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Leonardo Sarmento

Professor, consultor jurídico, palestrante e escritor

79 artigos

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Vedação às biografias não autorizadas. Censura?

Onde se inicia o direito à liberdade de expressão dos biógrafos e termina o direito à intimidade e à privacidade dos biografados?

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Temática que vem tomando grande espaço na mídia e que precisa ser urgentemente pacificada chama-se "biografias não autorizadas". E essa pacificação faz-se premente devido às pessoas que nela estão envolvidas, pessoas com amplo acesso à mídia (escrita e televisiva) que acabam por formar, por vezes, falaciosos ou equivocados entendimentos entre a sociedade, que terminam por difundir suas ideias no deserto de seus autodesconhecimentos técnicos de como lidar com a questão. E como não se influenciar com as palavras de um Chico Buarque ou de um Caetano Veloso estando estas fundamentadas ou não?

Motivou-me a escrita deste artigo um programa que assisti em TV por assinatura onde as duas teses se digladiavam na mais profunda pobreza intelectiva da questão. E, vale salientar que defendiam suas teses com a arrogância de profundas conhecedoras do tema, o que por certo pode ter provocado entendimentos pouco razoáveis entre os ouvintes, por influência. Fica a crítica pela necessidade de alguém imparcial que se revelasse com alguma expertise no assunto, como um jurisconsulto, por exemplo, em prol de uma responsabilidade por uma informação de qualidade.

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Uma visão jurídica discernida pode vir a clarear concepções leigas sobre o tema discutido e desta forma o artigo tem por fulcro contribuir para o sempre saudável debate democrático das questões de interesse.

A Anel é a entidade responsável pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que questiona os artigos 20 e 21 do Código Civil, utilizados para proibir a divulgação de biografias não autorizadas.

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Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

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Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

Aqui, muito embora haja colacionado os dois artigos que tratam diretamente do tema, a questão há de ser resolvida no âmbito Constitucional, e isto se revela muito claro. Conflitam notadamente duas normas-princípios de status constitucional que receberam uma especial proteção do legislador-constituinte às elencando com normas de direito fundamental, o que às tornam intangíveis ao menos por seus núcleos essenciais.

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Sob um meramente olhar perfunctório já se aduz falar-se dos princípios à intimidade e a privacidade que precisam ser ponderados, sopesados, com o princípio da liberdade de expressão. Como brilhantemente defende Alexy, princípios são "mandamentos de otimização" que devem ser cumpridos na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas aduzidas do caso concreto.
Os princípios a serem ponderados, em tese, tocam em sensibilidades latentes, em feridas ainda abertas advindas do regime impositivo militar. Àquela época não havia que se falar em direito à intimidade ou à privacidade nem em sua porção nuclear, que no interesse da Administração despótica podia ser aniquilado como se direito não existisse. O mesmo se diz no tocante ao direito à liberdade de expressão, época em que só se permitia a manifestação nos termos da ideologia de Estado, bajulando o modelo ditatorial praticado, a censura às ideias não convencionadas de Estado revela-se uma realidade insofismável.

Em época de ditadura como se pôde perceber, os direitos à intimidade, privacidade e liberdade de expressão eram conjuntamente violados, censurados e encontravam-se reunidos no mesmo lado da balança a espera de uma peso que lhes conferissem uma maior proteção. Ironicamente passamos a perceber que hoje, quando nossa democracia angaria as experiências de sua pré-puberdade, estes direitos, agora fundamentais nos termos da Carta de 88, ganham independência e se divorciam de seus precedentes objetivos, passando a trilhar novos caminhos por vezes conflitantes.

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Nenhuma norma-princípio, nenhum direito, mesmo o direito à vida, se denota absoluto. Os direitos em seus experimentos devem ser detectados e a depender do caso concreto ou mesmo do momento histórico aplicados na forma de normas-princípios, por ponderação ou de norma-regra, por subsunção. Aqui está um ponto nodal e fundamental para uma posterior compreensão: As normas-regras, por serem "mandamentos de definição" acabam por gerar uma maior segurança jurídica às questões e por vezes se mostram essenciais para se alcançar a pretendida pacificação.

Passada esta preliminar fase de reflexão ataquemos as peculiaridades do tema para quem sabe concluirmos de uma forma homogênea. Onde se inicia o direito à liberdade de expressão dos biógrafos e termina o direito à intimidade e à privacidade dos biografados?

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De antemão exponho minha opinião no sentido de que precisamos ou de uma norma-regra constitucional, posteriormente regulamentada em pormenores ou de uma decisão com efeitos vinculantes do STF para pacificar de vez a questão.

Não se pode imaginar um biógrafo perder anos de sua vida na montagem de uma biografia e se ver impedido de publicá-la, isso revela-se desproporcional e frustrante a própria dignidade humana.

Não quero dizer, entrementes, que seja partidário da possibilidade de se publicar biografias não autorizadas, e neste momento exponho alguns dos motivos que me trazem um sentido valorativo mais caro:

1. Sem querer desmerecer os penosos trabalhos biográficos, não os enxergo como informações de imprescindível interesse público que não possa ficar a sociedade sem acesso. Nesse peculiar diferencial é que segrego de um lado informações que se julga relevante à sociedade e que não se pode tolerar fique destas despida sob pena de censura; e do outro informações de importância secundária, como são às atinentes a vida privada de pessoas públicas. Não consigo enxergar censura neste segundo caso.

