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Assembleia questiona o que fazer com o sistema penitenciário gaúcho

No final da audiência da Comissão Especial de Segurança Pública, instalada na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul para debater uma das piores crises vividas pelo estado na área, a delegada Nadine Anflor pediu a palavra; presidente da Associação dos Delegados da Polícia Civil no RS, Nadine concordou com tudo que havia sido posto por membros do Judiciário, Legislativo, Igreja Católica, antes dela; mas tocou em uma das piores feridas do sistema penitenciário gaúcho atual, que se arrasta a espera de soluções imediatas desde o ano passado: os presos que superlotam celas de delegacias da Polícia Civil  

No final da audiência da Comissão Especial de Segurança Pública, instalada na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul para debater uma das piores crises vividas pelo estado na área, a delegada Nadine Anflor pediu a palavra; presidente da Associação dos Delegados da Polícia Civil no RS, Nadine concordou com tudo que havia sido posto por membros do Judiciário, Legislativo, Igreja Católica, antes dela; mas tocou em uma das piores feridas do sistema penitenciário gaúcho atual, que se arrasta a espera de soluções imediatas desde o ano passado: os presos que superlotam celas de delegacias da Polícia Civil   (Foto: Leonardo Lucena)
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Fernanda Canofre, Sul 21 - No final da audiência da Comissão Especial de Segurança Pública, instalada na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul para debater uma das piores crises vividas pelo estado na área, a delegada Nadine Anflor pediu a palavra. Presidente da Associação dos Delegados da Polícia Civil no RS, Nadine concordou com tudo que havia sido posto por membros do Judiciário, Legislativo, Igreja Católica, antes dela. Mas tocou em uma das piores feridas do sistema penitenciário gaúcho atual, que se arrasta a espera de soluções imediatas desde o ano passado: os presos que superlotam celas de delegacias da Polícia Civil.

Na manhã da segunda-feira (13), horas antes da audiência na AL, Nadine havia visitado a carceragem de uma delegacia de Polícia de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre. A delegada ouviu relatos de presos que não tem como tomar banho, se obrigam a fazer necessidades em público, na falta de um espaço adequado, um deles relatou que há 20 dias não escovava os dentes. Apesar da Susepe (Superintendência de Serviços Penitenciários) se encarregar de fornecer alimentação aos presos, cabe a equipes da Polícia, em desvio de função, buscar as refeições. Caso contrário, os presos não comem.

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“Acho que temos que pensar no que vamos fazer amanhã, porque uma tragédia pode acontecer ainda nesta madrugada. Entendo tudo o que foi dito, mas precisamos de uma solução para agora”, afirmou ela. Pelo menos 104 presos estão sendo mantidos em delegacias de polícia no RS.

A audiência convocada na tarde de ontem, teve como mote de debate a situação dos presídios no Rio Grande do Sul. Pela manhã, juízes, promotores e deputados já haviam se reunido com José Ivo Sartori (PMDB) e com o secretário de Segurança Pública, Cezar Schirmer, para discutir o que fazer com a violência instalada no estado. Como se agora se reconhecesse que os índices de criminalidade crescentes nas ruas são um reflexo direto do que acontece dentro das unidades prisionais.

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“Nós já encaminhamos 4.941 presos de delegacias, para um sistema onde não há vagas. É um número bastante expressivo. São duas Penitenciárias de Canoas, praticamente. É um problema sério, que tem que se resolver”, respondeu à delegada a superintendente da Susepe, Marli Anne Stock. Segundo ela, até o final do mês, a Secretaria de Segurança Pública deve apresentar uma resposta do que será encaminhado para resolver a questão.

Em novembro do ano passado, quando começou a circular uma foto mostrando presos algemados a uma lixeira, em frente ao Palácio da Polícia, o secretário Cezar Schirmer, confirmou a criação de um novo Centro de Triagem, fez previsões sobre inauguração de presídios que já estavam encaminhados e defendeu a ideia de adotar contêiners – modelo barrado pela justiça e denunciado por organizações em outros estados – como solução.

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Porém, para o juiz da 2ª Vara de Execuções Penais de Porto Alegre, Sidinei Brzuska, conhecido especialmente pelo trabalho dentro do Presídio Central, o problema do sistema gaúcho não está na triagem de presos. O problema maior está nas condições para se cumprir a pena.

Mais vagas não mudam cenário

Segundo dados do Judiciário, o Rio Grande do Sul possui hoje 71 mil pessoas condenadas. Destas, 36 mil estão no sistema – cumprindo pena em regime aberto, semi-aberto ou fechado. O Estado possui um total de 25 mil vagas. “Nos regimes aberto e semi-aberto, fomos obrigados a tomar decisões que não nos agradaram e tivemos que soltar. E fomos culpados por isso. Ainda não soltamos nenhum preso em delegacias de polícia, mas não duvido que no momento que acontecer algo em alguma das DPs vão nos acusar”, diz Brzuska.

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A população carcerária gaúcha disparou nos últimos anos. Entre 2008 e 2014, o Estado mantinha uma média anual de 636 novos presos. Nos últimos dois anos, esse número saltou para 3 mil novos presos por ano. “São quase 7 mil presos a mais num sistema que já estava atuando muito acima de sua capacidade. Isso é caótico. Se nós formos no (Presídio) Central, na (Penitenciária) Modulada (de Charqueadas), em qualquer lugar, vamos ver o que isso significa. Falar aqui em números é muito simples, mas é só chegar próximo dessa realidade, para perceber o impacto dessas coisas”, analisa o procurador de Justiça, Gilmar Bortolotto.

