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Brasil

Choro de uma mãe e duas crianças, no exílio, pelo pai morto, em 1976

Ex-integrante da Ação Popular, a AP, psicanalista radicada em Paris desde 1977, Maria Ester Cristelli Drummond luta para ter o seu nome real registrado. Ela é viúva do economista João Batista Franco Drummond, assassinado na Queda da Lapa. Durante uma hora e 45 minutos ela não chorou, mas não aguentou ao ouvir 'Lembranças'. Anistiada em 2011, conseguiu retificar atestado de óbito e incluir tortura como causa mortis; reportagem especial de Renato Dias

Ex-integrante da Ação Popular, a AP, psicanalista radicada em Paris desde 1977, Maria Ester Cristelli Drummond luta para ter o seu nome real registrado. Ela é viúva do economista João Batista Franco Drummond, assassinado na Queda da Lapa. Durante uma hora e 45 minutos ela não chorou, mas não aguentou ao ouvir 'Lembranças'. Anistiada em 2011, conseguiu retificar atestado de óbito e incluir tortura como causa mortis; reportagem especial de Renato Dias (Foto: Gisele Federicce)
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Renato Dias, especial para o Brasil 247 e Diário da Manhã

Com seu indefectível chapéu Panamá, Luiz Carlos Orro, advogado, jornalista e cantor canta a música ‘Lembranças’, de autoria de Benil Santos e Raul Sampaio, imortalizada nas vozes de Martinho da Vila e Nelson Ned. Radicada na França desde o ano turbulento de 1977, Maria Ester Cristelli Drummond chora. Lágrimas e lágrimas escorrem pelo seu rosto marcado por tragédias em seus 72 anos de vida. O tempo fecha. O ambiente, a casa aconchegante do advogado Egmar Oliveira e de sua bela mulher Bruna, carrega o clima sombrio dos ‘anos de chumbo’. Uma pedaço da história do Brasil é desnudado. Sob forte tensão emocional.

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Nascida em Belo Horizonte [MG], no dia 8 de agosto de 1944, ao fim da segunda guerra mundial, em que URSS, EUA e Inglaterra derrotaram o nazismo, de Adolf Hitler, e o fascismo de Benito Mussolini, além do Japão, ela ingressou na Universidade Católica em Serviço Social. Logo virou diretora da União Estadual dos Estudantes [UEE- MG]. Os ventos do marxismo-leninismo so­pra­­ram em seu rosto. Maria Ester Cristelli acabou na Ação Popular, a AP, que fazia uma leitu­ra materialista e dialética da História. Um ano após o golpe de Estado civil e militar de primeiro de abril de 1964, no Congresso da UNE, em São Paulo, conheceu o homem que mudaria sua vida

- João Batista Franco Drummond.

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Com 1,73 m de altura, magro, cabelos encaracolados, ele tocava violão, cantava Bossa-Nova e adotara a liturgia formulada por Karl Marx, F. Engels e Vladimir Ilich Ulianov, codinome Lênin. O advogado, com inusitado cavanhaque, que fez, ao lado de Leon Trotsky, a primeira revolu­ção socialista do mundo, na Rússia, em outubro de 1917, e que, em 2017, fará o seu centésimo aniversário. Os dois começaram a namorar e se casaram, em 24 de novembro de 1966. A pri­meira filha nasceu, em 27 de abril de 1968: Rosa Cristelli Drummond. A segunda filha veio de­pois, 3 de setembro de 1969, Sílvia Cristelli Drummond. Duas meninas lindas. Com a decre­ta­ção do Ato Institucional Número 5, em 13 de dezembro de 1968, eles já estavam na clandestinidade.

- São Paulo, Recife, Fortaleza, Salvador, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Uberlândia foram cidades onde montamos aparelhos.

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Os aparelhos eram onde os esquerdistas, que lutavam contra a ditadura civil e militar e pelo socialismo, se escondiam. Maria Ester Cristelli Drummond enfrentou tempos de solidão. O marido estava mergulhado nas lutas politicas e à espera da revolução no Brasil. A mãe, às vezes, tinha que se distanciar das filhas. As três sofriam. Até em Goiânia, no bairro tradicional da Vila Nova, o casal com as duas meninas morou. É que o PC do B, uma dissidência de 1962 do Partidão, fundado em março de 1922, deflagrou a Guerrilha do Araguaia. O conflito durou de 1972 a 1975. Com um saldo trágico de mais de 60 mortos e desaparecidos políticos.

- João Batista Drummond, economista, morreu na Queda da Lapa.

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Derrotada a guerrilha no Araguaia, o PC do B programou para 16 de dezembro de 1976, em São Paulo, Capital, bairro da Lapa, uma reunião do Comitê Central que encontrava-se no País para fazer um balanço da experiência revolucionária. Jover Telles, comunista da instância, delatou o encontro. A repressão civil e militar chegou e matou Pedro Pomar e Ângelo Arroyo. Aldo Arantes e Elza Monerat foram presos e torturados. João Batista Drummond, preso, torturado, morreu no DOI-CODI, centro de torturas. A versão oficial, que saiu nos veículos de comunicação à época, teria sido por um suposto atropelamento. Mentira. Mentira. Mentira.