2. Permitir biografias não autorizadas é permitir exposições que podem ir além do querer da "pessoa pública". Não é por ser a pessoa conhecida da sociedade que ela deve aceitar publicações de obras a seu respeito que ultrapassem seus fins profissionais para detalhar sua vida íntima. Há uma diferença clara entre a publicação de um artigo ou de um texto sobre determinada "celebridade" para a publicação de um livro focado a desnudar intimidades que a sociedade não teve noticias por de caráter estritamente pessoal.

3. A "pessoa pública" biografada pode não querer ter particularidades de sua vida íntima impressa para "eternidade", mesmo se apenas com qualificações elogiosas, como pode pretender o biógrafo. A autorização prévia é a medida necessária de caráter preventivo como a própria qualificação quer dizer para que os direitos individuais, fundamentais à privacidade e a intimidade possam conviver em harmonia com a liberdade de expressão, quando se quer ultrapassar o âmbito do que é de domínio público para adentrar-se ao restrito campo das intimidades de cunho privado. A liberdade de expressão, volto a salientar, deve estar protegida, aí sim sob pena de inconcebível censura, para temas que o interesse público se revelar robusto, ainda que venha a causar danos à "figura pública" em questão, danos que podem vir a ser indenizados. Não vejo como censura não se poder publicar a opção sexual de A ou B ou a traição de C ou D, como já expressei, pela falta de "interesse útil-informativo" da questão.

4. Conforme mencionei, o biografado pode não querer ver sua vida exposta para posteridade, como pode pretender vê-la exposta por meio de uma autobiografia. Uma biografia não autorizada poderá frustrar a pretensão do lançamento de sua autobiografia, o que se demonstra uma inversão de prioridades a ser tutelada ao menos intrigante. Some-se a questão econômica de a figura pública ver-se restringida de explorar sua própria imagem em proveito próprio. Uma biografia não autorizada produz uma valoração econômica da imagem do biografado que se reverte para o biógrafo, autor intelectual da biografia, quando o biografado fica apenas à contar com sua vida exposta sem qualquer compensação financeira, que poderia ser uma realidade a partir ou de uma autobiografia ou de uma biografia autorizada, contratualizada.

Infirma-se na tecla de que a censura às informações de interesse-útil é intolerável em um estado Democrático de Direito. Assevera-se que eventuais excessos hão de ser indenizados, com muita parcimônia como forma de não se impelir uma censura velada por meios indiretos.

Meu parecer sobre a questão, portanto, se faz no sentido da vedação de biografias não autorizadas, salvo, por óbvio, posterior autorização do biografado ou de quem por ele passe a responder em caso de sua morte ou invalidez, que o incapacite de exprimir suas vontades livres e conscientes.

Indenizações como medidas de reparação e/ou compensação podem se mostrar inidôneas a reparar o dano que porventura haja sofrido o biografado. Incapaz ainda de se indenizar a frustração de não ser mais rentável a feitura de uma autobiografia com as novidades que já possam ter sido publicizadas por uma biografia não autorizada. E como compensar o dano de um biografado que não teve nenhuma lesão à sua moral, mas não queria ver sua história contada ou não queria ver sua história contada naqueles termos ou ainda, não queria ver sua história contada por àquele biógrafo?

A justiça não costuma condenar o biógrafo a indenizar o biografado quando não há lesão à sua moral configurada. Lembro que, o dano moral vai da individualidade de cada um, de um sentimento próprio, peculiar, o que poderia configurar um dano apenas o fato de se ter uma biografia sua lançada sem que fosse este o seu desejo.

Como forma de evitar todo este rebuliço, defendo a tese de que haja uma norma-regra de definição constitucional específica (PEC), que forneça os balizamentos necessários a espancar a insegurança jurídica que se alojou na questão, onde o conflito de princípios fundamentais se mostra tão perturbador, com posterior regulamentação por legislação infraconstitucional dos pormenores. Como disse, o STF pode ainda colaborar ao fixar um entendimento a ser seguido de forma vinculante à questão.

Democracia não se confunde com anarquia, lá temos liberdade com responsabilidade, na anarquia tudo é possível já que não há um Estado capaz de ordenar e tutelar os conflitos peculiares à sociedade. Em uma democracia há limites que devem ser respeitados e ponderados para que convivamos em um estado gregário passível de ser pacificado sem o uso do poder de uma força desproporcional de repressão capaz de converter uma democracia em um regime de força indesejado.

Em se entendendo de forma contrária, ou seja, em favor das biografias não autorizadas, que se estabeleçam limites, os excessos que devam ser indenizáveis como medida de segurança jurídica, muito embora para a "figura pública" tomada a decisão neste sentido jamais se poderá falar em segurança com alguma segurança.

Uma biografia comercializada com a imagem do biografado sem que este a autorize configura uma apropriação de direitos alheio e um locupletamento indevido, data máxima vênia, salvo melhor juízo.

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