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Economia

‘Se a bolha dos EUA estourar, podemos ter uma crise pior que a de 2008’

Análise é do economista Ricardo Amorim, que acredita que o cenário externo é um grande empecilho para a recuperação econômica do Brasil nos próximos anos; "Eu acho que o risco de estouro dessa bolha nos EUA aumentou brutalmente. E quando ela estourar, a chance de jogar a economia mundial em uma nova crise financeira é enorme", diz em entrevista ao Infomoney

Análise é do economista Ricardo Amorim, que acredita que o cenário externo é um grande empecilho para a recuperação econômica do Brasil nos próximos anos; "Eu acho que o risco de estouro dessa bolha nos EUA aumentou brutalmente. E quando ela estourar, a chance de jogar a economia mundial em uma nova crise financeira é enorme", diz em entrevista ao Infomoney (Foto: Gisele Federicce)
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Por Ricardo Bomfim

Moderadamente otimista com o cenário doméstico depois que Michel Temer foi alçado à condição de presidente, o economista Ricardo Amorim não adota o mesmo tom quando fala do exterior. O presidente da Ricam Consultoria se diz preocupado com o S&P500 em sua máxima histórica ao mesmo tempo em que a economia global tem um desempenho apenas razoável e uma série de perigos rondam os mercados, como é o caso do "Brexit", do terrorismo, e de uma possível eleição de Donald Trump. Segundo ele, uma bolha pode estourar, e nós brasileiros estamos extremamente vulneráveis a isso. 

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"Eu acho que o risco de estouro dessa bolha nos EUA aumentou brutalmente. E quando ela estourar, a chance de jogar a economia mundial em uma nova crise financeira é enorme", diz Amorim. 

O economista segue pregando a necessidade de ajuste nas contas públicas para o Brasil continuar crescendo, mostrando-se muito preocupado com as dificuldades que o Planalto encontrou para aprovar a renegociação das dívidas de estados e municípios. Em entrevista para o especial "Onde Investir - 2º Semestre", do InfoMoney, Amorim fez um alerta para a gestão Temer: "é preciso observar se isso foi um ponto fora da curva [...] ou se a cada votação o governo vai ficar refém. Se isso acontecer, o governo Temer vai acabar sendo parecido com a gestão Dilma, porque ele não vai conseguir passar nada", afirma. 

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Economista formado pela USP, Ricardo Amorim é pós-graduado em Administração e Finanças Internacionais pela ESSEC de Paris. Atuando no mercado financeiro desde 1992, ele trabalhou em Nova York, Paris e São Paulo, sempre como economista e estrategista de investimentos. Recentemente, Amorim publicou o livro "Depois da Tempestade" (Prata Editora), no qual faz comentários atuais sobre a série de artigos que escreveu desde 2009 falando sobre a crise brasileira. 

Confira a íntegra da entrevista do InfoMoney: 

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InfoMoney: Você fala bastante no seu livro ["Depois da Tempestade"] sobre o cenário doméstico, mas o que roubou a cena nesse início de semestre foi o noticiário internacional. Teve o “Brexit” no fim de junho e vão ter eleições nos Estados Unidos com esses dois candidatos que temos apresentados. Esses eventos podem gerar incerteza para a economia e para o mercado financeiro?
Ricardo Amorim: De fato, o “Brexit” foi uma surpresa. Eu não achava que era o mais provável a saída do Reino Unido da União Europeia. É uma péssima notícia por várias razões, já que mostra a força da xenofobia em diversos países, inclusive Inglaterra e EUA, e também aumenta o protecionismo. Há grandes chances de que o “Brexit” jogue a Inglaterra e a UE em uma recessão. Sem falar que pode ser um gatilho de uma série de problemas que já existiam na Europa como uma crise dos bancos na Itália e a explosão de movimentos separatistas dentro de países que fazem parte da UE.

Além disso, o “Brexit” fortaleceu a candidatura do [candidato à Presidência dos EUA pelo Partido Republicano, Donald] Trump, que por sua vez representa um risco na maior economia do mundo. E há uma bolha acionária nos mercados norte-americanos, que pode ser que estoure por causa do Trump, pode ser que estoure por uma alta de juros do Federal Reserve [o banco central dos EUA] ou pode ser que estoure por problemas na Europa. Mas eu acho que o risco de estouro dessa bolha nos EUA aumentou brutalmente. E quando ela estourar, a chance de jogar a economia mundial em uma nova crise financeira é enorme. As economias do Japão e da zona do euro já são muito frágeis, um “crash” da Nyse (Bolsa de Valores de Nova York) pode jogar a economia dos EUA em recessão, o Brasil já está em recessão, então está dada a próxima recessão global. E não vai ser como 2008 e 2009, porque hoje estamos bem mais vulneráveis a uma crise global do que naquela época.

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IM: Ainda sobre bolhas, existe algum risco de “hard landing” da China nos próximos anos?
RA: "Hard landing" causado pela própria piora da economia chinesa é um risco muito baixo. O que eu vejo é um risco de “hard landing” em função de um estouro da bolha na bolsa norte-americana. Isso acontecendo, pode causar um “hard landing” e algo muito mais grave, que é o estouro de uma das maiores bolhas que já surgiram nos últimos 100 anos na economia mundial, que é a bolha imobiliária e de crédito na China. Hoje não há nenhum sinal de estouro dessas bolhas, mas se o mundo entrar em recessão por um estouro da bolha americana, eu temo que essas também explodam. E aí, o cenário vai ser muito pior do que o da crise financeira de 2008/2009.

Não estou falando que isso vai acontecer. Depende de uma sequência de gatilhos. É o “Brexit” e a eleição do Trump puxando o gatilho americano para depois puxar o chinês. Então há uma série de coisas para acontecer no meio do caminho, mas se acontecer será um cenário muito ruim.

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IM: Ou seja, não é de forma nenhuma o seu cenário base essa crise financeira global causada pelo estouro da bolha americana.
RA: Claro.

IM: E qual é o seu cenário base para esse semestre?
RA: Em termos de Bolsa, eu tenho pouca convicção de continuidade desse rali, e a razão é a seguinte: se o Brasil fosse uma ilha, sem cenário externo, eu seria otimista com o cenário de Bolsa. A nossa recuperação econômica seria mais forte e, por sequência, o desempenho de Bolsa seria até melhor do que se imagina. Só que o cenário externo existe. Então, seja para compra ou para venda, está muito difícil tomar posições agressivas na Bolsa no Brasil.

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IM: Você acredita em correção da Bolsa e do dólar até o fim do ano?
RA: Depende dos fatores fiscais. Se não passarem as medidas fiscais, nós teremos Bolsa para baixo e dólar para cima. Se derrubarem o impeachment da [presidente afastada] Dilma Rousseff, o dólar vai subir e o Ibovespa vai despencar muito. Há uma série de variáveis no meio do caminho e não dá para descartar qualquer uma delas. A diferença é que há algumas com probabilidade muito baixa e outras com chance mais alta. Reversão do impeachment da Dilma, para mim, é uma probabilidade muito baixa. Agora, a não aprovação das medidas fiscais é uma probabilidade baixa, mas bem relevante. E um estouro da bolha acionária norte-americana é uma probabilidade bem razoável, beirando os 50%.

IM: Para quando você acha que podemos ter uma recuperação consistente no mercado para termos um novo período de sucesso como foram os anos de 2000 a 2008?
RA: A resposta do quando é não sei. Não diria uma década como 2000, mas uma recuperação de alguns anos, podendo ser mais longa ou mais curta, é possível. Mas para ela ocorrer, é preciso resolver os problemas fiscais no Brasil e não ter uma crise financeira lá fora. A questão é que o que está na nossa mão nós ainda não resolvemos e a possibilidade de uma nova crise é real. Se vai acontecer no curto prazo, ninguém sabe, mas é uma chance real e significativa. O que precisamos é saber que se essa crise ocorrer, ela vai passar como a de 2008/2009 passou, e precisamos aproveitá-la para tomar as decisões certas. Se fizermos tudo errado, como eu mostrei no livro que fizemos depois de 2009, aí voltam todos os problemas. 

