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Entrevistas

Breno Altman: ascensão da extrema direita exige nova esquerda anticapitalista

Jornalista discorreu sobre origens do ultraconservadorismo na Europa tendo em vista o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais francesas; assista na íntegra

Jornalista Breno Altman, editor do Opera Mundi (Foto: Felipe Gonçalves / Brasil 247)
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Por Breno Altman, do Opera Mundi - No programa 20 MINUTOS ANÁLISE desta terça-feira (12/04), busquei responder por que a extrema direita cresce na Europa tendo em vista a passagem de Marine Le Pen ao segundo turno das eleições presidenciais francesas.

Líder do partido Reagrupamento Nacional, antiga Frente Nacional, a candidata da extrema direita representa a chance concreta da ascensão ao governo, em uma das principais sociedades capitalistas da Europa, de uma força política estranha aos partidos da democracia liberal do pós-guerra.

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Le Pen representa o crescimento de uma corrente minoritária da política burguesa desde a derrota do nazifascismo nos campos de batalha. Essa extrema direita, embora marginalizada, nunca deixou de existir. A partir dos anos 90, no entanto, de forma desigual e irregular, vai conquistando certo protagonismo em toda a Europa.

O neofascismo, como muitos identificam esse heterogêneo condomínio de direita, se aproximaria do palco principal da política, portanto, quando o socialismo abandonava a cena e desapareciam, como alternativas viáveis de poder, os partidos da esquerda anticapitalista.

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Hoje, voltamos a ter de analisar o comportamento da esquerda europeia frente ao crescimento da extrema direita. Não é razoável pensar que o neofascismo possa ser derrotado sem a superação do neoliberalismo, cuja dinâmica orgânica é que alimenta a extrema direita. Lutar de forma consequente contra o neoliberalismo, por outro lado, exige a recriação de uma esquerda anticapitalista, anti-imperialista e anticolonial de massas. Por ora, são raros os núcleos políticos que apontam nessa direção. O único com efetivo protagonismo é o liderado por Jean-Luc Mélenchon, com suas virtudes e contradições.

Origem e natureza da extrema direita

Mas voltemos no tempo. Para entender o crescimento da extrema direita atual, precisamos retomar suas origens.

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O ocidente europeu, desde o final da Segunda Guerra Mundial, foi liderado por partidos que defendiam a democracia liberal e a economia de mercado, todos eles integrados plenamente ao sistema imperialista fundado em 1945 sob a liderança dos Estados Unidos e a bandeira do anticomunismo.

Dividiam-se, grosso modo, em dois braços de um mesmo corpo. A ala direita do sistema era representada pelos partidos conservadores, católicos e liberais. A ala esquerda, pela socialdemocracia. Os dois ramos revezavam-se no comando dos Estados nacionais, às vezes formando coalizões entre si. 

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Ambas alas aderiram ao programa neoliberal nos anos 80, expressando os interesses da burguesia europeia no relançamento da economia capitalista depois das crises mundiais de 1973, 1982 e 1987. 

Os ritmos de adesão foram variados, é verdade. A direita converteu-se mais rapidamente ao novo credo, os sociais-democratas foram mais lentos e sofreram maiores dissidências. 

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Ainda assim, os dois blocos principais da política europeia tinham um compromisso estratégico comum: reformar o capitalismo em favor da máxima liberdade possível do capital, eliminando as amarras que foram obrigatórias para fazer frente ao fantasma do socialismo, ao poderio da União Soviética e à força do movimento operário que se ancorava nas bandeiras da Revolução de 1917. 

As reformas dos anos 80 e 90 começaram o desmonte paulatino do chamado Estado de bem-estar social, depois aceleradas no século XXI. Privatizações, desregulamentações, eliminação de direitos, corte de gastos, investimentos e serviços públicos, rebaixamento dos impostos pagos pelos mais ricos e as empresas, ofensiva antissindical: essas foram algumas das medidas que redefiniram a Europa nos últimos trinta anos. 

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As consequências sociais não tardaram em aparecer e se consolidar e, pela primeira vez desde 1945, a roda da prosperidade deixava de girar – os filhos das classes trabalhadoras não viveriam melhor que os pais, ao contrário. A taxa de lucro das grandes corporações se recuperava às custas do aumento na taxa de exploração e marginalização dos que viviam de seu próprio trabalho. 

Reitero, a burguesia europeia se deu muito bem, claro, mas o crescimento foi pífio e a regressão social, calamitosa. Criou-se, assim, a base material para o surgimento de uma corrente antissistema, mas não de esquerda. 

Frente Nacional

De forma semelhante à ascensão do fascismo italiano nos anos 20 do século passado, foram ganhando musculatura grupos que mesclavam a representação dos mais desfavorecidos com os interesses de frações burguesas que sofriam perdas frente à chamada globalização.

