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Manter Bolsonaro até o fim do mandato é uma irresponsabilidade, afirma Mauro Iasi

"Qual o risco de manter o miliciano no governo até o fim de seu mandato? Parece-me que há um exagerado otimismo no fato de que a ofensiva midiática e jurídica contra o bolsonarismo o inviabilize eleitoralmente, abrindo espaço para a terceira via.", escreve

Jair Bolsonaro (Foto: Reprodução)
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Por Mauro Iasi*, no Blog da Boitempo - “O príncipe só adia a própria ruína
na medida em que adia o ataque.”
Maquiavel

 Os setores das classes dominantes, que protagonizaram a conspiração que levou ao golpe de 2016, apostaram irresponsavelmente na possibilidade de desmontar as bases da democracia de cooptação acreditando que, com isso, teriam um maior controle sobre o governo e a estabilidade necessária para impor sua pauta reacionária.

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Novamente, exerceram a irresponsabilidade ao imaginar que poderiam manter sob controle a extrema direita como instrumento de ataque irracional ao petismo, de forma a viabilizar uma alternativa de direita apresentada como meio termo e que evitasse aquilo que ideologicamente era apresentado como “posições radicais”. Mais uma vez, em 2018, diante do naufrágio da candidatura preferencial do grande capital, apostou irresponsavelmente na possibilidade de controlar um miliciano desqualificado, tosco e de uma incompetência que beira imbecilidade, como peça de seu projeto de garantia das condições da acumulação de capitais.

Caracterizamos o golpe de 2016 como a combinação de uma ação parlamentar, jurídica e midiática. No entanto, além desses vetores mais visíveis na trama conjuntural, não podemos deixar de considerar o grande capital monopolista e o imperialismo como verdadeiros sujeitos do golpe. Tanto um como o outro sempre operam em vários cenários, desgastando o governo de conciliação de classes para mantê-lo sob controle ou substituí-lo por algo mais confiável caso seja necessário. Temer, Cunha, Moro, Bolsonaro parecem ser protagonistas, mas são, de fato, peões movidos no tabuleiro da conjuntura.

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Ocorre que, ao se movimentarem, como por exemplo Cunha desatando o processo de impedimento de Dilma ou Temer e sua desastrada “Ponte para o Futuro”, não passam de peões que esperam ocupar um espaço que os faça útil para os planos de seus senhores. A extrema direita é uma peça que, inicialmente, tinha um papel tático. Movida pela manipulação midiática, alimentada pela frente jurídica, organizada e financiada pelo imperialismo, possuía uma função eminentemente de desgaste, e não como alternativa de governo. O descarte de Cunha, o fracasso de Temer e a inviabilidade eleitoral de uma direita tradicional abriram espaço no tabuleiro para que a peça da extrema direita avançasse.

Uma vez eleito, o imbecil miliciano passou a ser uma peça incômoda. Um palhaço que distrai a atenção do público para que o mágico faça sua parte. Apostou-se que os militares e a área econômica poderiam manter o bufão sob tutela, limitando seus devaneios a arroubos ideológicos inofensivos, mas não foi o que ocorreu. O bolsonarismo causou estragos na política internacional, na educação, na infraestrutura, no meio ambiente, em uma ofensiva reacionária que minava a legitimidade e seriedade com as quais queriam disfarçar a ofensiva contra os trabalhadores em benefício do grande capital.

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Neste ponto a irresponsabilidade se apresentou no seu ápice quando o miliciano empreendeu suas intenções rupturistas contra as próprias instâncias do Estado burguês que ele deveria preservar. Os protagonistas do golpe, os reais e não seus peões, promoveram um pacto entre militares, Parlamento e STF protelando a necessidade de afastar a peça defeituosa. A irresponsabilidade aqui ganha uma dimensão trágica. A prevaricação do Parlamento em encaminhar os vários pedidos de impeachment e também do Judiciário, que poderia ter levado à frente investigações sobre os crimes eleitorais e vários crimes de responsabilidade, mas que não o fez em nome do pacto. A pandemia fez com que os elementos do golpismo, a incompetência, o irracionalismo e o negacionismo dos empresários se fundissem em uma catástrofe sem precedentes.

Qualquer um, diante das tentativas de golpe, esquemas fraudulentos de produção e massificação de fake news, indícios de envolvimento com o submundo do crime e esquemas comprovados de corrupção, já estaria afastado e provavelmente na cadeia. No entanto, o miliciano foi mantido no governo e foi chorar no banheiro.

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A Rede Globo, porta voz de um segmento das classes dominantes que optou por passar à oposição ao bolsonarismo (que ela mesma ajudou a produzir, diga-se de passagem), operou o malabarismo de separar as lambanças do miliciano das medidas econômicas que consistem no fundamento da pauta do capital, defendendo o ministro Guedes e seus delírios ultraliberais.