IM: Falando mais do cenário doméstico, a meta fiscal de déficit primário de R$ 139 bilhões para 2017 é factível?
RA: Eu acho que ela é factível, mas está longe de resolver os problemas fiscais brasileiros. O que realmente soluciona é, além de atingir a meta de 2017, conseguir uma trajetória de resultados fiscais melhores nos anos seguintes. Isso deve ser obtido com a reforma dos gastos públicos e a reforma da Previdência. E, para mim, essa é a chave da solução do problema fiscal brasileiro.

IM: Você escreveu o seu livro entre a votação do impeachment na Câmara dos Deputados e a no Senado. Na época, você demonstrou estar mais otimista com o cenário brasileiro. Com a entrada do governo Temer, você está mais otimista? Gostou dos sinais apresentados até agora?
RA: Eu diria que não. O que aconteceu de lá para cá foi uma série de sinais trocados. A definição dessas duas medidas de ajuste das contas públicas que eu mencionei era necessária para uma recuperação da economia e o governo fez a lição de casa.

Então, até a derrota na renegociação das dívidas de estados e municípios, eu estava mais otimista, porque o governo Temer tinha conseguido aprovar tudo o que tinha mandado para o Congresso. O que havia de negativo até aquele momento estava na minha conta. 

IM: E o que fez com que você ficasse menos otimista?
RA: O que foi uma surpresa negativa do lado do governo foi a falta de firmeza da gestão Temer nas negociações, que é o pecado inverso do governo Dilma. A Dilma tinha uma incapacidade de negociar, ela fazia o que achava que era melhor e não escutava ninguém. O Temer, ao contrário, não está conseguindo manter as suas posições quando pressionado. Qualquer grupo que se sinta prejudicado pelas medidas dele, e várias das medidas dele vão fazer alguém se sentir prejudicado, parece conseguir fazê-lo voltar atrás.  

E se um presidente da República vai fazer uma reforma da Previdência, que significa reduzir o valor das aposentadorias ou aumentar o tempo de trabalho das pessoas, que é a única forma de equilibrar as contas da Previdência, imagina-se que os aposentados não vão gostar. É difícil alguém ser firme com os aposentados quando essa pessoa cede a grupos de pressão muito mais frágeis.

IM: E sobre esse fracasso do governo em conseguir renegociar a dívida dos estados e municípios. De que modo isso o incomodou?
RA: Primeiro é preciso observar se isso foi um ponto fora da curva que parte do processo de pressão dos governadores para conseguir termos melhores na reestruturação da dívida pública, ou se a cada votação o governo vai ficar refém. Se for o segundo caso, o governo Temer vai acabar sendo parecido com a gestão Dilma, porque ele não vai conseguir passar nada. Sem passar nada, a confiança não volta e se a confiança não voltar o crescimento também não. Vai ser a mesma tensão negativa que encurtou o mandato da presidente Dilma e que pode fazer o Temer não conseguir chegar ao fim do mandato dele também.

IM: Em toda a classe política brasileira, você acredita que haja alguém que consiga anunciar e implementar as medidas necessárias sem ser muito concessivo como você diz que tem sido o Temer?
RA: Essa é outra questão que explica a crise brasileira. Nós estamos enfrentando um vácuo de lideranças enorme. A Dilma foi eleita como consequência desse vácuo. Os outros candidatos provavelmente mais hábeis tanto técnica quanto politicamente do que ela, mesmo no PT, já tinham sido queimados por denúncias de corrupção, como é o caso do José Dirceu e de Antonio Palocci. E no caso da oposição, ela é fraca, tanto que perdeu duas eleições para a Dilma, que é a candidata sem carisma, e que no primeiro governo já não teve resultados positivos. Acho que há uma chance muito de grande de surgirem novos nomes para a eleição de 2018, mas não faço a menor ideia de quem serão.

