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Salvador: parabéns ou réquiem anunciado?

Enquanto a cidade prevista não vem, me reservo ao direito de não acender velas para uma cidade cujo réquiem, há décadas, vem sendo anunciado, mas que não permitiremos que morra, pouco a pouco, de tristeza, desprezo e abandono, como uma velha, sem ninguém

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Na contramão do otimismo de ocasião, do ufanismo piegas e do puxa-saquismo de gabinete, não vejo nada o que comemorar nesta quinta-feira (dia 29), em que se celebra os 463 anos de Salvador. A não ser o instinto de sobrevivência de seu povo que, apesar de todas as mazelas político-administrativas e do estado de quase completo abandono em que a velha capital do Brasil foi relegada, ainda mantém a esperança de viver numa cidade melhor. Mas, esperança é assim mesmo, caminha para frente, pois, se olhar para trás, é tragada pelo inverno da desesperança e, se não é a última que morre, é, ao menos, "um dever do sentimento" como disse o poeta português Fernando Pessoa.

Comemorar o quê? O metrô que nunca vem? O mijo, a sujeira e os buracos nas ruas? O barulho nos espaços públicos e o batuque dentro dos ônibus, "animados" por DJs que fazem do buzu uma discoteca itinerante? A degradação da Estação da Lapa? A depredação dos equipamentos públicos? A voracidade predatória dos interesses imobiliários que engolem a paisagem, sonegam o horizonte e fomentam o apartheid urbano entre a metrópole moderna dos ricos e a velha cidade decadente dos pobres?

Que tal parabenizar o atual prefeito, em segundo e atrapalhado mandato, por ter cuidado da cidade como todo zelo que se deve destinar a uma mulher que se quer bonita, bem-vestida, amada e respeitada, diuturnamente? Claro que a culpa pelo atual quadro de abandono da cidade não é apenas do prefeito de agora, embora este tenha sido o que mais relaxou em seus deveres para com o município nos últimos 30 anos. A falta de planejamento urbano estratégico remonta há mais de duas décadas, nas quais os mandatários que se sucederam adotaram apenas medidas paliativas para mascarar um caos anunciado.

 

Na primeira edição do Bahia247, em 2 de julho de 2011, escrevi, neste mesmo espaço, um artigo chamado "Cidade Prevista", título extraído de um poema de Carlos Drummond de Andrade, que canta "um mundo enfim, ordenado,/ uma pátria sem fronteiras,/ sem leis e regulamentos,/ uma terra sem bandeiras, sem igrejas, nem quartéis,/sem dor, sem febre, sem ouro,/ um jeito só de viver,/ mas nesse jeito a variedade,/ a multiplicidade toda/ que há dentro de cada um".

 

Com a melancolia, volto ao artigo para reiterar que a minha cidade prevista não é esta Salvador, que hoje completa 463 anos de fundação, maltratada como uma velha que vive nas ruas. Não sei se minha cidade prevista virá, mas torcerei para que venha, mesmo que não a veja, como no poema de Drummond," mas que virá, / um dia, dentro de mil anos,/ talvez mais... não tenho pressa". Porém, enquanto não vem, me reservo ao direito de não acender velas para uma cidade cujo réquiem, há décadas, vem sendo anunciado, mas que não permitiremos que morra, pouco a pouco, de tristeza, desprezo e abandono, como uma velha, sem ninguém, emparedada num asilo de agonias.

 

Resista Salvador!

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