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Lamachia: “Criminalidade não pode ser combatida a partir de novos crimes”

Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Lamachia, defendeu que não se pode pretender combater o crime cometendo outro crime; "Na medida em que ele não consegue exercer a sua atividade profissional, nós estamos desrespeitando justamente o devido processo legal, o direito ao contraditório e à ampla defesa, que são institutos previstos na nossa Constituição como indispensáveis"; para ele, a opinião pública não pode pautar os julgamentos do Poder Judiciário; "Colegiado desta corte [STF] não deve se imputar jamais por qualquer tipo de clamor popular, e sim especificamente pelo que tem nos autos e pelo que nós temos nas leis que devem ser aplicadas para cada um dos casos"

Claudio Lamachia  (Foto: Aquiles Lins)
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Por Márcio Chaer, do Conjur - A criminalidade precisa ser combatida, nisso todos concordam, mas não a partir de novos crimes. Essa é a opinião do presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Lamachia.

Para o advogado, entre os crimes cometidos diariamente estão as violações das prerrogativas dos advogados. “Porque o advogado, na medida em que ele não consegue exercer a sua atividade profissional, nós estamos desrespeitando justamente o devido processo legal, o direito ao contraditório e à ampla defesa.”

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Em entrevista à ConJur, Lamachia afirma que o momento atual não é dos melhores para a advocacia, que tem sido “colocada em xeque permanentemente”. Diz ainda que novos desafios impostos à classe dificultam ainda mais o exercício da profissão.

“Seja pelas dificuldades que nós temos em termos de novas situações, como, por exemplo, o processo judicial eletrônico e a falta de uma infraestrutura necessária para o processo judicial eletrônico, como a internet banda larga”, exemplifica o presidente do Conselho Federal da OAB.

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Lamachia também critica “um equívoco brutal” que tem sido cometido pela sociedade repetidamente nos últimos tempos: achar que advogado e réu são a mesma pessoa. “Sempre que se pretende enfraquecer o advogado, se está enfraquecendo a própria advocacia.”

Leia a entrevista:

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ConJur — Como o senhor examina a tese de que a antecipação da execução da pena deva ser aplicada por analogia também ao Direito do Trabalho e aos demais ramos do Direito Civil?
Claudio Lamachia —
 Da mesma forma como a Ordem se posicionou com relação da antecipação da pena ou a prisão já na decisão do segundo grau. A OAB ajuizou uma Ação Declaratória de Inconstitucionalidade no Supremo justamente porque entendemos que essa decisão feriu a própria Constituição, que afirma que alguém só pode ser considerado culpado depois do devido processo legal e do trânsito em julgado do processo. É claro que nós vamos ter muitas discussões sobre esse assunto, mas, se tivermos que observar a lei atualmente, a legislação tem que ser observada exatamente nos seus termos. O que é trânsito em julgado, onde é que isso pode ter uma antecipação de aplicação de uma determinada decisão. Se ela tiver de acordo com essa lei, ok. Agora, se tivermos uma antecipação que venha a ferir a lei, seguramente nós vamos ter mais um descumprimento de termos expressos que estão colocados na legislação em vigor.

ConJur — A presunção de inocência foi trocada pela presunção de culpabilidade?
Claudio Lamachia —
 Não diria que há a presunção de culpa, diria que, quando nós temos uma decisão como essa, nós temos que ter outras preocupações. A primeira delas é verificar até onde nós teremos condições de cumprir essas decisões. Me preocupa muito o enorme contingente de pessoas que serão levadas aos presídios sem que esses locais tenham condições de receber essas pessoas. E, mais, me preocupo muito com essa decisão no sentido de que teremos também que ver por parte dos tribunais, notadamente dos tribunais superiores, seja o STJ ou o STF, uma agilidade maior naqueles processos que envolvam réus presos.

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ConJur — Qual outro ponto questionável sobre essa mudança de jurisprudência?
Claudio Lamachia —
 Esta decisão de antecipação de pena pode gerar maior insegurança para as pessoas. Há um apelo de todos os estados brasileiros no que diz respeito à segurança pública. Tenho muito receio com a prisão antecipada de pessoas de menor potencialidade ofensiva, que muitas vezes são colocadas em determinadas casas prisionais que são verdadeiras escolas para o crime. Isso tudo é algo que acaba retroalimentando a sensação de insegurança, que na verdade não é sensação, é realidade da ausência de segurança pública. Então o sistema todo tem que ser trabalhado de forma conjunta. Então nós temos que pensar exatamente nisto. Ou seja: o nosso sistema prisional brasileiro está apto a receber essa decisão do Supremo Tribunal Federal?

ConJur — A conta que se faz é que temos 600 mil presos onde cabem 350 mil.
Claudio Lamachia —
 Isto atualmente. A tendência é que a partir dessa decisão do Supremo nós tenhamos um acréscimo muito grande de pessoas. Será que nós temos um sistema prisional apto a receber todos esses presos, que serão detidos antecipadamente? Essa pergunta fica porque o preso não é apenas aquele criminoso do colarinho branco ou aquele corrupto. Nós vamos ter pessoas até mesmo de menor potencialidade ofensiva que também terão a prisão antecipada a partir dessa decisão do Supremo. E, mais, produzindo uma reflexão maior ainda, o sistema prisional brasileiro ressocializa o preso? Não, ou seja, o próprio sistema alimenta o crime.

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ConJur — E qual o efeito disso?
Claudio Lamachia —
 Na medida que colocamos alguém numa prisão e essa pessoa não é ressocializada, mas colocada com presos de alta periculosidade, ela sai primeiro da cadeia, mas muito mais violenta do que quando entrou e muito mais preparada do que quando entrou. Isso porque esse preso vai conviver com a criminalidade de forma permanente e também porque há um sentimento de vingança contra a sociedade que o colocou lá muitas vezes e o deixou em condições absolutamente desumanas.

