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Aos 70 anos, Tarso Genro faz balanço da militância e da atividade intelectual

Ex-prefeito de Porto Alegre, ex-governador o Rio Grande do Sul e também ex-ministro da Justiça do governo Lula, Tarso Genro, aos 70 anos, diz que a “militância política é inseparável da busca da felicidade; sobre o futuro do PT, afirma que “nenhum Partido é eterno, nem são comunidades religiosas ou comunidades morais. Os partidos são comunidades políticas, sempre historicamente datadas, validadas para determinados períodos históricos, cuja permanência no cenário político se legitima por ele representar as aspirações de parte da sociedade, grupos, classes, comunidades regionais ou locais”

Ex-prefeito de Porto Alegre, ex-governador o Rio Grande do Sul e também ex-ministro da Justiça do governo Lula, Tarso Genro, aos 70 anos, diz que a “militância política é inseparável da busca da felicidade; sobre o futuro do PT, afirma que “nenhum Partido é eterno, nem são comunidades religiosas ou comunidades morais. Os partidos são comunidades políticas, sempre historicamente datadas, validadas para determinados períodos históricos, cuja permanência no cenário político se legitima por ele representar as aspirações de parte da sociedade, grupos, classes, comunidades regionais ou locais” (Foto: Voney Malta)
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Por Sul 21 – “Para mim a militância política é inseparável da busca da felicidade. Não me reconheço sem esta possibilidade de lutar por certos propósitos, mas não creio que esta militância deva, necessariamente, passar por mandatos, embora estes sejam sempre importantes e um “front” digno de respeito. Uma das poucos virtudes que tenho, como político e intelectual “médio” – para usar uma expressão de Gramsci – é que sempre soube combinar uma certa melancolia e ceticismo no presente, com uma certa perspectiva otimista e irônica em relação ao futuro”. A afirmação é de Tarso Genro que, ao completar 70 anos, faz uma balanço de sua militância política, de sua atividade intelectual e de alguns dos desafios colocados para a esquerda hoje.

Tarso Genro foi prefeito de Porto Alegre, governador do Rio Grande do Sul e ministro da Justiça do governo Lula, entre outros cargos que já ocupou. Apesar dessa trajetória, ele não coloca a ocupação de cargos e mandatos o centro de sua militância. Tarso define assim o caminho que pretende dar à sua militância política:  “pretendo, ora em diante, trabalhar mais na formulação, na elaboração de ideias, dentro e fora dos partidos, e na produção de propostas para a renovação do campo da esquerda e da democracia, do que propriamente concorrer a qualquer cargo”. Confira abaixo esse balanço feito por uma das principais lideranças do Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil:

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Atividade intelectual e publicações

Publiquei muitos livros e ensaios em revistas acadêmicas e não acadêmicas, em jornais e em livros compartilhados, no Brasil, na Espanha, na França, no México, na Argentina, até mesmo nos Estados Unidos,  principalmente nas áreas de teoria do direito e da teoria política e mesmo alguns textos de comentários sobre filosofia e filosofia do direito. Nenhum deles, porém, teve qualquer importância para forjar um “legado” ou mesmo para influir de forma decisiva em qualquer “escola” de pensamento. Meus paradigmas mais próximos, Gramsci, Bobbio, Bloch, Mèzaros, Baumann, Roberto Lyra Filho,  Boaventura Souza Santos, Raymundo Faoro, Fabio Comparato, estes deixaram um legado que eu procurei entender e, por assim dizer, popularizar, com várias pessoas da minha geração, sobre as quais eu tive uma certa influência. Esta influência, porém, não teve muita importância no cenário intelectual do país nem no cenário mundial. Pode ter ajudado certos setores da esquerda intelectual a refletir de forma não-ortodoxa sobre os dilemas do humanismo socialista, o que eu já considero um traço positivo da minha trajetória. Pelo menos em relação ao que eu me propus.

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A minha atividade intelectual nunca desprezou a academia e os estudos acadêmicos, tanto é verdade que fui professor convidado em Universidades, participei de inúmeros seminários, simpósios e colóquios acadêmicos,  mas esta atividade intelectual sempre foi uma necessidade derivada da minha ação política. De certa forma um  instrumento para melhorar e depurar minha ação política, no sentido de livrá-la de toda a demagogia e “profissionalismo”, no sentido de não fazer da política uma “profissão”, mas uma missão ético-moral, para lutar pela igualdade e pela democracia. Se isso prejudicou a produção de um certo legado, também é correto dizer que ajudou a introduzir, por exemplo, o conceito de Concertação aqui no Brasil, produzir o Prouni, as políticas de cotas, um conceito de Segurança Pública – através de Pronasci – que hoje está em baixa, mas que certamente ainda voltará à agenda nacional. O sistema de participação popular que instituímos aqui no Estado  – inspirado em experiências anteriores -, com plenárias presenciais, voto direto sobre prioridades orçamentárias, Gabinete Digital, Conselhão e consultas via internet, também inscrevo como uma contribuição positiva, que combina uma certa formulação teórica com a prática política democrática de Governo.

