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André Del Negri

Constitucionalista, professor da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).

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Veto à História?

Não reconhecer a profissão de historiador é atolar-se na ignorância

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Eric Hobsbawm foi um dos brilhantes historiadores do século 20 e influenciou gerações de estudantes e intelectuais. Uma das suas obras de fôlego, “A Era dos Extremos”, foi traduzida em mais de 40 línguas, relacionando-se como uma das melhores introduções à história do mundo moderno. 

Pois bem! Caso estivesse vivo, bem se pode imaginar como seria Hobsbawm trabalhando no Brasil governado por Jair Bolsonaro. Bem, por aqui, Hobsbawm seria ultrajado na sua profissão, como estão a ser insultados profissionalmente os notáveis historiadores que aqui temos. 

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É que o presidente Bolsonaro vetou todo o projeto de lei que criava a profissão de historiador. O certo é que Jair Bolsonaro pôs fim a longos anos de debate sobre o mérito do projeto, propositura que foi discutida, votada e aprovada pelas Casas parlamentares, mas quando levada à fase procedimental de sanção ou veto presidencial, o chefe de Estado optou por vetar.

O veto de Bolsonaro sobre a regulamentação profissional de historiador, com eixo no art. 5°, inciso IX da Constituição, realçando que é “livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, merece ser comentado, porque, ao que nos parece, foi um veto disperso, desconjuntado, sem observar toda a principiologia e estrutura normativa constitucional, logo incapaz de responder à única pergunta que importa no momento.

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Por que não criar a profissão de historiador? Qual é o receio em relação à História?

O mais surpreendente é constatar que o presidente primeiro decidiu, e, depois, apenas arrumou um jeito de motivar aquilo que já escolheu, fazendo parecer legalidade, a julgar das amarrações de argumentos frouxos e uma revisão da “liberdade de expressão” – ao sabor –, que ignora o tempo, os fatos e a história.

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O que a Constituição frisa no ilustrado inciso IX, do art. 5°, é que, de consabida lição, depois de 21 anos de ditadura, o foco é conduzir-se para impedir a censura de atividades diversas. E não é disso que se trata o projeto de lei. 

A arte, ou atividade intelectual e científica, com todas as frases na ordem direta do inciso IX, do art. 5°, são eixos que se relacionam com manifestos que podem ser gerados pelo cinema, pela música, quadros, livros, pinturas, esculturas, teatro ou cinema. O ponto é exatamente esse. Não é um inciso que norteia a regulamentação de uma profissão, mas sim a liberdade de manifestação que as profissões têm numa “sociedade aberta” (democrática). 

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O presidente provavelmente acredita que o projeto limita opiniões. Não creio que o projeto esteja a sugerir isso. É importante ter tudo bem claro porque a regulamentação da profissão sequer impede, por exemplo, jornalistas de fazerem incursões históricas. E, como vemos, jornalistas poderão continuar escrevendo sobre história. Apenas não serão chamados de historiadores. Esse é o ponto.

Uma vez que não há entraves para dizer que o projeto de lei é inconstitucional, só resta a hipótese de cor ideológica. A quem interessa o veto ao projeto de lei? A resposta é escandalosamente simples: às alas anti-intelectuais que compõem o núcleo raiz, fanatizado, do bolsonarismo, e que buscam conter a mobilização do que eles chamam de marxismo cultural, não é? Venham cá: o fundamento do veto é obscuro, um labirinto verbal. (ver aqui) É impressionante o mal que o bolsonarismo está causando. O catálogo presidencial exibe um anti-conhecimento como faixa principal e o anti-intelectualismo faz parte da trama de um Brasil de horrores. Essa mistura de necropolítica, neocristianismo, ideologia em sentido tônico e um presidente que clama por violência, postando fotos com gesto de atirar, não encontra paralelo em outros momentos da República, talvez nem nos piores pesadelos de Pedro Álvares Cabral, fosse qual fosse o marasmo na embarcação antes de chegar às Índias.

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Não reconhecer a profissão de historiador é atolar-se na ignorância. Dirá a turma dos néscios: “Ah, o segmento profissional já está inserido na classe dos trabalhadores do magistério, porção formada por aqueles que só lecionam história”. Bem, o ponto não é esse. Primeiro: é preciso começar a entender que quem “só” leciona história, não merece esse “só” na frente de “leciona”. Em segundo lugar, a profissão de historiador é construída, como foram construídas outras com formação semelhante, como é o caso dos geógrafos, sociólogos e museólogos, que conseguiram reconhecimento profissional no final dos anos 1970, início dos 80.

A importância de regulamentar a profissão é para que o seu exercício não seja praticado de forma inconsequente. É preciso que profissionais conheçam as teorias e metodologias específicas da área, para que sejam cientistas ousados, críticos, que transponham a barreira de um contexto. 

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Se a História figura na área das Ciências Humanas, em tabela CAPES de Áreas do Conhecimento, é necessário termos cientistas formados para esse ofício, inclusive o de ensinar história.

Ao vetar a regulamentação que cria a profissão de historiador, Bolsonaro atinge em cheio a liberdade de exercício profissional (art. 5°, XIII, CF), apesar de fazer uma interpretação ao gosto, desprezando os limites do texto Constitucional.

Num país dos que se rejubilam com os cacoetes dos coachs de Internet e digital influencers que vendem futilidades, falar em regulamentar a profissão de historiador é algo perturbador para a mente de representantes eleitos, notadamente para aqueles que priorizam discursos retóricos e enganosos.

Que se registre o veto de Bolsonaro ao comentado projeto de lei, porque daqui há algum tempo, a futura geração de brasileiros saberá que um dia superamos capitães do mato, senhores de engenho, feitores, torturadores, ditadura, AI-5, capitães, pistoleiros, milicianos, homofóbicos e até um presidente da República, que no alto do seu subdesenvolvimento político, barrou uma propositura legislativa que apenas criava o reconhecimento de uma profissão. 

Paro por aqui. Da minha parte, tudo o que posso dizer, é que todos nós estamos fazendo história. E a história vai ser contada. Não ouso mentir. Isso é História, essa danada!

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