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Paulo Moreira Leite

Colunista e comentarista na TV 247

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Veto do TSE a 3,3 milhões de eleitores lembra escândalo que elegeu Bush

"Num país onde a Constituição só proíbe o direito de voto para condenados após o transito em julgado da sentença, o STF irá discutir se tem o direito de cancelar o título de 3,3 milhões de brasileiros que não fizeram o recadastramento biométrico e ficarão impedidos de votar em outubro", escreve Paulo Moreira Leite, articulista do 247; correspondente nos EUA em 2000, quando George W Bush ganhou uma eleição em ambiente de fraude em torno de listas de eleitores autorizado a votar, PML recorda: "assim nasceu o pior governo dos EUA desde 1776, o ano da independência" 

Veto do TSE a 3,3 milhões de eleitores lembra escândalo que elegeu Bush
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Como sempre acontece na vida cotidiana, episódios que parecem banais costumam esconder uma situação grave e inaceitável em relação aos direitos de uma população inteira.

Um desses casos envolve os direitos políticos de 3,3 milhões de brasileiros que, por decisão do TSE, podem ser impedidos de votar no pleito de 2018.

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A ameaça envolve eleitores de 1248 municípios, localizados em 22 Estados da federação, escolhidas pelo TSE para fazer o recadastramento biométrico. 

Essas pessoas não fizeram o cadastramento no prazo definido pela Justiça Eleitoral e tiveram seu título cancelado. Isso quer dizer que,  quando tomarem o caminho das urnas, em 7 de outubro, serão impedidas de votar. O caso deve ser examinado hoje pelo STF, com relatoria de Luiz Roberto Barroso. 

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Não custa lembrar que estamos falando de um número politicamente relevante sob qualquer ponto de vista. Em 2014, uma diferença de 3,4 milhões de votos garantiu a vitória de Dilma Rousseff sobre Aécio Neves no segundo turno.

 Do ponto de vista do Direito, é uma questão imensa. Num país onde o voto é obrigatório para toda pessoa alfabetizada com mais de 18 anos, o artigo 15 da Constituição diz no inciso III que a suspensão dos direitos políticos de um cidadão só pode ocorrer em caso de "condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos".

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Considerando que a Constituição é a lei maior, cujas determinações devem prevalecer sobre as demais,  a suspensão dos direitos políticos de 3,3 milhões de brasileiros em função da biometria é um disparate jurídico num país no qual o artigo 1 da Constituição sustenta que "todo poder emana do povo".

"Estão tirando um Uruguai da eleição brasileira", denuncia o deputado Paulo Teixeira (PT-SP). "São milhões de pessoas que têm o título de eleitor, com o qual votaram a vida inteira. Não podem perder esse direito simplesmente porque o TSE decidiu criar um outro meio, a biometria, para cadastrar eleitores. Uma coisa não tem a ver com a outra".

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Como regra, os cancelamentos ocorrem em famílias pobres, de eleitores que residem em locais distantes. Têm mais dificuldade de serem encontrados e também de se locomover. "As vítimas dos cancelamentos são, invariavelmente, eleitores de baixa renda," explica Teixeira. "Não têm computador, a televisão não funciona direito, as vezes acaba a luz, o Correio não existe."

O volume de cancelamentos em 2018 também chama a atenção porque é alto.  Foram 3.368.447 cidadãos e cidadãs de 1248 municípios que ficaram sem o título. Em 2016, quando o levantamento anterior foi encerrado, os cortes ficaram em menos da metade: 1.618. 488, em 780 municípios. Em 2014,  os números ficaram em 1.190.141, em 463 municípios, pouco mais do que um terço do que se fez em 2918.  

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"Estamos falando de uma burocracia sem sensibilidade social e mal intencionada politicamente", acusa Paulo Teixeira. "É evidente que esses cortes atingem os mais pobres, afetando sua força política, que se baseia no número de eleitores para avançar reivindicações".  

 

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Só para se ter uma idéia da gravidade da decisão, basta lembrar que, no Brasil, mesmo pessoas que cumprem pena de prisão em regime provisório têm -- ao menos em teoria -- o direito de comparecer às urnas. Na prática, menos de 10% dos condenados em condição de votar exercem seu direito, informa um levantamento do site Justificando. Nesta circunstância, nem o mais  famoso preso político brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, poderá exercer o direito de voto em outubro, como autoriza a Constituição. Isso porque o local onde Lula cumpre pena não atinge o quoeficiente de 50 prisioneiros em condicões de votar --  exigência do Código Eleitoral para a instalação de urnas no sistema penitenciário.

 

Ao defender a manutenção do cancelamento dos 3,3 milhões de títulos, a ministra Rosa Weber, presidente do TSE, até admite que a ausência de biometria não "deve gerar necessáriamente o cancelamento do título eleitoral".

Por outro, alega que a readmissão de eleitores que já tiveram o título cancelado "implicará o comprometimento do calendário eleitoral, fora elevados custos exigidos para o refazimento das diversas etapas do pleito". Em português claro, confunde-se o principal com o secundário.