Creio que ajudei a introduzir, igualmente, em certa parte da esquerda, alguns debates críticos sobre certas versões dogmáticas do marxismo e sobre as relações necessárias do socialismo com a democracia. Mesmo neste sentido, apenas dei seguimento a discussões que já ocorriam aqui no Brasil, por exemplo introduzidas por Carlos Nelson Coutinho e outros intelectuais, e, na Europa, por formuladores do neocomunismo italiano, particularmente os gramscianos de esquerda que rejeitavam a visão do “fim das utopias”, entre eles Lucio Magri e Bertinotti.

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Mudanças na política

A reestruturação da sociedade de classes que ocorreu nos últimos 30 anos, principalmente, com a fragmentação das classes tradicionais da sociedade industrial e a introdução de novas formas de produção da riqueza material e imaterial, vem mudando a forma de fazer política. As formas de manipulação e produção da opinião pública, influenciadas por estes processos novos, vem envelhecendo a forma-partido tradicional. De uma maneira um pouco caricatural, pode-se dizer que na sociedade industrial clássica, a luta de classes se dava entre classes visíveis, orgânicas e com sujeitos políticos relativamente definidos, com os seus partidos mais claramente definidos e os seus sindicatos mais representativos. Tal fato permitia, ou desfechos contratuais, como na social democracia, ou revoluções sociais, como as que correram no século passado, que se apresentavam como socialistas ou de “libertação nacional”.

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Hoje os comandos da economia são invisíveis, os conflitos “intra” classes são tão fortes como os conflitos entre classes. As diversas formas de corporativismo tomaram conta da política e todas as corporações – sejam as privadas ou estatais, sejam as da alta administração pública –  predominantemente tem em mente colocar o Estado a seu serviço, como se estas “categorias” representassem o universal. Isso tem um motivo: o Estado, hoje, é apenas um instrumento de pagamento da dívida pública e o seu funcionamento está pré-determinado nos movimentos do capital financeiro: as corporações, em regra, disputam os despojos do Estado socialdemocrata.

A maioria dos recursos do Estado serve apenas para rolar e pagar eternamente aquela dívida. Nos momentos de escassez, sempre  se rompem os vínculos de solidariedade interna entre as classes e cada um “quer pegar” o que lhe é supostamente devido, sem se importar com os problemas dos demais. É uma forma de “naturalização” das relações sociais e políticas, que mata a vida comum e o próprio sentido de pertencimento a um grupo social. E isso produz uma forma de abordagem da política, que impede a criação de identidades políticas e ideológicas em torno de programas comuns,. ainda que válidos por um certo tempo. Com este esfacelamento da política, quem perde são as classes populares, pois o empresariado e as classes médias mais ricas podem se refugiar no mercado financeiro, para manter seus ganhos sem produzir ou sem perder renda em demasia.

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A disputa política na mídia e nas redes sociais

A disputa política, em termos públicos e permanentes, hoje, é feita principalmente nas redes sociais, na contraposição ao oligopólio da mídia. Mas as questões que são disputadas não são produzidas, nem por elas nem pelos partidos ou pelos movimentos. Sim por este oligopólio que vê no mercado, não nas emoções humanas e nas necessidades humanas, o sentido comum  que deve orientar cada  indivíduo na sociedade. Pode se dizer que este oligopólio é o verdadeiro partido moderno dos privilegiados de toda a ordem e que o seu macro-projeto – assim como Vargas Llosa disse que o PRI era a “ditadura perfeita” da Revolução Mexicana já degradada –  o seu macro-projeto, repito, é a opressão e o controle perfeitos, que faz da democracia política uma mera retórica ou figuração.

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As redes sociais são uma espécie de jardim zoológico do que restou da subjetividade humana no capitalismo em crise. Ali vemos desde as mais generosas ideias e manifestações genuinamente humanas, até os apelos homofóbicos, fascistas, posições conservadoras democráticas, ódios irracionais de classe e até mesmo uma morbidez criminosa que só é compatível com certos momentos históricos de degradação social, que ocorreram em vários momentos da humanidade, como na decomposição do Império Romano, na Inquisição, nas Cruzadas e no nazifascismo. De outra parte, as redes sociais também promovem uma possibilidade de voz pública para qualquer cidadão, que não pode ser desprezada como instrumento de democratização e da formação da opinião. Bauman chegou a dizer algo como “as redes tornaram-se depósitos das imbecilidades humanas”, o que ele tem certamente razão, mas não pode ser desprezado também o fato de que elas, as redes – também Bauman registra – são o depósito de solidões em transe que procuram uma relação afetiva e são, igualmente, um lugar onde são guardadas e democratizadas obras maravilhosas da sensibilidade e da inteligência humana.

