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Valério Arcary

Valério Arcary é historiador e membro da Coordenação Nacional do Resistência/PSOL.

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Uma ruptura precipitada do Psol

"O Psol perde impulso revolucionário com esta cisão. Infelizmente, a vertigem da fragmentação ainda prevalece na esquerda brasileira", escreve Valério Arcary

(Foto: Divulgação)
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Por Valério Arcary 

O que tem de ser tem muita força.

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Quem se mete por atalhos, mete-se em trabalhos.

Mais vale um cavalo com cela, do que três celas sem cavalo.

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Sabedoria popular portuguesa.

1. As decisões de apoiar Lula desde o primeiro turno, e de federação com a Rede precipitaram uma ruptura apressada de um coletivo de ativistas, que concluíram que o partido deixou de ser um instrumento útil. Evidentemente, esta ruptura enfraquece o Psol e deve ser lamentada. Militantes como Plínio de Arruda Sampaio Jr. e Marinalva Oliveira, entre outros mais de cento e cinquenta valiosos camaradas, merecem respeito pela sua trajetória. O Psol perde impulso revolucionário com esta cisão. Infelizmente, a vertigem da fragmentação ainda prevalece na esquerda brasileira.

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2. Os dissidentes argumentam que o PSol teria se transformado, irreversivelmente, em um satélite do PT. Na versão mais cruel e sarcástica em um “puxadinho” do PT. A polêmica sobre a centralidade da Frente Única de Esquerda com o PT na construção de uma oposição popular a Bolsonaro desde 2019 nos dividiu. Mas este juízo é, no mínimo, muito severo já que a Conferência Nacional do PSol deixou claro que a decisão de unir-se à campanha de Lula não significa que o PSol estará disposto a participar de um governo Lula, e até desautorizou qualquer negociação deste tipo. É verdade que o PSol tem defeitos, limitações, imperfeições e inconsistências e as pressões eleitoralistas que sofre são, dramaticamente, perigosas. Acontece que análises que perdem o sentido das proporções são erradas. Ocorreu uma inflexão na conjuntura e estamos em um momento de transição com uma maioria social na oposição a Bolsonaro. A experiência e a prudência sugerem que sem uma vitória política não sairemos da defensiva. A vitória de Lula é, portanto, decisiva. Mas essas diferenças táticas não deviam impedir uma paciente militância em comum.

3. A ideia mais poderosa do manifesto de ruptura é que a decisão de tática eleitoral equivale a uma rendição estratégica. O Psol estaria condenado como instrumento político progressivo. “O giro político e ideológico que representa a adesão à candidatura Lula-Alckmin e à federação com a Rede representa um golpe irreparável ao projeto original do PSol”.[1] O manifesto enuncia a tese, mas não a demonstra. Por que estas decisões teriam sido fatais? A antecipação do voto em Lula do segundo turno para o primeiro é um golpe “irreparável”? Isso não é um exagero? O apoio a Lula é um cálculo tático diante do perigo que Bolsonaro representa. Aliás, um cálculo que vem se confirmando com a possibilidade crescente de que a eleição se decida no primeiro turno, o que impediria “fazer a curva” para um apoio a Lula no segundo. E retirar uma candidatura presidencial não é, nem juridica, nem politicamente possível depois da inscrição no TSE.

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4. Tanto a decisão de apoio a Lula, apresentando candidaturas próprias para governador e senador em variados estados, como a federação com a Rede são decisões táticas. Pode-se defender que são erradas, mas são táticas. Foram impostas por condições objetivas adversas. Se rompemos o partido por diferenças táticas é impossível construir instrumentos políticos duradouros. Não há atalhos. Este critério condenará os signatários do Manifesto de ruptura com o PSol a sucessivas e irreparáveis divisões entre si, inevitavelmente. Reflitamos juntos: não foi correto ter apoiado Fernando Haddad contra Bolsonaro, no segundo turno de 2018? Se foi, o que parece óbvio, por que não é possível chamar ao voto em Lula em 2022, se Bolsonaro está no poder e ameaça com uma estratégia golpista? A federação com a Rede foi mais do que um erro, mas a dramatização excessiva não é razoável. O acordo jurídico para proteção mútua da cláusula de barreira não impõe um sacrifico da independência política. Enfim, mesmo compreendendo a decepção dos camaradas, que é legítima, a decisão de ruptura é uma precipitação. A construção de um núcleo militante exterior ao PSol é possível, mas envolve uma renúncia à intervenção no espaço institucional, um critério estranho ao marxismo. Alheio a qualquer marxismo. As pressões da “marginalidade” política, onde vicejam ideias anarco-movimentistas, podem ser devastadoras.      

5. O manifesto avança no esclarecimento das diferenças ao pontuar que “o debate sobre a superação do programa democrático popular, que embasa a estratégia de priorizar a luta por dentro das instituições, foi sistematicamente bloqueado, e a prática do partido nunca conseguiu ir além dos marcos do horizonte eleitoral. Como consequência, a disputa partidária foi progressivamente se reduzindo a uma interminável guerra fratricida pelo controle do aparato partidário, pelo acesso ao fundo partidário e por espaços nas instituições do Estado”. Neste parágrafo estão resumidas três questões de natureza distintas e muito diferentes do debate de tática eleitoral.

