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Tarso Genro

Advogado, político filiado ao Partido dos Trabalhadores, foi governador do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil

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Van Gogh e Kurosawa contra Bolsonaro

"A música, o riso, a fraternidade perante a beleza do ser humano criado na infinitude da arte mostra que a espécie também reage. E que – quem sabe – desta vez o fascismo não passará!", diz o ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro

Van Gogh e Kurosawa contra Bolsonaro (Foto: Marcelo Camargo - ABR)
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Os sonhos são uma metáfora da alma? Ou propostas de sentido para os indivíduos imobilizados pelas negações da vida? Talvez sejam ambos os estados que se completam, negam ou desmentem – um ao outro – para nos abrir caminhos na busca de algumas luzes nas escuras esquinas da História. Mas, pesadelos, sabemos todos o que é. Basta olhar o cenário de bestialidade que vivemos, imprevisto e letal, no qual um Presidente que recomendou matar adversários, estimula que pessoas se armem e as crianças aprendam a atirar. E as mesmas instituições do Estado de Direito, que depuseram  uma Presidenta honesta,  permaneçam silenciosas na solidão do seu medo.

Nos  filme “Sonhos” do grande Akira Kurosawa (199O) a dura distância que separaria a vertigem da arte daquilo que é a lógica da vida dissolve-se. Esta dissolução é uma armadilha do espírito para que uma obra de arte possa acontecer. É como um poema de Lorca que diz que “a tarde cai desmaiada nas coxas dos cavaleiros”, fundindo a arte e a vida. No filme “Sonhos” a arte e a vida se integram num turbilhão de beleza, virtude, cor e prazer de viver.

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Assim, o jovem pintor que procura o Mestre Van Gogh dentro da pintura – já na obra do filme “Sonhos”-  se aproxima do grupo de lavadeiras sob a ponte em que Van Gogh supostamente passou, perguntando a elas se o viram. Elas dizem que “sim”, que ele acabou de passar, mas que o viajante deve ter cuidado, já que Van Gogh “acabou de sair do Hospício”. E elas riem o riso livre que se projeta no quadro de Van Gogh, no qual o ritmo das cores e a certeza de cada traço não esconde, mas revela a solidez da vida presente.

Percorrendo então cada uma das pinturas do Mestre, o visitante sobe a ladeira do “Campo de Trigo”, passa pelos “Corvos” e fala com Van Gogh. Este – já instalado para criar – pergunta ao jovem pintor que lhe segue, porque ele não está pintando?”  Van Gogh segue falando e acaba lhe dizendo que, em determinadas circunstâncias de beleza, “como num Sonho, a cena sozinha se pinta para mim”. Ligados como dois gigantes siameses da alma de toda a Humanidade, Van Gogh e Kurosawa estarão presentes na vida de todos os grandes criadores que lhes sucederem.

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A “entrada” num sonho é um portal  também da grande política. Não só da arte. Com a diferença todavia que as duas possibilidades da razão na modernidade política – diferentemente da arte – podem ser expressas pela razão perversa, supostamente “científica” do Campos da Morte como no sacrifício humano das utopias revolucionárias da igualdade e da solidariedade humanista.

Sabem isso e souberam Mandela, Lula, Churchill – combatendo o nazismo – e Roosevelt lutando contra a fome na crise 29. Sabem Che Guevara – imolando-se na Bolívia dos generais traficantes Tiradentes, Cuhautemoc, a “criar sobre o braseiro que o mata uma rosa de ouro e prata para a altivez mexicana”. Sabe hoje – já numa racionalidade perversa – o aventureiro direitista Nigel Farage, que cresceu no Brexit inglês com seu nacionalismo rasteiro e colonialista, como Bolsonaro cresceu aqui. Lá com a força direta do corporativismo empresarial, aqui com a tolerância ativa da mídia tradicional, somada à empáfia liberal que rejeita os pobres e os desesperados da exclusão.

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Sabe Macron, que cresceu na França como socialdemocrata e após tornar-se um liberal migrou para um pesadelo sem o Van Gogh das lavadeiras encantadas. As que lhe explicariam que é somente na arte – jamais na política – que as paisagens podem “pintar-se por si mesmas”, pois na arte a perversão racionalista e materialista vulgar pode ser sufocada pelo busca pensada de um mundo de iguais.

O “Le Monde” dos dias 22 e 23 de maio mostra que na política não basta vencer as ladeiras para encontrar os sonhos. O Presidente Macron, surpreendendo seus adversários à esquerda e à direita, chegou ao Palácio Eliseu vitorioso, mas não sabe mais o que fazer do poder que as urnas lhe concederam. Foi pego na armadilha de combinar “modernização democrática” – ou seja menos controle social do Estado – com reformas neoliberais e por isso não tem mais base política para sustentá-las. Contra a sua vontade já ascende um nacionalismo anti-europeu – pela direita – ameaçando a pátria da razão e das luzes.

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A burguesia francesa dividida, os trabalhadores divididos, as classes médias divididas,  os imigrantes vitimados e os bancos privados dando as cartas no jogo da integração européia, obrigam Macron a  jogar um outro jogo: trata-se de buscar oxigênio no que os aliados do Presidente chamam de uma esquerda “macroniamente compatível”, para lhe apoiar e tentar unir à França ao destino alemão.

O programa ilusório de Macron – sedutor das massas na eleição presidencial – já foi abatido pelos coletes amarelos de todas as origens e hoje a sua ousadia é apenas mitigar o “brexit” da arrogância inglesa para simular a proteção dos traços mínimos do Estado Social em crise. Macron é o triste final da socialdemocracia clássica na Europa e Nigel Farage poderá ser o trágico começo contemporâneo do fascismo inglês com poder de voto.

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A Itália de Salvini, que acaba de decretar (“Le Monde”, 22 de maio) o fim da proteção humanitária dos barcos de imigrantes com crianças e velhos -jovens e adultos de todas as misérias- entra num roteiro mais delirante do que de Macron: o caminho – aponta Salvini – é negar socorro aos barcos em perigo e deixar que o mar trague os deserdados e miseráveis. Assim como Bolsonaro é o insano das armas, Salvini é o fascista ilustrado da razão perversa.

No “Atelier des Lumieres” em Paris, todavia, sei que se repete o sonho de Kurosawa. Nas enormes paredes do atelier, nos seus tetos, no seu chão, sobre as roupas das pessoas, sobre a face das crianças de todas as cores e dos jovens de todas as idades, um banho de luz projeta em todas as direções -e em sequência- dezenas de quadros de Van Gogh. É como se os humanos habitassem num sonho absoluto de cor e fantasia e passassem fazer parte dos quadros do Mestre. As crianças se movimentam encantadas, tomam as luzes com as mãos e com todos os poros da sua humanidade pura: a música, o riso, a fraternidade perante a beleza do ser humano criado na infinitude da arte mostra que a espécie também
reage. E que – quem sabe – desta vez o fascismo não passará!

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