ConJur — Como o senhor vê esse movimento para expandir a criminalização de condutas que está nas 10 medidas propostas pelo Ministério Público?
Claudio Lamachia —
 Primeiro, a OAB tem lutado ao longo da sua existência combatendo a corrupção e combatendo a impunidade. Isso é um fato que nós não podemos deixar de afirmar. Segundo, que, dentre essas dez medidas, algumas delas são saudadas pela OAB e foram inclusive apresentadas pela Ordem no passado. Uma delas é a criminalização do caixa dois de campanha. Outra é o pedido de prazo para vista de magistrado, que está contemplada no Código de Processo Civil. Mas algumas dessas medidas propostas pelo Ministério Público são absolutamente inaceitáveis, por exemplo, a restrição no uso de Habeas Corpus. Nós tivemos essa restrição na ditadura, e foi um ex-presidente da Ordem, o Raimundo Faoro, que foi fazer a interlocução para restabelecer o uso do Habeas Corpus. Aliás, me trouxe muita alegria quando o relator das 10 medidas, o deputado Onyx Lorenzoni, acatou as ponderações que a OAB fez. Nós externamos as nossas preocupações e a nossa contrariedade à questão de redução de utilização do Habeas Corpus na forma proposta pelo Ministério Público. Nós entendemos que o instituto do Habeas Corpus tem que ser preservado na sua integralidade, porque, como disse, é um instituto da liberdade.

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Conur — E o uso de provas ilícitas obtidas de boa-fé?
Claudio Lamachia —
 A OAB tem se posicionado abertamente contra a ideia de utilização de provas ilícitas, mesmo que obtidas de boa fé. Como que se vai avaliar a boa fé ou não de um agente público? Além do desrespeito direto à Constituição Federal, isso é um desrespeito até mesmo à inteligência das pessoas. Porque alguém que opera com Direito não pode imaginar que se possa retroceder de uma forma tão efetiva. Porque a prova ilícita é prova ilícita, se nós aceitarmos porque ela é produzida de boa fé contra alguém que nós queremos ver presos, amanhã nós podemos estar legitimando essa mesma prova produzida de má-fé por alguém que seja um inocente.

ConJur — O direito de defesa foi rebaixado no meio dessa busca para remediar a impunidade histórica do país? O senhor acredita que essa polarização será seguida por um momento de equilíbrio?
Claudio Lamachia —
 Espero que sim. Tenho dito reiteradas vezes que o momento em que vivemos impõe uma reflexão muito profunda, por todos nós operadores do Direito, sejamos advogados, membros do Ministério Público ou magistrados. Na medida que se tem qualquer ataque ao direito de defesa, nós temos um ataque ao Estado Democrático de Direito.

ConJur — Mas o combate à impunidade justifica certos atos?
Claudio Lamachia —
 A Ordem tem um histórico de lutas no seus 86 anos de existência. Nesse período, ela combateu de forma direta a corrupção, a impunidade, apresentou propostas, trabalhou com ações no Supremo Tribunal Federal, sempre nessa linha. Mas sempre dentro dos termos da Constituição federal. Não se pode pretender combater o crime cometendo outro crime. Qual pode ser este outro crime? O desrespeito a prerrogativas da profissão do advogado. Sempre que se desrespeita uma prerrogativa de um advogado, está se cometendo um crime. Porque o advogado, na medida em que ele não consegue exercer a sua atividade profissional, nós estamos desrespeitando justamente o devido processo legal, o direito ao contraditório e à ampla defesa, que são institutos previstos na nossa Constituição como indispensáveis exatamente para que se possa garantir o amplo direito de defesa de todo cidadão brasileiro.

ConJur — Vivemos um bom momento para a advocacia brasileira?
Claudio Lamachia —
 Vivemos um momento de muitos desafios para a advocacia brasileira. Advogar está cada vez mais difícil, sem dúvida nenhuma. A advocacia hoje tem sido colocada em xeque permanentemente. Seja pelas dificuldades que nós temos em termos de novas situações, como, por exemplo, o processo judicial eletrônico e a falta de uma infraestrutura necessária para o processo judicial eletrônico, como a internet banda larga. Essas novidades estão impondo grandes transformações à advocacia.

ConJur — Como o senhor vê essa “unificação” entre advogado e cliente?
Claudio Lamachia —
 O advogado não defende a si mesmo, o advogado representa um terceiro em juízo. E sempre que ele é desrespeitado, sempre que as prerrogativas são desrespeitadas, quem está sendo desrespeitado é o próprio cidadão, que é representado por um advogado. Isso a sociedade tem que compreender bem. Muitas vezes, o advogado é confundido com a figura do próprio cliente, ou com a figura do seu constituinte, isso também é um equívoco brutal. Sempre que se pretende enfraquecer o advogado, se está enfraquecendo a própria advocacia.

ConJur — O Supremo Tribunal Federal se gabou durante muitos anos de ser contramajoritário. O senhor diria que o STF ainda pode se orgulhar dessa característica?
Claudio Lamachia —
 O Supremo Tribunal Federal tem que se pautar exatamente por isso, ou seja, o Supremo, assim como qualquer corte, está restrita à aplicação da lei e nada mais do que isso. O julgador deve julgar de acordo com a lei e de acordo com os autos. Se a opinião pública busca por um lado ou por outro uma determinada pressão sobre um magistrado, sobre um julgamento, este magistrado e este colegiado desta corte não deve se imputar jamais por qualquer tipo de clamor popular, e sim especificamente pelo que tem nos autos e pelo que nós temos nas leis que devem ser aplicadas para cada um dos casos.

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