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Leonardo Boff

Ecoteólogo, filósofo e escritor. Escreveu Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres, Vozes 1995/2015; em espanhol por Trotta, Madrid 1996, Dabar, México 1996

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Uma panela e teologia em mutirão

A teologia da libertação não é uma disciplina a mais ao lado da história dos dogmas, da liturgia, da moral e do direito canônico etc. É um modo diferente de cumprir o ofício da teologia: no meio do povoprincipalmente dos mais pobres e invisíveis. Por isso sua marca registrada é a opção pelos pobres contra a pobreza e a favor da libertação.

(Foto: ABr)
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A teologia da libertação não é uma disciplina a mais ao lado da história dos dogmas, da liturgia, da moral e do direito canônico etc. É um modo diferente de cumprir o ofício da teologia: no meio do povoprincipalmente dos mais pobres e invisíveis. Por isso sua marca registrada é a opção pelos pobres contra a pobreza e a favor da libertação.

Alguns fazem teologia para os pobres, coisa que a Igreja nunca deixou de praticar. Outros fazem teologia com os pobres, convivendo com eles e tentando pensar a mensagem cristã a partir de sua cultura. Outros vão mais longe e fazem uma teologia como os pobres, fazendo-se pobres, morando em favelas e ouvindo suas histórias e descobrir na escuta de suas palavras a presença escondida de Deus.

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Assim surgiu no Brasil com o recordado teólogo José Comblin, na Paraíba, a teologia da enxada elaborada junto com os camponeses depois da labuta diária. Clodovis Boff criou a teologia pé no chão no Acre da qual surgiram centenas de lideranças populares e políticas na Amazônia.

Recentemente está sendo articulada na América Latina, animada pelo grupo Ameríndia (articulação de cristãos ligados à libertação) uma teologia da libertação popular em mutirão com pessoas dos meios pobres e periféricos. Usa-se a metáfora da panela borbulhante na qual se prepara saboroso guisado. Segue o seguinte roteiro:

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O que conzinhar? As narrativas dolorosas e amorosas dos humildes da Terra que trocam em mutirão suas experiências de vida e as reflexões que daí surgem e que encaminhamentos práticos assumir.

Com que cozinhar? Com os condimentos, ervas e sabores próprios de cada região. Cozinham-se com as narrativas singulares dos indígenas, das mulheres, dos negros, dos camponeses. Cada grupo narra suas tragédias e suas vitórias, suas dores e suas alegrias. Dizem: “há crises mas nós estamos cheios de esperança; há silêncio e nós cantamos histórias; há fome de pão e de sentido mas cozinhamos nosso guisado na panela borbulhante e comemos alegremente todos juntos.

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Quem são os cozinheiros? São os próprios membros das comunidades populares pobres. Colocam-se em roda e em mutirão cada qual dá seu testemunho, conta sua vida, mostra as chagas das torturas dos militares repressivos. Ai aparece toda a tragédia vivida pelas grandes maiorias pobres e marginalizadas desde o tempo da Colônia. Nunca foram escutados. Agora um escuta o outro e rompem o silêncio secular. São cozinheiros exímios.

A partir de onde se conzinha? A partir dos invisíveis, daqueles que as políticas sociais para os pobres não os alcança. Vivem um profundo desamparo social. Escutar seus lamentos mas também suas alegrias com o mínimo. No mutirão se perguntam: como Deus se revela na nossa pobreza? como Ele é apesar disso bom e amoroso, pois nos faz viver e nos dá os filhos e as filhas, nossas joias e nossa grande alegria.

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Neste contexto cabe lembrar um grande antecessor:  Guamán Poma de Ayala, um inca da nobreza e educado na Espanha. Anos depois, regressa e percorre todo o antigo império incaico peruano para “buscar os Cristos” escondidos e crucificados pelos colonizadores antigos e novos.  Esse tipo de teologia narrativa criou até um termo novo: senti-pensar coletivamente: sentir e pensar as memórias passadas mas também a realidade atual, da qual, juntos, querem se libertar.

Os quatro c: Na gestação desta teologia narrativa ao redor da panela com o guisado devem estar sempre presentes os quatro c: o canto: é por ele que o pobres melhor se expressam; o corpo: sentir o outro inteiro, sua pele, seu odor, sua voz, suas expressões de amizade e de carinho; conto: escutar e mais uma vez escutar as narrativas de cada um; a maioria são contos dolorosos; por isso o livro que mais citam é o de Jó. Apesar de perder tudo e estar coberto de chagas e reclamar muito junto a Deus, Jó nunca deixou de confiar nele e no final confessar:”eu sei dele não por ouvir dizer mas porque meus olhos o viram”.

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Câmara: as narrativas são gravadas ou filmadas em videos para conservar a voz e a imagem dos participantes. O teólogo que se inseriu totalmente neles conseguiu esses instrumentos “modernos”para produzir um meio mais eficaz e persuasivo da luta, da resistência e da vida dos pobres e dos humilhados da Terra. Tudo sempre é devolvido a eles.

Um jovem teólogo leigo argentino, Francisco J. Bosch, largou tudo, como Che Gevara e se misturou com os últimos do Continente. Durante quatro anos percorreu oito países animando mutirões (mingas) de teologia popular de libertação junto aos pobres. Ele mesmo, poeta, cantor, desenhista e animador teológico, recolheu esta experiência num livro comovedor a sair, com o título “Bendita Mescla”. É pura e genuína teologia popular de libertação, feita pelos próprios pobres e oprimidos e recolhida por ele.

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