Agora a irresponsabilidade se apresenta na intenção de desgastar o miliciano para viabilizar uma mítica terceira via e derrotá-lo eleitoralmente. A hesitação diante da possibilidade de desfechar o golpe mortal, por exemplo diante das evidencias da CPI, se explicaria, ao meu ver, por dois motivos. O andamento de uma pauta (reforma administrativa, privatizações, reforma fiscal e tributária, etc.) que poderia ser atrapalhada pela instabilidade de um processo de impeachment e o risco de confronto diante de uma possível resistência dos esquemas de força do bolsonarismo. Este segundo aspecto ficou enfraquecido depois do desastrado ensaio de sete de setembro, mas ninguém parece estar disposto a pagar para ver.

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Qual o risco de manter o miliciano no governo até o fim de seu mandato? Parece-me que há um exagerado otimismo no fato de que a ofensiva midiática e jurídica contra o bolsonarismo o inviabilize eleitoralmente, abrindo espaço para a terceira via. Na forma como se apresenta o quadro atual, diante das dificuldades eleitorais e do material humano disponível para edificar a desejada alternativa ao bolsonarismo e ao petismo, Bolsonaro pode sobreviver até as eleições e ir ao segundo turno reaglutinando a partir de sua base social uma aliança política que repita a polarização de 2018. Caso isso não dê certo, seja pela manutenção do favoritismo da candidatura do ex-presidente Lula ou pela desidratação da candidatura de Bolsonaro, restaria ainda ao miliciano desfechar aquilo que vem preparando e desejando desde o início: uma tentativa de golpe. Já analisamos que a sustentação real do golpismo como alternativa de poder nos parece pouco provável, pela posição do militares e, principalmente, do grande capital e do imperialismo. No entanto, a mera tentativa pode ter consequências imprevisíveis.

Os segmentos dominantes estão presos em suas próprias opções. Há um ponto de não retorno no andamento de uma estratégia. As forças nazistas na Segunda Guerra poderiam ter reavaliado que o ataque simultâneo ao leste, contra a poderosa URSS, e ao Ocidente foi um equívoco, mas não podiam simplesmente recuar e pedir desculpas. As classes dominantes e seus peões empreenderam um caminho que não tem volta, estão presas ao pacto que sustenta o bolsonarismo e com grandes dificuldade em efetivar um movimento que se livre dele sem desmontar o que já foi feito e colocar em risco a continuidade na direção desejada.

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Tal fato não nos surpreende. O que poderia parecer estranho é que este impasse contaminasse a alternativa que se apresenta na candidatura de Lula que, ao que tudo indica, comunga do desejo de evitar o desfecho do golpe final contra o bolsonarismo, agora na esperança de derrotá-lo eleitoralmente no próximo ano. Entretanto, não há nada de inesperado ou surpreendente nisso.

O que poderia causar estranheza em alguns analistas é o fato que o petismo, diante das contradições no bloco adversário e com base em sua força eleitoral (em grande medida pelo carisma de sua liderança principal e pelo comportamento eleitoral que tende a operar por alternâncias), poderia se apresentar mais forte para negociar em melhores termos a retomada do pacto e da democracia de cooptação. Mas, isso não ocorre. O lulismo parece empenhado em outra direção, qual seja, mostrar-se confiável aos segmentos dominantes e disposto a negociar os termos de sua volta ao governo, certo da inviabilidade da terceira via e do desgaste do bolsonarismo. Ocorre que procedendo dessa forma abre mão de seu principal recurso de poder: suas próprias forças.

Por que isso não nos surpreende? Porque, assim como os setores dominantes, a estratégia petista já passou há muito tempo de seu ponto de não retorno. Dois aspectos me parecem preocupantes nesta direção. Primeiro, é ilusão acreditar que possa se retomar ao pacto de onde parou, quando foi brutalmente interrompido pelo golpe de 2016. Segundo, porque é irresponsável abdicar de enfrentar o bolsonarismo agora acreditando que ele está previamente derrotado em 2022. Como dizia o conhecido personagem de Brecht – o Sr. Keuner – “não me atrapalhem, estou preparando meu próximo erro”.

Já que começamos com Maquiavel, deixemos ao final mais um dos sábios conselhos do grande florentino: “quod nihil sit tam infirmum aut instabile quam fama pontetiae non sua nixa”, ou seja, “nada é tão instável quanto a fama de poderio de um príncipe quando não apoiado na própria força”.

Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002) e colabora com os livros Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil e György Lukács e a emancipação humana (Boitempo, 2013), organizado por Marcos Del Roio. Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas. Na TV Boitempo, apresenta o Café Bolchevique, um encontro mensal para discutir conceitos-chave da tradição marxista a partir de reflexões sobre a conjuntura.

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