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Brasil

Não podemos desistir de salvar os usuários de crack

A existência de um Cadastro Nacional de Clínicas para Usuários de Crack, do qual constariam apenas aquelas fiscalizadas pelo governo, ajudaria dependentes químicos e suas famílias a enxergarem uma luz no fim do túnel

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O tipo de tratamento dado a dependentes de crack em clínicas públicas ou privadas, um incontável número de jovens e adultos, presentes e assustadoramente em crescimento na maioria dos municípios brasileiros, é uma questão sobre a qual devemos nos debruçar com lentes de aumento para analisar e buscar soluções.

Essas pessoas, como qualquer um de nós, merece respeito, necessita de amor e principalmente de experts no assunto, psicólogos , médicos e terapeutas, que lhes proporcionem tratamento especializado e de resultados, para que possam reconquistar o direito de viver dignamente. Os usuários tem dentro de si uma fissura psicológica enorme que por alguma razão foi preenchida pelas drogas. Eles tentam compensar sofrimento com uma felicidade ilusória e momentânea que a longo prazo os transforma em zumbis, sem vontade própria.

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O que devemos ter em mente sempre é que o usuário de crack não precisa mais ser maltratado, não precisa mais sofrer para aprender nada. O que ele necessita neste momento é de ajuda. Ele tem família, mãe, pai, filhos, amigos. Mas esta família extensa não está preparada para enfrentar os efeitos devastadores desta droga sobre a mente humana e os comportamentos daí advindos. Esta família, rica ou pobre, muitas vezes desiste do "seu usuário", por não entender o problema, por acreditar que ele é mal caráter, é uma pessoa perdida, que não tem mais salvação.

O Estado, no entanto, não pode dar esta batalha por vencida. É seu dever prover e muito mais que isso fiscalizar de maneira eficaz as clínicas de tratamento de dependentes de crack no país para que não ocorra, na prática e no imaginário da sociedade brasileira o que já acontece hoje em relação à nossa população carcerária: não acreditamos mais que nossos presídios eduquem ou façam do apenado uma pessoa melhor após o cumprimento da pena. Não queremos que isso aconteça com nossos dependentes químicos. Não podemos permitir que isso ocorra.

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Após tomar conhecimento das conclusões da 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos produzida pela Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia (CFP) sobre vistorias em 68 instituições de internação para usuários de drogas, em 24 estados brasileiros e no Distrito Federal, realizadas em setembro de 2011, passei a olhar o problema com maior preocupação. O documento dá conta de violações como castigos físicos e psicológicos, humilhações sociais, desrespeito à escolha religiosa e orientação sexual, dentre outras. Na cidade de Bragança Paulista, em São Paulo, usuários da Clínica Gratidão relataram ser obrigados a cavar uma cova com a dimensão do próprio corpo e escrever repetidamente trechos da Bíblia como castigo por indisciplina. Alguns acusaram a existência de um pedaço de madeira com a palavra gratidão com o qual eram surrados.

Em conversa pessoal com um usuário de crack há dois anos, um artista plástico de 48 anos, que voluntariamente se internou na Clínica Salve a Si, numa área rural de Goiás, região do entorno de Brasília, ele me relatou que a maioria dos procedimentos previstos no site da instituição como tratamento, na verdade não eram oferecidos no local. Não havia médicos ou psicólogos de plantão, nem mesmo em visitas periódicas, a comida era de péssima qualidade e em quantidade insuficiente, e ele se viu dividindo o espaço e dormindo em quartos de beliches com seis outros homens, dentre eles homicidas, estupradores, com várias passagens pela polícia etc, o que lhe causou muita insegurança.

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Aliado a isso a direção da clínica cobrou uma mensalidade de mil reais e se negou a devolver o dinheiro quando depois de uma semana a família decidiu retirá-lo de lá, a pedido da própria direção da clínica que não tinha carro disponível para levá-lo ao hospital depois de três dias de febres altas causadas por uma infecção estomacal devido a alimentos mal conservados.

Divulgadas pela internet como a solução para o problema das drogas, muitas dessas instituições na verdade não estão preparadas para atender aos dependentes de crack e só fazem com que eles e suas famílias acreditem cada vez mais que tratamentos não levam a nenhum progresso. Encontrar o caminho que conduz à porta de entrada de uma boa comunidade terapêutica exige, muitas vezes, esforço e persistência.