A militância política e a busca da felicidade

Para mim a militância política é inseparável da busca da felicidade. Não me reconheço sem esta possibilidade de lutar por certos propósitos, mas não creio que esta militância deva, necessariamente, passar por mandatos, embora estes sejam sempre importantes e um “front” digno de respeito. Mesmo no pior dos políticos de qualquer extração ideológica,  a sua exposição na cena pública, com as suas misérias e grandezas, é uma forma de contribuição à formação de uma consciência cidadã, verdadeiramente democrática. Tendo já passado por vários mandatos, parlamentares e no Executivo – seja com eleições ou através de funções ministeriais – pretendo, ora em diante, trabalhar mais na formulação, na elaboração de ideias, dentro e fora dos partidos, e na produção de propostas para a renovação do campo da esquerda e da democracia, do que propriamente concorrer a qualquer cargo.

Não se trata de cansaço, mas de adequação da minha militância ao que julgo, no momento, que possa ser mais útil. Nunca saí de Porto Alegre, continuo frequentando os mesmo lugares e ampliei o meu raio de amizades em todas as direções. Nem vou sair daqui. Tenho viajado algumas vezes para o Rio, para  São Paulo, para Brasília e para o exterior, em atividades políticas  e profissionais. Tenho preferido, neste momento, escrever artigos mais curtos do que obras mais longas e complexas em livros, que ao fim e ao cabo nunca tiveram grande circulação nem aceitação, a não ser em alguns círculos restritos da academia e da intelectualidade. Aos setenta anos não me sinto nem velho nem cansado, mas mais realista do que é possível fazer, nas circunstâncias históricas de degradação democrática e social que vivemos hoje, do Rio Grande do Sul, do Brasil e  do Mundo.

De outra parte, sei que tudo isso é cíclico e que a Humanidade sempre esteve, e hoje não mudou, entre a barbárie e o humanismo. Uma das poucos virtudes que tenho, como político e intelectual “médio” – para usar uma expressão de Gramsci – é que sempre soube combinar uma certa melancolia e ceticismo no presente, com uma certa perspectiva otimista e irônica em relação ao futuro.

O partido: o futuro do PT

“Nenhum Partido é eterno, nem são comunidades religiosas ou comunidades morais. Os partidos são comunidades políticas, sempre historicamente datadas, validadas para determinados períodos históricos, cuja permanência no cenário político se legitima por ele representar as aspirações de parte da sociedade, grupos, classes, comunidades regionais ou locais. O PT é o resultado de uma fusão democrática de ideologias libertárias, democráticas e socialistas, que responde aos projetos da esquerda num momento em que o comunismo real e a social-democracia começam a fazer água, por razões diversas, em todo o mundo, e é um partido que teve a capacidade de dar sustentação e ser sustentado pelo maior líder popular dos últimos 50: Lula. Só Getúlio, Jango e Juscelino, a seus modos, tiveram este apelo.

Sempre que me falam em sair do PT, em função da sua crise atual eu pergunto: ir para onde? Para algum partido que seja algo como uma tendência que inclusive ainda existe dentro do PT? A minha resposta é a seguinte, para os questionamentos que me fazem sobre sair do PT: enquanto o PT for múltiplo e diverso e não forem bloqueados pela burocracia, os grupos que querem mudá-lo para melhor fico onde estou.

Sobre os críticos na esquerda

As críticas feitas por alguns líderes do PT, como Walter Pomar, entre outros ditos como mais à esquerda no PT, são válidas e a maioria delas respeitosas, feitas por militantes dedicados e inteligentes. Mas são debates frequentemente mais morfológicos, sobre os discursos públicos de cada debatedor, do que debates sobre “o que fazer?” na vida política concreta. E mais: quando eles são feitos apenas no cenário interno, também direcionam a palavra, para que esta sirva para legitimar a tutela sobre a própria base, às vezes escassa, de cada interlocutor, e não para cotejar argumentos e buscar afinidades. Acho que os debates que interessam são triangulares, devem fluir para “dentro “e para “fora” do Partido. Confesso que tenho aprendido mais nos debates que faço fora, nos movimento sociais, na academia, na intelectualidade, com outros partidos de esquerda, com adversários decentes, do que propriamente com a correções de linha, que eventualmente recebo dentro do PT.

Não é que eu não dê importância a elas, mas eu as conheço há mais de 40 anos. Querem sempre opor, como se estivesse reaberto um período de revoluções socialistas, uma suposta “racionalidade proletária” a uma “racionalidade burguesa” ou “pequeno burguesa”. E o que me parece necessário, neste período extremo do rentismo, é a disputa de conteúdos, programáticos e ideológicos, entre uma “racionalidade republicana e democrática”, que é poli-classista, de um lado, e, de outro, uma “racionalidade” exclusivamente “burguesa” (do capital financeiro), que é censitária, anti-republicana e antidemocrática. Aos setenta anos, também a gente vai tendo uma visão mais clara da sua própria (pouca) importância na história e, em consequência, passa a não dar também muita atenção aos debates em torno das próprias posições.”

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