CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
Denise Assis avatar

Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

702 artigos

blog

Veto de Bolsonaro à profissionalização do historiador causa revolta no meio acadêmico

"O caráter absoluto do veto, sem nenhuma justificativa, feito por Bolsonaro, de acordo com os historiadores traduz a sua verdadeira ojeriza pelos temas da história recente", escreve Denise Assis, do Jornalistas pela Democracia

Jair Bolsonaro (Foto: divulgação)
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Por Denise Assis, do Jornalistas pela Democracia

Jair Bolsonaro vetou na sexta-feira (24/04), a regulamentação da profissão de historiador. A busca por formalizar a atividade vem desde a década de 1970, quando foi encampada por nomes como Sérgio Buarque de Holanda, Maria Yedda Linhares, Emília Viotti e uma sucessão de historiadores significativos para este campo, que ao longo desses anos deram continuidade à luta pela formalização da carreira.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

O caráter absoluto do veto, sem nenhuma justificativa, feito por Bolsonaro, de acordo com os historiadores traduz a sua verdadeira ojeriza pelos temas da história recente e a tentativa que tem demonstrado em várias oportunidades, de desconstruir e confundir fatos históricos fartamente documentados e comprovados. O efeito foi uma verdadeira revolta no meio acadêmico que, com base nos sinais já emitidos por Jair, não esperavam uma aprovação ampla do projeto, mas também não supunham que ele pudesse vetar pura e simplesmente sem apresentar argumentos para o seu gesto.

Acadêmicos e integrantes de universidades e instituições das várias áreas se mobilizaram em torno do tema e já circulam uma petição pública, no sentido de revogar a decisão. Nome emblemático entre os historiadores, o professor Francisco Carlos Teixeira da Silva, Titular de História Moderna e Contemporânea/UFRJ, Emérito da ECEME e titular do CPDA/UFRRJ, foi um dos que se pronunciou a respeito. Com ironia, ao receber a notícia citou os versos da música “Pesadelo”, do compositor Paulo Cesar Pinheiro: “Que medo você tem de nós!”, e comentou:

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

“Numa sociedade entorpecida por fake news e estruturalmente deformada por um sistema educacional de péssima qualidade, com meios de comunicação marcados pelo racismo e pelo preconceito social, não é de estranhar que professores, em especial os professores de História, sejam alvo de perseguição dos poderosos”. 

Foi Teixeira quem nomeou os precursores da busca pela profissionalização e contou que a luta pela regulamentação da carreira vem desde os anos de 1970. “Agora, quando tínhamos vencido todas as barreiras, veio o veto integral do governo. Desta forma, as "aventuras" e "mentiras" sobre nosso passado, a deseducação do povo, poderão continuar impunemente”, lamentou.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Também a historiadora Claudia Viscardi, professora titular da Universidade Federal de Juiz de Fora, ex-diretora da Associação Nacional de História (ANPUH) e especializada em História do Brasil e da República, demonstrou indignação quanto ao veto e descreveu o que foram os últimos 10 anos, em busca da aprovação: “Trata-se de uma proposição da Associação Nacional de História, que vem se articulando pela regulamentação, muito importante para abrir outros campos de trabalho do profissional formado nesta disciplina, para que ele não se limite ao exercício da profissão de professor. Por mais louvável que seja a atividade, a formação que a gente oferece aos alunos de História vai muito além disso, de ser um professor”. 

A professora exemplificou como pode se dar esta diversificação: “a gente pensa que o profissional possa ser contratado para atividades em órgãos públicos ou privados, que muitas vezes necessitam desse trabalho. Como não há a regulamentação da profissão, como há para sociólogo, para geógrafo, a lei impede que se faça exigências desses profissionais no caso de editais para concursos públicos, por exemplo, o que reduz muito o campo de trabalho do nosso profissional”. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Para a professora Viscardi, o processo até aqui foi muito discutido com os historiadores e profissionais de áreas afins, com formação direta ou indiretamente ligada à História. Foi levado e debatido também com outras associações e, em sua opinião, “a gente conseguiu formular um projeto consensual, que quando chegou ao Congresso foi bastante modificado. Deputados pediram vistas, senadores também. O processo foi se estendendo, mas quando ele foi aprovado a gente considerou um ganho significativo para a profissão. Até sermos surpreendidos por este veto de Bolsonaro”. Não totalmente, faz a ressalva. “Nós já esperávamos que ele imporia algum tipo de obstáculo a esse projeto, pelos problemas que ele tem de relação com a Ciência em geral, com historiadores, com a Academia, e sobretudo com os historiadores”.

A perplexidade ficou por conta do radicalismo do veto. “A surpresa foi o veto integral, assim, de forma tão injustificada. Pelas alegações, o veto faz alusão ao artigo 5º da Constituição Federal, item XVIII, que diz o seguinte: ‘é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a Lei estabelecer’. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Traduzindo: “o trabalho do profissional deveria ser livre, desde que as pessoas sejam qualificadas para a atividade. O que foi aprovado pelo parlamento foi uma lei que estabelecesse qualificações para o exercício da profissão. Então não entendo que este seja o argumento para o veto e, sim, para a afirmação do projeto”, reage. 

Outra referência que consta do parecer emitido pelo ministro Gilmar Mendes, em 03/11/2009, que tem a ver com a regulamentação da profissão de jornalista. “Quer dizer, não tem nada a ver conosco, foi outro tipo de luta. O jornalista não é um historiador. É um outro projeto, uma outra circunstância. Não pode servir de parâmetro para o veto, porque para servir de parâmetro nós teríamos outras profissões há muito regulamentadas e que poderiam ser citadas para justificar o projeto, não o seu veto”, aponta a professora.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

“Nós não entendemos a alegação que está contida no texto. Acreditamos estar por trás disso tenha uma visão de que História é opinião. História não é opinião. Isto é tratar a História como se fosse algo desvinculado da vida intelectual, da academia, da própria Ciência. A gente não aceita essas razões, totalmente injustificadas, e consideramos um desrespeito para com gerações e gerações de historiadores que querem a regulamentação do seu campo. A gente acha que foi uma ação de desprestígio à profissão do historiador, provavelmente pelos problemas que o presidente e o ministro da Educação têm, com a própria história do país. Eles querem fazer uma leitura totalmente distorcida e negacionista dos fatos passados, já totalmente aceitos e compartilhados pelos profissionais de História. 

Claudia Viscardi lembra que várias vezes o ministro já puniu historiadores, já os ameaçou, já os considerou como doutrinadores. “Ele tem uma visão muito negativa dos historiadores, que não se fundamenta em nenhum fato. Apenas em um preconceito ou uma insegurança, seja lá o que explique isto. Mas a gente tem que trabalhar com o que está no texto e no texto o veto não se justifica. Então estamos tentando por meio da nossa Associação e junto aos senadores dos nossos estados, para que se consiga rever esta situação”, revela.

Viscardi descarta que o projeto final, aprovado pelo parlamento, reivindique um monopólio do exercício da profissão de historiador atribuída àquele que fez graduação em História. Segundo ela, o direito se estende a qualquer profissional com mestrado ou doutorado, ou que tenha cursado disciplinas com vínculos à História. “O projeto é super flexível. Ele permite que sociólogos com uma produção consolidada, grande, na área da História, possa exercer a profissão. Então não há nenhum monopólio”, conclui. 

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Carregando os comentários...
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Cortes 247

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO