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Economia

Eduardo Costa Pinto: quem ganha com a desintegração vertical da Petrobras?

O professor de Economia da UFRJ Eduardo Costa Pinto diz que o pré-sal poderia ser uma benção; "Mas está se tornando uma maldição para o Brasil em virtude da atual estratégia da Petrobras e dos segmentos governamentais responsáveis pelo setor de petróleo e gás que estão muito mais preocupados com interesses das grandes petroleiras (mudança dos índices de conteúdo local e subsídios tributários) do que com os interesses nacionais", diz ela

Logo da Petrobras na refinaria da companhia em Paulínia, no Estado de São Paulo, Brasil 01/07/2017 REUTERS/Paulo Whitaker (Foto: Aquiles Lins)
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Por Eduardo Costa Pinto, no Jornal GGN - A Petrobrás, desde a sua criação no governo de Getúlio até a descoberta do pré-sal durante o governo Lula, sempre esteve no centro da política desenvolvimento do setor de petróleo e gás brasileiro, bem como do próprio projeto de desenvolvimento nacional.

A centralidade da Petrobrás foi e é fruto de sua capacidade de coordenar e induzir o setor em virtude de sua: constituição histórica, escala produtiva (verticalização – do poço ao poste), capacidade de acumulação de capital e de desenvolver tecnologia.

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Essas capacidades são o reflexo da dupla função (duas faces) que a Petrobrás exerce como setor produtivo estatal. Por um lado, uma “face estatal – orientada para a realização de objetivos políticos [projeto nacional] e de ordem macroeconômico [inflação, balança comercial, etc.]” e, por outro, uma “face empresarial – orientada para a realização de objetivos de natureza estritamente microeconômica [acumulação de capital, endividamento, fluxo de caixa, etc.]”¹.

Cabe observar que essas duas faces estão sempre em tensão latente em virtude das dificuldades de conciliação entre os interesses estatal/público – já que proprietário majoritário dessa empresa é o Estado que representa os interesses da população brasileira – e empresarial/privado dessa empresa que necessita acumular capital para desenvolver seus projetos e investimentos. Apesar das dificuldades é sim possível integrar os ganhos empresariais com os benefícios sociais e as estratégias nacionais, ainda mais no setor de exploração e produção de petróleo que é caracterizado pela elevada geração de excedente econômico ainda mais com a descoberta do pré-sal em que a Petrobrás possui elevada expertise exploratória.

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No entanto, a atual gestão da Petrobrás tem buscado desarticular essa dupla face da empresa por meio da redução a sua capacidade de atuação em diversos mercados com a venda de ativos (que tem provocado a redução do seu market share no mercado de derivados e na distribuição) para focar na exploração e produção de Petróleo. A questão que está posta é: a redução da face estatal não implicou em ganhos na face empresarial da empresa. Por que isso está acontecendo? Quem está ganhando com essa estratégia da empresa?

A estratégia atual da Petrobrás de concentrar de suas atividades na área de produção e exploração em detrimento do refino (fragmentação e desintegração vertical), aumenta a exposição da empresa a variáveis que ela não controla, como câmbio e preço do petróleo, e reduz suas margens no segmento do refino aumento seus custos e riscos em virtude das características especificas desse setor. Abrindo assim espaço para novos entrantes internacionais, inclusive na exploração do pré-sal.

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Daniel Yergin, em seu livro clássico O Petróleo: uma história de ganância, dinheiro e poder, nos mostrou que a história do Petróleo é a trajetória da configuração da formação dos grandes conglomerados empresariais (Standard Oil fundada pela família Rockefeller que tem a ExxonMobil como principal herdeira, Shell, etc.) que para atuar nesse segmento precisaram realizar o processo de integração vertical. As grandes empresas desse segmento continuam adotando essa estratégia.

Não é por acaso que a atual estratégia da gestão da Petrobrás não tem gerado os lucros esperados². Na verdade, isso reflete uma terceira face da empresa que entra em choque com as duas últimas apresentadas. É a face da financeirização que não apresenta apenas uma dimensão macroeconômica, pois tem também uma forma microeconômica.

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Os segmentos financeiros impõem sua capacidade de influenciar a Petrobrás tanto de fora para dentro como de dentro para fora em virtude dos espaços decisórios da empresa ocupados por indivíduos com laços pregressos com as finanças.

Isso fica expresso no desembolso de cerca de R$ 145 bilhões, entre o 4º trimestre de 2016 e o 3º trimestre de 2017, com pagamento de juros e do principal da dívida da Petrobrás. Desse total, cerca de R$ 75 bilhões foi para pagamento de banco públicos nacionais e o restante (R$ 70 bilhões) para instituições financeiras internacionais.

