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Brasil

Desobediência é o que resta de dignidade, diz jornalista

"A universalidade das leis se fundamenta na defesa de que todos são iguais em dignidade e respeito à vida e à liberdade. Quando essa condição é fraturada – com a barbárie da escravidão, da censura, perda do sentido da representação política, da partidarização da justiça e da animalização dos pobres, entre outros –  há muito se rompeu o pacto civilizacional. Nessa hora, a desobediência é o único resquício de humanidade", diz o jornalista João Paulo Cunha, numa ácida crítica ao golpe perpetrado por Michel Temer e Aécio Neves contra o Brasil

"A universalidade das leis se fundamenta na defesa de que todos são iguais em dignidade e respeito à vida e à liberdade. Quando essa condição é fraturada – com a barbárie da escravidão, da censura, perda do sentido da representação política, da partidarização da justiça e da animalização dos pobres, entre outros –  há muito se rompeu o pacto civilizacional. Nessa hora, a desobediência é o único resquício de humanidade", diz o jornalista João Paulo Cunha, numa ácida crítica ao golpe perpetrado por Michel Temer e Aécio Neves contra o Brasil (Foto: Leonardo Attuch)
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Por João Paulo Cunha, no Brasil de Fato

A movimentação em torno das votações no Congresso para devolver o mandato ao senador Aécio Neves e barrar a denúncia ao presidente não eleito e dois de seus ministros, revelou momentos de pura barbárie. Não bastasse o jogo escancarado de utilização de recursos e cargos públicos para comprar votos, medidas anunciadas pelo governo promovem uma torpe viagem regressiva no tempo e na história da conquista de direitos humanos. Na contramão das normas consensuais no mundo civilizado e da Organização Internacional do Trabalho, o país redefine o conceito de escravidão contemporânea. Para pior.

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As condições de trabalho podem ser degradantes, com carga horária desumana, com retenção de documentos e estabelecimento de dívidas impagáveis com o patrão. Vale tudo. Se não tiver tronco ou cárcere privado, não é trabalho escravo. O entendimento moderno, que propõe o combate às condições análogas à da escravidão perde o sentido e retroage ao século 18. A medida, por meio de uma simples portaria, atende às demandas da bancada ruralista, que se apressou em comemorar. Temer, não apenas fingiu não ouvir os protestos, como desconversou frente à possibilidade de sanções internacionais. Faz de morto pelo menos até que os votos da sessão definitiva da Câmara estejam sacramentados.

A barbárie instituída com a medida não é apenas uma promessa jogada junto com veneno nos campos do país, nas carvoarias e nas periferias das cidades. A portaria operacionaliza o horror, destruindo os instrumentos existentes de fiscalização e controle do trabalho escravo. O trabalho dos fiscais fica prejudicado em termos legais e práticos, passando a exigir a formalização de uma ação policial, por meio de boletim de ocorrência, entre outros cerceamentos. Além disso, a divulgação da lista das empresas que escravizam trabalhadores passa a ser de atribuição única do ministro do trabalho, que vê sua função minguar da regulação de direitos para a de capitão do mato de ruralistas.

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Em outro contexto, mas com inevitável similaridade, o prefeito de São Paulo, João Dória (que apoiou a portaria escravagista), anuncia o uso de uma farinha feita com alimentos perto da data de vencimento para reforçar a merenda nas escolas e combater a fome. Em sua defesa da proposta, o prefeito mistura na mesma massa o papel dos empresários que participarão do projeto e as necessidades da população. Na mentalidade empreendedora, fome é oportunidade de negócio. É fácil saber onde vai atuar o fermento dos recursos públicos. Para completar, confirma o que disse há alguns anos num programa de televisão, afirmando que pobre “não tem hábito alimentar”, tem fome.

De forma arrogante, como é de seu feitio, o gestor deixa escapar, além da evidente insensibilidade, sua ampla incompetência. Em termos de segurança alimentar, contrapondo-se a todas as ações do setor que recomendam sempre o uso de alimentos saudáveis e minimamente processados. No aspecto cultural, ao considerar a alimentação apenas com suprimento de nutrientes, e não uma relação ecológica e emocional. Sem falar da falta de avaliações técnicas em torno de um produto que por enquanto só foi visto na forma de Bonzo.

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Falha também no aspecto ambiental, pela concentração de recursos em empresas de transformação em vez de valorização da agricultura familiar. Em pedagogia, ao retirar do aluno seu vínculo com a realidade para contabilizá-lo como expressão de uma carência alimentar. As entidades de nutricionistas foram unânimes em condenar o projeto. É bom lembrar que o prefeito, entre as publicações da editora que faz parte de suas empresas voltadas para inflar o ego de empresários, tem entre seus títulos a revista “Caviar Lifestyle”.

Nas ruas e nas redes

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Só há uma saída quando a situação escapa ao controle das instituições políticas convencionais: a ação anticonvencional. Se o Congresso perdeu a capacidade de agir de acordo com suas atribuições, não deve ser visto como espaço por excelência da política. A recusa do poder do parlamento pode se dar de muitas formas, a mais significativa delas, no atual momento, a concentração de esforços nos instrumentos de democracia direta e na acumulação de forças para outras estratégias mais consistentes. Acreditar que é possível vencer o atual legislativo, em sua composição conservadora e antipopular, de acordo com seus procedimentos, é um equívoco que já ultrapassou a barreira da ingenuidade.

O fortalecimento da revolta a partir de bases populares contribuirá ainda para revitalizar a gramática política brasileira. Até mesmo a forma de manifestar descontentamento vinha sendo monitorada pelo sistema: manifestações embandeiradas e palavras de ordem que se foram com o vento, deixando uma vicária sensação de participação política. Quem reclama hoje da falta de pessoas na rua precisa entender de que pessoas e de que rua está falando. Teve golpe, Temer não está fora e as diretas não vieram. Com o golpe de vento em popa, o MBL, canarinhos e evangélicos agora querem puxar a discussão para pessoas peladas.

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O mesmo em relação aos meios de comunicação. A batalha de ideias precisa ser intensificada. A direita se move. O monitoramento da comunicação nas redes sociais, em casos polêmicos como a censura a manifestações artísticas, por exemplo, tem deixado preocupantes sinais no ar. O que a Globo tem de extensão, as redes reacionárias com seus seguidores brucutus têm em intensidade.

É preciso ataque nos dois flancos: desenvolver uma comunicação popular eficiente e entrar de forma determinada na guerrilha digital. Sem falar da retomada do urgente da comunicação pública, sobretudo nos estados e municípios, neste momento de impasse da EBC. Alimentar a mídia conservadora com publicidade pública e lamentar-se depois, como Lula e Dilma, não traz a pasta para dentro do tubo.

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A força do conservadorismo mantém sua pauta. A abertura anunciada da exposição “Histórias da sexualidade”, no Masp, em São Paulo, já deixa entrever certa conquista de terreno pelos movimentos de direita e religiosos mais atrasados. A exposição já parte com bandeirada de 18 anos, definida pela própria instituição, cedendo de antemão a argumentos que expõem no mínimo a fraqueza em enfrentar a discussão. A palavra sexualidade, em si, parece encher de volúpia os conservadores e acovardar os curadores. Toda a defesa do poder questionador da arte, em temas tão necessários como a sexualidade em um tempo de preconceito e fobia à diversidade, foi derrubada pela tarja da conveniência antes mesmo da abertura das portas.

Há sinais de resistência. No caso do trabalho escravo, os fiscais e procuradores não aceitaram a decisão do governo e devem partir para o confronto. Já houve represálias e afastamento de funcionários. A resistência em adotar os novos procedimentos, nesses casos, é um imperativo ético, já que se trata de um valor maior que aquele que emana da portaria.

Um estado democrático de direito deve ser o império da lei. A universalidade das leis se fundamenta na defesa de que todos são iguais em dignidade e respeito à vida e à liberdade. Quando essa condição é fraturada – com a barbárie da escravidão, da censura, perda do sentido da representação política, da partidarização da justiça e da animalização dos pobres, entre outros –  há muito se rompeu o pacto civilizacional. Nessa hora, a desobediência é o único resquício de humanidade.

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