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Cultura

Silvia Federici: A imagem da bruxa está no centro de uma batalha

Livro "Mulheres e caça às bruxas", de Silvia Federeci, professora emérita na Universidade Hofstra, em Nova York, analisa as perseguições às bruxas na Europa dos séculos XVI e XVII, e apresenta informações sobre a violência sistêmica contra as mulheres nos dias atuais

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Por Silvia Federici, no Blog da Boitempo - Como muitas outras imagens e conceitos, a figura da bruxa hoje configura uma espécie de campo de batalha. Por um lado, temos novos movimentos feministas recuperando a imagem da bruxa. Havia algo disso nos anos 1970. Em Roma, por volta de 1972, houve uma grande manifestação onde as mulheres começaram a dançar cantando: “Tremei, tremei, tremei, as bruxas voltaram!”. Ou seja, muito tipicamente recuperando uma imagem que historicamente havia sido uma imagem de vilificação e condenação, mas a recuperando com um sentido de antagonismo, da mesma forma o negro foi reivindicado pela comunidade de afrodescendentes nos EUA. Hoje vemos algo parecido. Vimos as grandes manifestações do movimento NiUnaMenos na Argentina e em muitos outros lugares, como as mulheres diziam: “Somos las nietas de las brujas que no pudisteis quemar” [Somos as netas de todas as bruxas que vocês não conseguiram queimar].

Por outro lado, por conta dessa recuperação também vemos que o “sistema” – Hollywood por exemplo – está agora se (re)apropriando da imagem da bruxa em filmes que apresentam a ideia de que há essas mulheres terrivelmente más. Essa é a “contrarrevolução”: eles estão recuperando a mesma imagem da bruxa que encontramos nas caças às bruxas dos séculos XVI e XVII. Eu cheguei a ver alguns dos trailers desses filmes, eles são pavorosos. E sempre digo às jovens que elas precisam organizar protestos e piquetes nas sessões de exibição desses filmes. Porque eles estão travando uma guerra contra nós. Eles estão dizendo às pessoas que sim, há essas mulheres dotadas desses poderes todos, e elas estão completamente decididas a destruir o mundo e destruir os homens. Precisamos ter muito cuidado porque esse tipo de iniciativa não é inocente, não podemos aceitar isso.

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É por isso que digo que o conceito da bruxa se encontra no centro de uma batalha. À medida que algumas mulheres estão recuperando a ideia da bruxa de uma maneira positiva, e também a bruxa como uma mulher dotada de conhecimentos, a bruxa como curandeira, a mulher que hoje seria considerada médica, e que por sinal era muito popular no interior de sua sua comunidade. Não podemos jamais esquecer que a palavra “bruxa” foi cunhada por aqueles que as perseguiram, não pelas próprias mulheres. Precisamos estar muito conscientes disso.

Assim, eu concluiria dizendo que a coisa mais importante que as feministas podem fazer hoje é não apenas abraçar esse conceito, mas também aprender mais e conhecer mais a verdadeira história das mulheres que de fato foram acusadas, presas, perseguidas e assassinadas de forma tão brutal. A bruxa não deve ser tratada simplesmente como uma imagem descolada. É uma figura que podemos recuperar para a luta, mas sem torná-la uma lenda. Por tempo demais a história da caça às bruxas foi apagada. Por tempo demais ela foi transformada em lenda a ponto de muitas pessoas hoje não saberem que, de fato, as mulheres foram acusadas de serem bruxas. A bruxa aparece como um personagem lendário, imaginário. Não é. Houve mulheres que de fato foram presas, perseguidas e mortas. Precisamos saber dessa história, que sempre foi apagada, que só foi estudada por alguns poucos especialistas e que boa parte das pessoas sequer conhece. Precisamos saber disso porque é importante para entendermos o que está acontecendo no presente. Temos que lutar para garantir que não sejamos queimadas de novo. Violentaram brutalmente essas mulheres e tentaram sufocar essa luta, mas continuamos aqui.

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* Traduzido por Artur Renzo, este texto integra um depoimento colhido durante visita de Silvia Federici à sede da Boitempo em setembro de 2019, e que em breve será publicado em forma de vídeo, na TV Boitempo, canal da editora no YouTube.

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Para combater a atual onda de violência contra as mulheres, é preciso entender suas causas imediatas, conhecer suas origens e desvendar de que maneira à opressão histórica somam-se novas e perversas formas de exploração. Mulheres e caça às bruxas: da Idade Média aos dias atuais é um instrumento potente nessa jornada. Ao retomar assuntos abordados em Calibã e a bruxa e tendo em mente um público leitor mais amplo, Silvia Federici analisa as perseguições às bruxas na Europa dos séculos XVI e XVII, apresenta informações sobre a violência sistêmica contra as mulheres hoje e denuncia como se deram – e se dão – processos de “cercamento” do corpo da mulher, de sua autonomia em relação à reprodução e de sua subjetividade. A edição da Boitempo, a cargo de Thais Rimkus, vem acrescida de um prefácio assinado por Bianca Santana, e traz um ensaio visual de Vânia Mignone, além de contar com tradução de Heci Regina Candiani.

“Em Mulheres e caça às bruxas Silvia Federici enfatiza que esse tipo de perseguição não é um fenômeno episódico de violência contra mulheres nem uma manifestação endógena de culturas tradicionais reativas ao império do valor de troca. A caça às bruxas, ao contrário, é estrutural e estruturante da sociabilidade burguesa, prática e ideologia misóginas introduzidas de fora para dentro nas comunidades. Da acumulação primitiva aos dias atuais, funciona como mecanismo de dissolução e controle da humanidade imanente aos corpos e aos saberes femininos.” – Maria Orlanda Pinassi

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*Silvia Federici nasceu na Itália, em 1942; é pesquisadora e, atualmente, professora emérita na Universidade Hofstra, em Nova York. Em 1967, mudou-se para os Estados Unidos, onde pouco depois participou da fundação do International Feminist Collective e batalhou a favor do salário para trabalhos domésticos. Nos anos 1980, a ativista feminista viveu na Nigéria, onde deu aulas na Universidade de Port Harcourt e ajudou a criar o Committee for Academic Freedom in Africa. Seu livro mais recente é Mulheres e caça às bruxas (Boitempo, 2019). É também autora de Calibã e a bruxa (Elefante, 2017) e O ponto zero da revolução (Elefante, 2019).

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