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Brasil

CIDH realiza audiência com o MST sobre paralisação da reforma agrária no Brasil

Comissão Interamericana de Direitos Humanos analisou informações sobre despejos forçados no campo, especialmente em meio à pandemia da Covid-19 no Brasil

Acampamento Quilombo Campo Grande; Foto: Setor de Comunicação MG
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247 - A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) recebeu nesta quarta-feira (9) integrantes de coletivos de direitos humanos e do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) para audiência para analisar informações sobre despejos forçados no campo, especialmente em meio à pandemia da Covid-19 no Brasil. O evento ocorre no momento em que o país enfrenta a segunda onda da pandemia, vitimando 178.000 pessoas e sensibilizando os comissionados e comissionadas a respeito do tema de despejos forçados. 

A delegação peticionária incluiu os advogados Diego Vedovatto, Marcelo Andrade Azambuja, Carol Proner, Juvelino Strozake, a educadora Ayala Dias Ferreira, o defensor público Renan Vinicius Sotto Mayor de Oliveira (Presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos - CNDH), os agricultores familiares e integrantes do MST, Lucinéia Durães do Rosário e Silvio Neto, o economista e integrante da Coordenação Nacional do MST, João Pedro Stédile, o bispo Dom José Ionildo Lisboa de Oliveira e o Premio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel. 

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Outros temas tratados de forma conjuntural pelos demandantes foram: os conflitos agrários e o aumento da violência no campo, a paralização da Reforma Agrária como política pública constitucional; a falta de interlocução democrática do governo com as populações camponesas; o uso indiscriminado de agrotóxicos com a autorização e o estímulo do governo; os crimes praticados pela mineração; e a política de retrocesso generalizado em direitos humanos contra as populações campesinas, indígenas e quilombolas.  

No caso da reforma agrária, conforme informações trazidas pelos representantes do MST, as lesões aos direitos têm ocorrido de forma sistêmica, resultado de uma prática cotidiana e pulverizada em dezenas de atos administrativos praticados especialmente pelo INCRA e pela Secretaria de Assuntos Fundiários do governo de Jair Bolsonaro. Não é demais afirmar que tais órgãos que deveriam ter a missão de promover o acesso à terra, tratam uma obrigação constitucional como “pauta adversária” a ser combatida. 

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Um dos casos concretos especialmente relacionados na audiência foi o despejo forçado no Acampamento Quilombo Campo Grande, em Minas Gerais, ocorrido em 14 de agosto de 2020 por ordem do Governador do Estado em cumprimento a decisão judicial. 

O operativo policial utilizou forte contingente policial da tropas de choque, cães, bombas de efeito moral e gás de pimenta, e até um helicóptero para efetivar o despejo forçado e violento de 14 (quatorze) famílias assentadas na região. Um símbolo enigmático de tal operação, que durou mais de 60 horas, foi a demolição da Escola Eduardo Galeano, que servia como principal centro de alfabetização e educação das criança, jovens e adultos que vivem naquela comunidade rural.

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Pela gravidade do episódio, houve grande repercussão nacional e internacional do caso. Além da solidariedade de diversos artistas, intelectuais e juristas, a alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Dra. Michelle Bachelet, manifestou publicamente preocupação com a situação de despejos forçados no Brasil, especialmente durante a pandemia. Até mesmo o Relator Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Direito à Moradia, Dr. Balakrishan Rajagopal, solicitou informações ao Estado Brasileiro sobre as violações. 

Durante a audiência da CIDH, os representantes do Estado brasileiro tergiversaram, atacaram os defensores de direitos humanos justificando que teriam sido disponibilizados alojamentos municipais para o acolhimento das famílias desalojadas. Mas a realidade, conforme atestam documentos enviados à Comissão, não deixam dúvidas que a operação promoveu aglomeração, expôs desnecessariamente centenas de camponeses, assim como dos policiais militares mobilizados. Não houve plano de realocação das pessoas, e as estruturas municipais disponibilizadas eram completamente inadequadas, sem qualquer possibilidade de se manter em isolamento contra o vírus da Covid-19, e ainda, misturando idosos, crianças e demais pessoas em um mesmo espaço físico.

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O caso do Quilombo Campo Grande, pela atuação hostil dos diferentes entes estatais – governo federal, governo estadual, judiciário local e força policial – exemplifica um modus operandi de violência que, no entender dos peticionários, respalda a necessidade de medidas cautelares por parte dos órgãos internacionais de direitos humanos. Decisões judiciais monocráticas são cumpridas antes do trânsito em julgado dos processos e com recursos aguardando apreciação nas instancias recursais. 

O objetivo imediato das medidas cautelares requerido à CIDH é justamente proteger as 450 (quatrocentas e cinquenta) famílias que residem nos acampamentos da região do Campo do Meio e que, a qualquer tempo, podem sofrer uma ofensiva violenta semelhante. A área total do conflito é de 3.900 hectares onde mais de 2 mil pessoas residem há pelo menos 20 anos, e constituiu-se numa bela referência na produção de café (8,5 mil sacas) e outras 150 variedades de alimentos cultivados sem o uso de agrotóxicos. O objetivo mediato ou geral das medidas cautelares pleiteadas é assegurar que não venham a ser adotados, por parte do Estado, novos despejos violentos, em especial durante a pandemia. 

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A situação de vulnerabilidade dos camponeses também foi comparada àquela vivida pelos povos e territórios indígenas e quilombolas. São situações análogas que suscitam proteção por parte do Estado brasileiro em consonância com a Constituição Federal e com os compromissos convencionais. Não obstante, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal, somente as populações indígenas foram contempladas com a suspensão dos processos de despejo durante a pandemia (conforme se extrai da decisão do Excelentíssimo Ministro Luiz Edson Fachin no bojo do Recurso Extraordinário 1.017.365), sendo negada a extensão de tal decisão aos agricultores familiares sem-terra. 

Os peticionários argumentaram que as famílias acampadas no local já enfrentam situação precária no dia-a-dia e que, ao serem desalojadas, estarão em situação ainda mais difícil. Deixarão suas casas com encanamento e acesso a água potável, suas roças de produção de subsistência, com diversidade de produção como café́, frutas, hortaliças, verduras e legumes em larga escala, além da criação de pequenos animais como galinhas, porcos, para viverem desabrigadas nas cidades ou em acampamentos ainda mais precários. 

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Os representantes do Estado, entre os quais dois militares, apresentaram respostas genéricas e protocolares às denúncias, assim como aos questionamentos formulados pelas comissárias, alegando friamente a regularidade das políticas e mecanismos de regularização fundiária promovidos pelo governo, bem como a necessidade do uso da Força Nacional em determinadas circunstancias. Não ofereceram, porém, quaisquer documentos ou dados consistentes capazes de contrastar a realidade de abandono da Política Nacional de Reforma Agrária, tanto pela paralisação dos procedimentos administrativos e judiciais de fiscalização da função social da propriedade, desapropriação dos imóveis irregulares, e o corte de mais de 95% da destinação orçamentária para o conjunto das políticas públicas vinculadas à Reforma Agrária em 2021.

Ao tempo em que a Assembleia Geral da ONU aprova a Declaração das Nações Unidas sobre o Direito dos Camponeses (2018), e que todas propostas de combate à fome (FAO-ONU) incluem a interdependência entre moradia, segurança alimentar e reforma agrária, o governo brasileiro paralisa processos administrativos e judiciais de desapropriação para fins de reforma agrária e demarcação de terras indígenas e quilombolas, interrompe a destinação orçamentaria, e deixa de destinar terras públicas para o assentamento de famílias no campo, em benefício da grilagem de terras praticada pela mineração ilegal e por ruralistas. São retrocessos evidentes e com prejuízos enormes desenvolvimento nacional e ao patrimônio público do país.

A política intencional e programática de fazer retroceder direitos afeta a vida no campo, mas também territórios de ocupação tradicional. É ainda mais dramática a situação dos povos indígenas e quilombolas, igualmente considerados inimigos do atual governo. 

Argumentaram os peticionários que, entre as inúmeras consequências do não-fazer Estatal, do não cumprimento dos mandamentos constitucionais, está o acirramento das disputas fundiárias que afetam territórios de assentamentos, que garantem terra, trabalho, moradia, alimentação, saúde, educação, cultura e dignidade humana, todos direitos interdependentes, conforme preconiza a Convenção Americana de Direitos Humanos. 

Como resultado da Audiência Pública, e com o acúmulo informativo e documental de que dispõe a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, espera-se que sejam definidas diretrizes e expedidas recomendações capazes de respaldar a luta por direito de agricultores familiares sem-terra, bem como a proibição dos despejos violentos em qualquer período, de forma especial enquanto persistirem os efeitos desta trágica pandemia. 

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