 

Mesmo reconhecendo o direito soberano de voto, pretende-se afastar 3,3 milhões de eleitores das urnas porque sua presença pode custar caro e implicar no "comprometimento do calendário eleitoral". O preço provável dessa decisão não será econômico, contudo. Pode ser cobrado em legitimidade.

 

Basta recordar o ambiente político já tenso e polarizado em que irão ocorrer as eleições de 2018 para reconhecer o risco do país ser colocado diante de um novo foco desnecessário tensão, disputa e questionamentos inevitáveis.

Eu era correspondente em Washington, em 2000, quando George W Bush e Al Gore participaram de uma das mais apertadas disputas da história política norte-americana, cujo centro envolveu a contagem de votos na Flórida. Como no Brasil em torno de 3,3 milhões de eleitores, o debate, ali, envolvia o direito de votar.

 

No caso brasileiro, a decisão a ser tomada pelo STF é saber o destino de cidadãos que poderão comparecer às urnas -- ainda que não tenham feito a biometria, recurso tecnológico que sequer é obrigatório em todo território nacional. Estamos falando de um direito constitucional.

 

No caso norte-americano, o debate envolvia caminhos bem diferentes mas chegava a um resultado prático semelhante. Tratava-se de selecionar, a partir de registros criminais, que formam uma massa  significativa de eleitores potenciais num pais que tem uma população carcerária gigantesca,  quem pode e quem não pode votar. Investigações conduzidas mais tarde pelo Congresso norte-americano desmonstraram que os registros eram manipulados e falsificados para beneficiar candidaturas, em particular de aliados de George W Bush.  

 

Em "Direito de Voto", o acadêmico Alexander Keyssar, professor de Política Contemporânea em Harvard, recorda  que nas sombras do sistema eleitoral dos EUA funcionava um sistema organizado de fraudes  que garantia a exclusão de eleitores em lista, ao sabor das conveniências de chefes políticos locais. Referindo-se a atuação dos aliados locais de George W Bush, Keyssar

escreve: "representantes republicanos, ao antecipar uma eleição muito disputada, e presumindo que a maioria dos ex-criminosos, de grupos minoritários, votariam nos democratas, haviam comprado listas de criminosos condenados, de empresas privadas, e então tentaram estabelecer a ligação daquelas listas com os nomes dos eleitores registrados".

 

Diz Keyssar: " milhares de pessoas cujos nomes  apareciam nas listas de criminosos foram removidas das listas eleitorais; algumas só tomaram conhecimento desse fato ao chegar as urnas e receber a notícia de que seus nomes não constavam mais nos registros".  Minuciosa, a obra aponta que a fraude também prosseguiu pelos sistemas de apuração. Contabilizando votos de papel, fáceis de rasurar e manipular, "ficou claro que muitos votos simplesmente não haviam sido contados, enquanto inúmeros outros podem ter sido registrados de forma errada".  Por estimativas mencionadas pelo professor, em alguns municípios entre 3% e 5% das cédulas chegaram a ser descartadas na apuração porque os mesários consideravam que haviam sido "danificads". Numa zona eleitoral de maioria afroamericana, o descarte chegou a 12%.   

Em qualquer país, a discussão sobre o  direito de quem pode e quem não pode votar tem implicações políticas óbvias, em particular quando envolve uma possível influência no resultado final. Transformada em guerra jurídica, pois ali estavam votos que decidiriam a vitória no Colégio Eleitoral, a embaralhada apuração na Flórida transferiu  o poder de decisão das mãos do eleitorado para a Suprema Corte.

Numa decisão chocante do ponto de vista da democracia, o plenário decidiu a favor de George W Bush, candidato do mesmo Partido Republicano que indicara a  maioria de 5 votos a 4 que instalou Bush na  Casa Branca.

"Não há direito de sufrágio, " argumentou Antonio Scalia, na sustentação oral que fundamentou a decisão, exibindo uma franqueza que o mundo político civilizado dos EUA levará um certo tempo para digerir. 

Como a história iria demonstrar, a falta de legitimidade da vitória de Bush abriu caminho para o governo mais desastrado da história dos Estados Unidos desde 1776, o ano da independência.

Mesmo quem não vê nenhum motivo para imaginar que o corte de 3,3 milhões de eleitores pelo STF pode produzir, necessariamente, uma tragédia semelhante, precisa refletir sobre um fato importante.

O veto a 3,3 milhões de eleitores, impedidos de exercer um  direito constitucional, deve ser visto como uma decisão grave em si. Inaceitável.   

Após tantas demonstrações de poder oferecidas na ultima década, seria bom o Tribunal demonstrar apego à uma garantia  que prevê o direito de voto. Em 2018, o STF tomou decisões que tiveram e terão um peso decisivo para  resultado, qualquer que seja ele,  a começar pela exclusão de Lula -- sem prova, sem direito ao transito em julgado, sem consideração pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU.

Um pouco de respeito pela soberania do eleitor é um gesto correto e prudente. Estamos falando dos mais pobres, menos protegidos -- para quem o voto é uma arma especialmente valiosa.  

Alguma dúvida?   

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