IM: Dentro do seu livro, algo que você comentou no texto sobre o “capitalismo tupiniquim” é que é necessário que a Lava Jato continue a punir políticos e empresários corruptos. Você se decepcionou com as denúncias principalmente sobre o ex-ministro do Planejamento, Romero Jucá, de que ele teria conspirado para barrar a operação, como apareceu nas gravações do ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado?
RA: Decepcionados todos nós ficamos, mas eu não fiquei surpreso, porque existe muita gente poderosa sendo investigada. Não sei se só eram as denúncias do Sérgio Machado. Acho que muita coisa vai aparecer ainda. E isso é importante, porque a Lava Jato tem um custo de curto prazo por gerar incertezas para a economia, mas se ela gerar uma redução significativa na corrupção, ela vai aumentar o potencial de crescimento brasileiro de longo prazo. 

IM: E o que é necessário para reduzir a corrupção? 
RA: São duas coisas: uma é o aumento da punição tanto para empresários quanto para políticos, e outra é o papel do STF (Supremo Tribunal Federal). O foro privilegiado tem que acabar até para crimes comuns.

Também é importante que se apliquem as novas leis anti-corrupção. É o exemplo da possibilidade de prisão de políticos condenados em segunda instância e do pacote de medidas contra a corrupção que tramita atualmente no Congresso. Só que tudo isso ainda está muito frágil. Nós plantamos sementes para criar um Brasil melhor, porém, se não regarmos bem, essas sementes irão morrer. Ainda não estão sacramentadas as medidas e ainda há uma série de reações contrárias às condenações em segunda instância.

Estamos vivendo em um momento potencialmente de mudança para melhor. Mas o que vai acontecer nos próximos anos depende muito da pressão popular. Se essa pressão continuar forte, vamos caminhar na direção certa. Se ela afrouxar, os políticos vão voltar a defender apenas os próprios interesses como eles sempre defenderam.

IM: Para finalizar, você acredita que, em um cenário com reforma previdenciária aprovada, um candidato eleito em 2018 que siga implementando reformas, o petróleo e o minério subindo, sem hard landing na China e sem estouro de bolha nos EUA, a sua projeção de 2009 de que a Bolsa vai para 200.000 pode ser realizada?
RA: Depende do tempo que teremos para um cenário positivo, porque tem muita coisa que pode dar errado ainda. Precisaríamos de vários anos de mercado favorável. 

Nessa previsão de 200 mil pontos que eu fiz na virada de 2008 para 2009, eu acreditava que o Brasil teria, um cenário externo bastante favorável, que foi o que aconteceu durante quase sete anos, tanto que a bolsa dos EUA subiu em linha com o que eu estava prevendo na época. Onde eu errei redondamente foi em acreditar que o governo Dilma seria tão bom quando o do Lula, talvez até melhor. Eu caí no conto da “gerentona”, de que ela seria alguém com uma habilidade administrativa maior que a do seu predecessor. Não foi o que aconteceu. Ao contrário, não só ela mostrou inabilidade política como fez uma série de políticas econômicas desastrosas. Tanto que em fevereiro de 2010 eu já fiz uma recomendação em relatórios e entrevistas de vender tudo em Bolsa. Na época, a Bolsa estava em 72 mil pontos, chegou perto dos 74 mil pontos, na máxima histórica, e depois desceu a ladeira.

Quando isso aconteceu, eu cheguei a achar que era um ajuste temporário, mas o governo não enfrentou o aumento dos preços como deveria, acabou com o tripé macroeconômico e cometeu uma série de outros erros que fizeram com que eu nunca mais acreditasse nele.

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