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Além desse desembolso, a Petrobrás vem adotando recentemente (no último trimestre de 2017) a estratégia de adiantar o pagamento de dívidas junto aos seus credores emitindo novos títulos com prazo mais alongado e com certa redução do custo médio das dívidas. Dentre esses pagamentos recentes, cabe destacar os destinados aos bancos chineses (US$ 4 bilhões) e ao banco de investimento norte-americano JPMorgan Chase & Co. (US$ 2,5 bilhões). Este último havia recomendado, em fevereiro de 2017 (segundo matéria do Valor Econômico), a retomada das compras das ações da Petrobrás em virtude da alta dos preços do petróleo e da política de desinvestimentos.

É preciso observar a possibilidade de existência de interesses cruzados entre os bancos internacionais credores da Petrobrás e as grandes petroleiras internacionais concorrentes da mesma. JPMorgan Chase & Co. e a ExxonMobil podem ser um exemplo disso, uma vez que essas duas empresas têm as mesmas três instituições (Vanguard Group, Inc., Blackrock Inc., State Street Corporation) como seus principais acionistas que detém cerca de 18% de suas ações. No caso da China, há uma articulação explícita e coordenada pelo Estado entre as estratégias financeiras de seus bancos e a busca pela obtenção de reservas e produção de petróleo por parte de suas petroleiras. Esse tipo de articulação explícita, no exemplo da China, e implícita, no caso dos Estados Unidos, aumenta a pressão externa tanto para a financeirização da Petrobrás como para a redução de sua atuação na exploração do pré-sal e nas áreas de refino e distribuição.  

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Essa estratégia reduzirá o pagamento de juros, mas mantém o processo de financeirização da empresa com a nova emissão de novos títulos (e todos seus efeitos dos riscos cambiais, etc.) e com a busca pela meta de desalavancagem prevista em seu Plano de Negócios e Gestão 2017-2021 (relação dívida líquida/LTM EBITDA de 2,5 em 2018) que implica necessariamente numa política de desinvestimento e de desintegração vertical. Com isso, a pressão externa é reforçada (e vice-versa) pelo atual PNG 2017-2021 da Petrobrás.  

Como a elevação recente do preço do petróleo e com as variações positivas na taxa de câmbio, os desafios financeiros de curto prazo da Petrobrás estão sendo revertidos. Isso permitiria agora a Petrobrás, associado com os possíveis ganhos vindouros da exploração do pré-sal, configurar uma estratégia que articulasse as suas faces estatal e empresarial. No entanto, não há sinais que isso possa acontecer na atual gestão mantendo uma estratégia que não resulta nem em ganhos privados (caso esses ocorram dependem fortemente da mudança do preço do petróleo) nem sociais.

Quem está ganhando com a atual estratégia (financeirização e desintegração vertical) são, por um lado, os segmentos financeiros nacionais e, sobretudo, os internacionais; e, por outro, as grandes empresas petrolíferas integradas (Shell, BP, ExxonMobil, Total, CNOOC, CNODC, etc.)  com a exploração do pré-sal e a abertura de novos mercados no refino/importações de derivados e da distribuição coma redução do papel da Petrobrás.

Quem perde, com isso, é a própria Petrobrás que reduz sua capacidade de acumular em termo empresariais em decorrência de sua desintegração vertical. Alveal 1994, p. 89) deixa isso muito claro ao afirmar que: “Razões de ordem econômica mais do que técnica exigem a integração vertical para realizar o elevado potencial de acumulação da indústria petrolífera, dado os riscos e custos financeiros associados a cada segmento da cadeia produtiva são diferentes”. Não é por acaso que a atual política de preços da empresa (atrelado ao mercado internacional) não aumentou as suas receitas, mas implicou em maiores custos para a sociedade com o aumento dos preços dos combustíveis e do botijão de gás, num contexto em que a nossa produção de petróleo bate recordes. Como explicar isso para a população!   

Perde ainda a sociedade quando a Petrobrás deixa de exercer a sua face estatal reduzindo a capacidade de estimular a geração de renda, emprego e desenvolvimento tecnológico, aumento assim os seus custos sociais.

O pré-sal que poderia ser uma benção, mas está se tornando uma maldição para o Brasil em virtude da atual estratégia da Petrobrás e dos segmentos governamentais responsáveis pelo setor de petróleo e gás que estão muito mais preocupados com interesses das grandes petroleiras (mudança dos índices de conteúdo local e subsídios tributários) do que com os interesses nacionais.      

Eduardo Costa Pinto - Professor do Instituto de Economia da UFRJ e integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas (GEEP) da Fundação Única do Petroleiros (FUP). E-mail: eduardo.pinto@ie.ufrj.br

¹ ALVEAL, Carmem. Os desbravadores: a Petrobrás e a construção do Brasil. Rio de Janeiro: ANPOCS, 1994 (p. 43)

² Ver PINTO, E. & PEREIRA, C. Petrobras: uma análise dos resultados do 3º trimestre e a estratégia da empresa

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