- Ele morreu sob torturas!

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Maria Ester Cristelli Drummond estava escondida em Uberlândia [MG] quando soube da notícia trágica da morte do marido. Ela acabara de receber uma carta enviada por sua cara-metade. A postagem, porém, era de data anterior ao ‘massacre da Lapa’. O seu irmão, Augusto Drummond, sob ameaças, buscou o corpo. A ordem era enterrá-lo no mesmo dia, à noite e sem abrir o caixão – que permitiria constatar o corpo marcado por torturas e sevícias a que foi submetido no DOI-CODI [SP].  O enterro ocorreu no Cemitério Colina. A sua mulher e as duas filhas, Rosa e Sílvia, não puderam dar o último adeus ao pai. É triste. De cortar o coração...

- Em 1977 fui para o exílio: Paris.

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Com o suporte institucional da Anistia Internacional, Maria Ester Cristelli Drummond, formada em Serviço Social, conseguiu que as suas duas filhas, Rosa, com 9 anos de idade, e Sílvia, com 8 anos, fossem embarcadas pelos avós para a França. A primeira coisa que elas falaram para a mãe, que morria de saudades de suas crianças indefesas, era que o vovô, pai de João Batista Drummond, disse é que era para ela não namorar muito menos fazer política. Com energia e em defesa do direito à memória e à verdade, a mãe foi ao encontro, em duas ocasiões, de Má­rio Soares, primeiro-ministro socialista de Portugal. Para pedir intervenção no ‘massacre da Lapa’.

- Mário Soares enviou duas cartas à ditadura civil e militar do Brasil para cobrar explicações.

As crianças estudaram em escolas públicas, foram criadas com auxílio financeiro do Estado e com o magro salário que a mãe recebia. Em 1992, Maria Ester Cristelli se casou com um francês, o físico Jacques Jean Maillard. Eles não tiveram filhos. Ela fez ainda Psicologia Clínica e Psicopatologia em Rennes 2 e Psicanálise, em Paris 8. Anistiada em 2011, conseguiu uma decisão inédita no Judiciário Brasileiro. A revisão do atestado de óbito de João Batista Franco Drummond. Em 13 de novembro de 2014, o juiz de primeira instância, Guilherme Madeira, de São Paulo, determinou que constasse em sua certidão a causa mortis: torturas.

- Local: DOI-CODI, em São Paulo, dezembro de 1976.

O promotor de Justiça, Sebastião Sílvio de Brito, não aceitou a decisão e recorreu da sentença. A procuradora de Justiça do MP [SP] Carmen Beatriz contestou o promotor. O Tribunal de Justiça de São Paulo, por dois votos a um, confirmou a decisão do juiz de Direito, Guilherme Madeira. O voto contrário foi do desembargador Giffoni Ferreira. A ação havia sido movida pela advogado goiano Egmar Oliveira, que chegou a exercer o cargo de vice-presidente da Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça. A ex-guerrilheira agora, em novembro de 2016, trava uma nova batalha. Sem armas nas mãos. Uma guerra oculta dentro do Poder Judiciário.

- Quero registrar o meu nome verdadeiro: Maria Ester Cristelli Drummond Maillard. Na minha carteira de identidade.

***

A decisão judicial para ‘Teinha’ não tem data para sair.

 

Cronologia dos fatos

1964

Um golpe de Estado civil e militar no Brasil

 

1965

Na UEE [MG], Maria Ester conhece João Batista

 

1966

Maria Ester e João Batista Drummond se casam

 

1968

Decretação do Ato Institucional Número 5

 

1972

A guerrilha do Araguaia é deflagrada no País

 

1975

A guerrilha do Araguaia é liquidada pela repressão

 

1976

João Batista morre sob torturas no DOI-CODI

 

1977

Maria Ester Cristelli Drummond refugia-se em Paris

 

1979

Anistia é aprovada, em agosto, no Congresso Nacional

 

2011

Maria Ester Cristelli Drummond Maillard é anistiada

 

2014

Egmar Oliveira consegue retificar atestado de óbito

 

2016

Maria Ester Cristelli Drummond Maillard quer registrar nome real



Renato Dias é formado em Jornalismo pela Alfa, graduado em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás, especialista em Políticas Públicas pela UFG e mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento [PUC-GO]. É autor dos seguintes ‘Luta Armada/ALN – Molipo As Quatro Mortes de Maria Augusta Thomaz’; ‘O Menino que a Ditadura Matou – Luta Armada, VAR-Palmares e o desespero de uma mãe’;  História – Para Além do Jornal – Um repórter exuma esqueletos da ditadura civil e militar; ‘Cuba, hoje – Uma revolução envelhecida ou a reinvenção do socialismo? O reatamento entre Havana e a Casa Branca’.

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