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Vejo aqui um ponto que merece destaque na ação governamental: o ministério da Saúde deveria montar um Cadastro Nacional de Clínicas para Usuários de Crack. Dele constariam apenas aquelas já fiscalizadas por órgãos do governo e funcionando de acordo com as normas definidas pela legislação para o atendimento a dependentes. O recebimento de incentivos, ajuda, financiamentos por parte do SUS ou de setores do empresariado deveriam ocorrer mediante a inscrição da Clínica ao Cadastro Nacional. Desta forma as famílias dos dependentes não ficariam perdidas em busca de uma luz no fim do túnel.

Entre as normas legais para a abertura e manutenção de uma clínica de tratamento de dependentes de drogas deveria estar, obrigatoriamente : a exigência de quadros profissionais de médicos, psiquiatras e psicólogos, em quantidade relativa ao número de pacientes internados no local; uma enfermaria ; além de locais adequados para a realização de esportes e atividades culturais.

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Três das recomendações da Comissão Nacional de Direitos Humanos do CFP em relação às comunidades terapêuticas são de extrema importância e tem o meu irrestrito apoio: a abertura de procedimentos administrativos por parte do Ministério Público para a apuração de denúncias de maus tratos; a implantação de mecanismos de efetivo controle e fiscalização de internações de adolescentes por parte do Ministério da Saúde; a fiscalização junto às unidades de internação pelo Ministério do Trabalho, considerando as denúncias de trabalhos forçados.

Não há dados exatos sobre o número de viciados em crack no Brasil, dentro do universo de 600 mil usuários de drogas computados pelo ministério da Saúde em 2011. O que se sabe é que a rede pública prestou 2,5 milhões de atendimentos a dependentes de drogas e álcool, dez vezes mais do que há oito anos. E essa situação tende a piorar, em relação ao crack, uma droga altamente perigosa que vicia nove entre 10 usuários, após o uso apenas algumas vezes. Ou seja, temos hoje 0,31 % da população como pacientes em potencial de clínicas de tratamento de dependentes químicos.

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As medidas de prevenção ao uso de drogas, educação, repressão ao tráfico, previstas pelo Plano de Enfrentamento ao Uso do Crack e outras Drogas, lançado em dezembro pela presidenta Dilma, com investimento previstos em torno de 4 bilhões de reais, são de extrema importância e vão certamente funcionar como um marco para a solução deste grande problema nacional mas faz- se urgente a regulamentação dos procedimentos de internação, os tipos de tratamento dispensados aos dependes químicos e os profissionais que neles atuam assim como a criação de programas específicos para sua reinserção social ao final do tratamento.

É necessário que a sociedade se interesse e que o governo busque dar visibilidade à discussões em andamento no âmbito do Executivo e do Legislativo sobre questões relacionadas aos usuários de crack como a internação involuntária- sem o consentimento do paciente, a pedido de um parente e autorizada por um médico; a internação compulsória, determinada pela Justiça e adotada pela prefeitura do Rio de Janeiro para menores de idade viciados em crack; o projeto de alteração do Código de Processo Penal encaminhado pelo Planalto ao Congresso propondo acelerar a destruição de entorpecentes apreendidos pela polícia e agilizar o leilão de bens com origem no tráfico.

Essas são questões que dizem respeito e trazem conseqüências para o cotidiano de muitas famílias brasileiras, hoje buscando desesperadamente saídas para problemas que atingem não apenas um de seus membros, o dependente químico, mas a toda a família, que se vê despreparada para lidar com a questão por desconhecer a princípio que quem cai nas teias dessa droga derivada da cocaína tem em um curto espaço de tempo a saúde devastada, as relações sociais destruídas e a vida destroçada e tudo que necessita é de ajuda incondicional.

As histórias contadas por usuários e ex-usuários de crack mostram isso. São chocantes. Sempre. São depoimentos crus, sem meias palavras, que humanizam estatísticas cada vez mais alarmantes como os da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) apontando um crescimento de 42% no número de viciados em crack que procuraram tratamento entre 2005 e 2009 no Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad). Estas pessoas precisam de nosso apoio e de nossa compreensão. Não podemos desistir de salvar os usuários de crack.

Chico Vigilante é deputado distrital pelo PT e  líder do Bloco PT/PRB

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