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Brasil

Norman O. Brown e o HCE de James Joyce

Era evidente que o pretenso protesto apolítico [de junho] era, na verdade, uma manobra política capaz apenas de enganar os tolos – que, infelizmente, parecem ser maioria absoluta neste País

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O terceiro livro da célebre trilogia de Norman O. Brown que começou com Life Against Death e Love´s Body intitula-se Apocalypse And/Or Metamorphosis e é uma coletânea de ensaios sobre os mais instigantes temas da atualidade do pensamento ocidental. Brown fala sobre o pensamento dionisíaco, na necessidade de ir além de Marx (em vez de ficar aquém dele, como fazem nossos supostos "pensadores" de plantão na mídia...), da visão do islamismo, de Spinoza, de Nietzsche, Bataille e Mausss e, em suma, de nossa aparente alternativa entre o apocalipse e a metamorfose. Ao contrário de Beudrillard, Brown não vê reversão nenhuma na História, mas ao contrário, o seu avanço inexorável para o apocalipse ou para a metamorfose – ou ambos.

Brown proclama o advento de uma "nova verdade" que é nada mais nada menos do que a seguinte: a população terrestre, o grosso dessa população pelo menos, quer mesmo é consumir, comprar as maravilhas que são incessantemente inventadas pelo tecnologia contemporânea e jogadas às massas. Não há mais outros valores. E não há nada a fazer, esta é a realidade soberana de nossa civilização. Eu, tu, nós, vós, eles queremos ter tudo o que nos der vontade, sem exceção. Simples assim.

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O advento dessa Nova Era foi designado, no Finnegans Wake, de James Joyce, pelas letras HCE, Here Comes Everybody. Ou seja: agora, vem todo mundo! Para que? Para reivindicar também o que, até há pouco, foi privilégio de uma minoria. Indivíduos ou classes privilegiados pelas bênçãos dos deuses não são mais reconhecidos. Todos querem tudo! Queremos todos, sem exceção, as maravilhas materiais de nossa civilização, o resto não importa. Essa Nova Era é assegurada tanto à esquerda, pela ideologia socialista, que valoriza as massas e promove as estratégias do protesto e das manifestações de rua, quanto, à direita, pela realidade capitalista que valoriza o consumo e o desejo cada vez maior por bens materiais. Sairemos todos às ruas para reivindicar nosso direito sagrado a uma vida de rico, é simples assim. Todos, aqui, significa todos, é uma realidade absolutamente católica.

"Intelectuais ascéticos (eu sou um deles) foram instruídos na crítica cultural por modelos de resistência como o de Herbert Marcuse, e atacaram o consumo de massa como "dessublimação repressiva", controlada pela classe dominante para esvaziar o descontentamento potencialmente revolucionário", explica Brown. "Mas, na era do HCE, ou Here Comes Everybody", os intelectuais ascéticos devem voltar a fazer parte da raça humana. Uma nova era começa agora, de efetiva igualdade entre os filhos de Deus. Como diz Eurípides nas Bacantes, temos de nos submeter ao veredito do homem comum", conclue Brown, declarando que o fenômeno do HCE é uma "novidade apocalítica".

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Brown não vê nada de errado nisso. A glorificação da matéria é o valor supremo do pensamento dionisíaco.

Logo que começaram, aqui no Brasil, as aparentemente espontâneas manifestações de rua (em junho de 2013), cheguei a achar que os dotes proféticos de Brown começavam a se concretizar entre nós. Afinal de contas, os manifestantes eram dos tipos mais variados e cada um fazia seu protesto pessoal, não haviam palavras de ordem pré-estabelecidas nem líderes oficiais. O fantasma do HCE parecia se desenhar no horizonte.

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Cedo, contudo, observei que faltava muita gente naquelas manifestações para que se caracterizasse um autêntico HCE, no qual, por definição, todo mundo deve participar. Onde estavam os operários, o trabalhadores braçais, os favelados, os pobres, as empregadas domésticas, biscateiros, hippies velhos, índios, onde estavam os lumpen? Esses citados e muitos outros primavam pela ausência. Não tinha vindo todo mundo, como no verdadeiro HCE profetizado por Joyce.

Não era HCE nenhum. Ainda não. Tratava-se, antes, de uma nítida manifestação da classe média brasileira que confirmava os supostos do HCE apenas num ponto pelo menos fundamental: o que assegura que quanto mais se tem, mais se quer, e se tem o direito inalienável de reclamar. Era até meio engraçado ver aqueles meninos, todos com plano de saúde, matrículas asseguradas em universidades públicas e particulares, e com seus automóveis particulares, reclamando transporte público gratuito, saúde e educação para o povo. Fiquei até desconcertado com tanto altruísmo!... Não dava para acreditar, a classe média brasileira sempre se lixou para as condições de vida do povo. Aliás Bernard Shaw reparava que se costuma acreditar que o homem médio, da classe média, é um democrata quando, na realidade, é um fascista. O que estaria realmente acontecendo por trás desse nosso chienlit tupiniquim?

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Não foi preciso pensar muito. Era evidente que o pretenso protesto apolítico era, na verdade, uma manobra política capaz apenas de enganar os tolos – que, infelizmente, parecem ser maioria absoluta neste País. Os slogans "Saúde, Educação e Segurança". "Um país sem corrupção", "Contra os Pec", eram carregados por gente que – aposto – nem sabia o que era um Pec, era tudo pura conversa para boi dormir, como em breve será comprovado por seu vazio total como forma de ação. Aliás a única ação efetiva era a dos assim chamados "vândalos", mas isso é outro assunto.

Entretanto, a esperteza política pode ter consequências históricas graves pelo topete da iniciativa e seu valor como exemplo. Animados pelo precedente de mais de cento e cinquenta mil mauricinhos, patricinhas, seus papais, mamães, vovós e titios, alem dos irmãozinhos mais moços, nas fileiras do protesto na Avenida Getúlio Vargas, por exemplo, não é de todo impossível, por exemplo, que as massas oprimidas das centenas de comunidades espalhadas pela cidade também não queiram, qualquer dia destes, fazer também sua festa.

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Aí, sim, a porca vai torcer o rabo.

É possível que, diante de tal avalanche indesejada, a própria PM guarde sua balas de borracha e bombas de efeito moral, e as substituam por armas letais, municiadas com balas de verdade, repetindo entre nós o saldo de tantas manifestações populares nos países árabes, por exemplo, que acabam somando mais de uma centena de mortos e varias centenas de feridos, ao fim de cada manifestação popular. Não faz mal. Nossas comunidades, só no Rio de Janeiro, tem tanta gente, que provavelmente os manifestantes suportariam uma profilaxia sanguinolenta desse tipo (afinal eles estão acostumados a morrer todos os dias...) e continuari am suas manifestações.

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Aí sim, teríamos um verdadeiro HCE!

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