizer, duas vezes . Ele se esqueceu de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa."

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No parágrafo seguinte, Marx prossegue: 

Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram. A tradição de todas as gerações passadas é como um pesadelo que comprime o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem estar empenhados em transformar a si mesmos e as coisas, em criar algo nunca antes visto, exatamente nessas épocas de crise revolucionária, eles conjuram temerosamente a ajuda dos espíritos do passado, tomam emprestados os seus nomes, as suas palavras de ordem, o seu figurino, a fim de representar, com essa venerável roupagem tradicional e essa linguagem tomada de empréstimo, as novas cenas da história mundial.

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Assim, Lutero se disfarçou de apóstolo Paulo, a revolução de 1789-1814 se travestiu ora de República Romana ora de cesarismo romano e a revolução de 1848 não descobriu nada melhor para fazer do que parodiar, de um lado, o ano de 1789 e, de outro, a tradição revolucionária de 1793-95. Do mesmo modo, uma pessoa que acabou de aprender uma língua nova costuma retraduzi-la o tempo todo para a sua língua materna; ela, porém, só conseguirá apropriar-se do espírito da nova língua e só será capaz de expressar-se livremente com a ajuda dela quando passar a se mover em seu âmbito sem reminiscências. (O 18 Brumário de Luís Bonaparte, tradução de Nélio Schneider, Editora Boitempo Editorial, 2011). 

Três décadas depois da restauração capitalista na antiga União Soviética, que deu origem  a uma oligarquia usurpadora que se apossou das antigas propriedades públicas para seu deleite privado, no ataque final às conquistas produzidas pelo Outubro de 1917,  a invasão da Ucrânia pela Rússia tem sido defendida e mesmo embelezada por argumentos que pode ser examinados a partir das observações críticas de Marx sobre a cobertura ideológica das lutas sociais na Europa do século XIX. 

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A ideia, aqui, envolve variações em torno da afirmação consagrada de Marx no Capital, onde se afirma: "A violência é a parteira de toda sociedade velha que está prenhe de toda sociedade nova". 

Com variações pela forma, é por esse raciocínio que se tenta justificar a ofensiva de Putin contra a Ucrânia. Seriam as "dores do parto" que acompanham as mudanças da história.

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Há um problema aqui, no entanto. Se não quisermos produzir "reminiscências" de um "pesadelo que comprime o cérebro dos vivos", como advertia Marx, é preciso ter humildade para distinguir um ponto essencial,  que separa o conhecimento da propaganda. O ponto de partida, aqui, é admitir o óbvio: nem toda violência entre povos e países ilustra por si uma evolução positiva da história. 

Falta, em 2022, demonstrar com fatos e argumentos que a aventura de Putin contra a Ucrânia é mais do que uma guerra imperial igual a tantas outras, pelas quais um  país poderoso do ponto de vista econômico e militar submete um vizinho a seus interesses particulares, necessidades próprias -- e até caprichos. 

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Nos aspectos essenciais, a guerra de Putin contra a Ucrânia não chega a ser uma novidade. E seus antecedentes não deixaram boas recordações para povos e países. 

Entre as décadas de 1950 e 1980, quando a União Soviética não fora dissolvida e os Estados Operários  erguidos na Europa do Leste após a derrocada do nazi-fascismo permaneciam de pé, ocorreram situações  semelhantes.  

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Liderado por estudantes e trabalhadores, um levante ocorrido em 1956 na Hungria ocupou escolas e fábricas para derrubou o governo de plantão -- mas acabou esmagado por uma intervenção de tropas soviéticas, que deixou um saldo de 20 000 mortos e a execução das principais lideranças. 

Outros movimentos semelhantes, na Tchecoslováquia (1968) e Polônia (1980) foram atacados da mesma forma. 

Na Tchecoslováquia, onde uma fatia reformista do PC deu início a um processo de reformas internas, o país foi invadido por tropas do Pacto de Varsóvia, que ali permaneceram como força de ocupação por 21 anos.  

Anunciadas como operações para "salvar o comunismo," essas intervenções terminaram em doloroso fiasco.

Se o pretexto era proteger o sistema socialista, em poucos anos se veria que o resultado foi a restauração acelerada do capitalismo, num processo que envolveu a própria União Soviética, antes chamada de "pátria-mãe do socialismo". 

Nasceram sistemas políticos sob medida para a instituição de regimes de força, que alimentam oligarquias que armazenam fortunas imensas, escondidas nos paraísos fiscais do planeta.   

Pelo calendário em vigor, Putin poderá governar o capitalismo russo até 2036. Se chegar até lá, terá sido o mais longo reinado no país após Stalin. 

Mesmo reconhecendo que estamos falando de processos com uma imensa complexidade, cabe voltar a Marx e reconhecer a clareza de sua observação. 

Uma vez é uma tragédia. Na segunda  vez, a farsa. 

Não por acaso, em entrevista ao 247, o chanceler Celso Amorim afirma: "Ninguém vencerá esta guerra," ensina, apoiado na experiência de uma diplomacia que assegurou ao país uma credibilidade única em tempos recentes.  "Ao Brasil, interessa a paz e o respeito ao direito internacional".

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