Essas organizações, ainda que relativamente adeptas do neoliberalismo, avançaram para um forte discurso nacionalista e protecionista. Não apresentavam, é óbvio, uma alternativa anticapitalista, mas passavam a expressar os interesses, tanto entre os trabalhadores quanto nas camadas médias e na burguesia mais tradicional, especialmente agrária, de quem era profundamente prejudicado pela abertura das fronteiras econômicas e sociais. 

A Frente Nacional, precursora do Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen, é um caso exemplar dessa trajetória. Para os trabalhadores e os assalariados em geral, um discurso xenófobo e racista contra os imigrantes, responsabilizados por supostamente roubarem empregos e salários das famílias francesas, além de abarrotarem os serviços públicos e provocarem sua deterioração.

Tradicionalista, conservadora e fundamentalista, montada no cavalo do nacionalismo e da xenofobia, essa extrema direita não nasceu nos salões da alta burguesia, mas na fusão entre o ressentimento de setores das classes trabalhadoras e o temor pela sobrevivência dos pequenos burgueses. 

Nasceu nos andares de baixo, é fato, mas veio subindo. Com o sistema político já em crise e desagregação, decorrência da desidratação social de legendas tradicionais após duas ou três décadas de neoliberalismo, o comando emitido pelas agências políticas do capital foi de deslocamento à direita de todo o sistema, absorvendo determinadas pautas dos grupos extremistas, como a xenofobia e o protecionismo.

Ao mesmo tempo que se moviam à direita, recauchutando o neoliberalismo através do amálgama com uma dose controlada de nacionalismo, os velhos partidos burgueses, ainda que reduzindo fortemente a distância que os separava da extrema direita, continuaram a ter um discurso de confrontação com essa corrente. 

Na medida em que a extrema direita via sua influência crescer, inclusive junto às classes dominantes, se deslocava ao centro, para facilitar a atração de eleitores dos partidos liberais e sociais-democratas, além da bênção dos grandes capitalistas. Novamente Marine Le Pen é uma prova escancarada dessa operação, moderando relativamente seu discurso e se comprometendo com a preservação da democracia liberal. 

O impulso original da Frente Nacional, depois Reagrupamento Nacional, foi antissistema, até se consolidar nos andares de baixo. Depois começou a se aproximar dos liberais, em movimento simétrico ao que os liberais faziam em relação ao neofascismo. 

Claro que o exemplo francês tem suas peculiaridades, nem todos os grupos de extrema direita na Europa operaram a mesma trajetória de Le Pen. Muitos desses grupos e correntes etiquetados como “neofascistas” preferem acumular forças através da radicalização de suas posições, esticando a corda da narrativa antissistema.

Aliás, o giro da líder francesa trouxe-lhe uma dupla dor de cabeça: o surgimento de uma dissidência ainda mais extremista, puxada por Éric Zemmour, que terminou com 7,1% dos votos no primeiro turno, e o avanço de Jean-Luc Mélenchon, um dos raríssimos expoentes antissistema da esquerda europeia, sobre a base eleitoral de trabalhadores e assalariados da própria Le Pen, quase lhe tirando da segunda volta.

Mas não é apenas na França que podemos registrar o fenômeno de crescimento da extrema direita, faz sentido afirmar que se trata de um processo continental.

A origem material é semelhante em todos os países nas quais o fenômeno ganhou expressão: a deterioração social após trinta anos de neoliberalismo, com o repasse de um fardo insuportável a setores das classes trabalhadoras, dos setores médios e até de frações subalternas da burguesia.

A natureza desses grupos apresenta igualmente destacadas similitudes: sua resposta ao neoliberalismo está no nacionalismo, na xenofobia e no conservadorismo religioso, além de mensagens antidemocráticas. 

Vale destacar que o nacionalismo da maioria desses grupos de extrema direita dobra-se à hegemonia dos Estados Unidos sobre o sistema imperialista, sem maiores ambições geopolíticas. Basta ver a acomodação desses agrupamentos, no final das contas, às sanções contra a Rússia, à defesa do governo de Kiev e ao funcionamento da OTAN. Claro que há diferenças de abordagem, mesmo entre grupos de extrema direita. O húngaro Viktor Orbán é mais amistoso a Moscou, por exemplo, que o presidente polonês Andrzej Duda. Não há, porém, nenhuma evidência substanciosa de que a extrema direita europeia deseje abrir qualquer contencioso mais sério com a Casa Branca, muito menos romper com o sistema imperialista tutelado pelos Estados Unidos.

Mas o chão está se movendo sob nossos pés. A história voltou a se acelerar. Vamos ver o que nos espera nas próximas esquinas.  

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