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6. A primeira é se o Psol rompeu com os limites do programa democrático-popular aprovado no 5º Encontro Nacional do PT, em 1987. Não os superou, e esta crítica é justa. O PSol é um partido plural, dentro do qual se organizam correntes com variadas hipóteses estratégicas, mas dispostas a agir juntas construindo uma linha tática comum. Essa debilidade é real. Acontece que somos todos débeis, certo? Dentro das correntes organizadas existem, também, ambiguidades programáticas, o que é compreensível, diante das transformações que ocorreram no Brasil e no mundo desde 19891991 com a restauração capitalista. Estas indefinições não impediram que o PSol tenha conseguido, desde 2004, construir consensos em torno de resoluções politicas e, em grande medida, uma intervenção unificada na luta de classes. O que revelou maturidade, e até alguma sabedoria. Afinal, se a ambiguidade estratégica permaneceu sem solução durante dezoito anos, por que romper agora? Por outro lado, entre os que decidiram romper, será que existe uma visão programática amadurecida em comum?

7. Avaliar que a decisão de apoiar Lula foi um “golpe” que “destruiu” o PSol é uma conclusão apressada, temerária, e imprudente. Não prova que o PSol teria aderido a uma estratégia “melhorista”. Os possibilismos têm sido, historicamente, diferentes formas de reformismo que tem como denominador comum a ilusão de que é possível regular o capitalismo. Por que a decisão de apoiar Lula contra Bolsonaro autoriza a conclusão de que o PSol teria aderido à estratégia de conciliação de classes ou “melhorista” do PT? O manifesto não explica, porque não pode. O projeto do PSol não foi o de construir um partido revolucionário com homogeneidade teórico-programática, mas um partido de esquerda anticapitalista. Não ocorreu a nenhuma das principais tendências internas do PSol tentar aprovar a “sua” estratégia, porque esta tentação implodiria o partido. Nunca se exigiu a dissolução dos coletivos internos que se organizam em torno de uma tradição e experiência comuns. O Psol decidiu defender um programa pela revogação do legado do golpe, e por mudanças estruturais e medidas anticapitalistas. Por isso, condenou a escolha de Alckmin. Por isso, o apoio a Lula é crítico. O Psol não alimenta ilusões de que um governo Lula será um governo com impulso revolucionário. Mas considera que a derrota de Bolsonaro será uma vitória política que muda a relação social de forças a favor da classe trabalhadora e dos oprimidos, abrindo um nova situação muito mais favorável.

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8. A segunda questão é que a prática do PSol nunca teria ido além do “horizonte eleitoral”. Há um grão de verdade na crítica de que o Psol é um partido que sofre fortes pressões eleitorais. Mas, quando uma caracterização é desmedida, ou uma ideia é levada até o seu extremo, o julgamento é injusto, portanto, falso. O Psol, não é só isso. O PSol organiza campanhas políticas de apoio às lutas dos movimentos de trabalhadores, mulheres, negros, estudantes, LGBT’s, indígenas, dos direitos humanos, ambientais e da cultura. Nas ruas e nas redes é um instrumento de luta para a mobilização. Poderia e deveria, é verdade, fazer mais e melhor. Por outro lado, é equivocada a expectativa de que as amplas massas populares, ou mesmo a maioria da vanguarda mais ativa, já teriam superado a etapa da experiência democratico-parlamentar. Não o fizeram. Ainda depositam nas eleições suas esperanças de mudança política. Pior, comparativamente aos anos oitenta, a consciência de classe da retrocedeu. A direção do PT e Lula não são inocentes, evidentemente. Ir além do “horizonte eleitoral” não depende, somente, de um impulso voluntarista, mas da relação social de forças. Claro que, também, de uma vontade.

9. A carta de ruptura ignora que não existe, nestas eleições, em função da relação política de forças, espaço algum para uma candidatura de esquerda radical à presidência. O problema não é que teríamos menos de 1%. Uma candidatura do PSol seria testemunhal e invisível. Ao contrário de 2018, não só não seríamos ouvidos, seríamos hostilizados em nossa próprio base social. Seria impossível explicar porque nossa necessidade de defender ideias revolucionárias devia prevalecer sobre a necessidade de tirar Bolsonaro da presidência. O PSol precisa eleger pelo menos onze deputados federais para defender sua legalidade. Preservar a legalidade não é eleitoralismo, é uma necessidade da existência política fora da marginalidade. O Psol não sofre somente pressões de adaptação. Sofre, também, pressões sectárias que alimentam avaliações excessivamente otimistas da relação social de forças. Um mínimo de realismo e inteligência tática exige considerar as condições nas quais teremos que lutar.

10. A terceira é que a luta interna estaria resumida a uma disputa pelo controle do aparelho interno, divorciada da discussão de ideias, e orientada pelo afã de apropriação de dinheiro dos fundos públicos de financiamento, ainda por cima fratricida. Esta avaliação “apocalíptica” é um exagero. A intervenção na legalidade favorece a formação de uma burocracia partidária de funcionários que desenvolvem interesses próprios. Essa dinâmica perigosa é real, mas não é um destino inexorável, há uma disputa, uma luta, um combate. O fatalismo é um mau conselheiro. O modelo de organização do PSol mimetiza a experiência do PT dos anos oitenta. Mas o aparelho interno não domina o PSol. Na preparação do último Congresso, algo em torno de dez mil militantes ativos moveram cinquenta mil filiados. Uma ínfima minoria desta militância, não mais do que algumas centenas, são funcionários. A esmagadora maioria são ativistas abnegados. Nas condições da pandemia foi um processo saudável, ainda que imperfeito. Perder o sentido das proporções é, também, perigoso. O Psol não está condenado. O partido se organiza em torno de correntes internas, embora milhares de ativistas e lideranças independentes, como o próprio pai de Plinio de Arruda Sampaio, tenham ocupado um lugar de destaque na sua representação pública. Este modelo de organização, imposto pelas condições muito difíceis de atuação na legalidade institucional, que exigem pisos para superação da cláusula de barreira, de outra forma intransponíveis, foi essencial para garantir a permanência do PSol. E valeu a pena. Isto posto, boa sorte camaradas. Nos encontraremos nas lutas.

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