Para Bortolotto – que trabalha há quase 20 anos com os presídios de Porto Alegre e região metropolitana – a sociedade foi incapaz de administrar o sistema e ele foi piorando. “O cidadão não vai entender isso. Ele quer mais prisões. Na ótica do cidadão comum, que não conhece toda essa sistemática, ele quer que a polícia prenda. E não está errado. O que não está bem é o que nós fazendo depois”, questiona ele.

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O perfil da massa carcerária do Rio Grande, hoje, gira em torno de estimativas na cifra de 70%: essa é a porcentagem de presos com até 34 anos, com ensino fundamental incompleto e do índice de retorno ao sistema (30% dos presos são réus primários). “Se nosso índice de retorno é esse, nunca daremos conta de criar vagas suficientes na metodologia em que estamos entregando hoje. (…) O que se vê hoje são cúpulas que mandam e grande parcela dos que são ‘escravizados’ pelos outros”, analisa Bortolotto.

A superintendente da Susepe reconheceu que o Estado “não tem como receber todos os presos em seus estabelecimentos prisionais”. Stock relatou que enquanto o orçamento da Susepe é de cerca de R$ 13,5 milhões, os gastos chegam a R$ 20 milhões. “Essa conta nunca fecha”, afirma. “Essa é uma crise histórica. A crise do sistema penitenciário vem de muitos anos de falta de investimentos e pegou o Estado atravessando uma crise financeira. Em toda minha carreira, nunca tinha visto tanta falta de recursos como agora”, conta ela.

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Marli falou sobre os recursos sendo encaminhados pelo governo federal ao RS e como isso pode ajudar. Segundo ela, R$ 32 milhões já foram liberados para construção para novas vagas. O governo do estado ainda não sabe como irá utilizar a verba. Além disso, Marli também cita uma questão “comemorada” pelo Piratini: a vinda para o estado de uma das cinco penitenciárias federais previstas no Plano Nacional de Segurança, de Michel Temer (PMDB).

A penitenciária federal, no entanto, nem pode entrar na conta. Ela é destinada para presos encaminhados pelo governo federal, vindos de outros estados do país, não para atender falta de vagas do RS. Além disso, segundo o Judiciário, o Rio Grande do Sul possui hoje dois presos em penitenciárias federais.

“Não adianta trabalhar só com a lógica de criação de vaga. Com essa cultura só vamos incentivar esse enriquecimento [das facções, com comércio dentro das prisões]. Para mim, isso é hoje um problema fulcral, que nós, aqui fora, não estamos percebendo, mas vamos pagar a conta”, defendeu Brzuska.

Plano além de governo

Brzuska também citou outros números que ajudam a formar um perfil do crime no RS. Dos presos gaúchos hoje: 11% cumprem pena por homicídio, 31.5% por roubo, 4.69% por latrocínio (crime de roubo seguido de morte), 3,24% or estupro e 24,9% por tráfico de drogas. Em compensação, quando se analisa os índices de reincidência, os crimes que fazem pessoas voltarem ao sistema, a maior taxa está ligada a roubos – 21,4% – seguido de homicídios com 6,42% e tráfico de drogas com 5,39% de índice.

“Esse dado é curioso porque, há 15 anos, a quantidade de presos por tráfico era de 5%. Hoje, esse é o índice de reincidência. Poucas pessoas vivem do tráfico, mas essas poucas empregam muita gente”, afirma o magistrado. Para ele, a única solução é que o estado começa a debater de uma vez por todas um Plano Estadual de Execução Penal. “As ideias se perdem quando sai um governo e entra outro. A contribuição da Assembleia Legislativa seria trabalhar para criação desse Plano”.

Brzuska e Bortolotto falaram ainda sobre a situação de presídios menores, que estão em cidades pequenas, e que ainda conseguem manter suas atividades conforme o que está a Lei de Execuções Penais (LEP). Brzuska citou estabelecimentos de cidades pequenas, como Espumoso e Lavras do Sul, para usar como exemplo de unidades que estariam mais próximas de cumprir sua função. “Talvez não recuperem [apenados], mas não pioram ao menos”, diz. “Presídios médios, na minha avaliação, não protegem mais a sociedade do crime, porque as pessoas cometem crime de dentro delas”. Sobre os presídios grandes, localizados na capital e seu entorno, o juiz afirma que, além de não protegerem mais a sociedade, ainda viraram local de faturamento, de comando do tráfico, lugar de onde saem ordens para matar. Um movimento que ele afirma já estar indo para o interior.

A Penitenciária de Venâncio Aires, por exemplo, é um local onde isso já pode ser observado. Segundo os especialistas na mesa na Assembleia, facções já estariam de olho na unidade, no comércio e no tráfico que se formou nas cidades próximas a ela graças a instalação da unidade prisional.

Na comparação entre presídios do estado, enquanto os presos de Porto Alegre e região metropolitana – que correspondem a 40% da massa carcerária do Rio Grande do Sul – respondem em sua maioria por tráfico e roubo; em presídios de cidades pequenas, como Nonoai, Iraí e Ijuí, a maioria dos presos cumpre pena por homicídio.

O deputado estadual Frederico Antunes (PP), da base de Sartori, notou que os projetos apresentados pelo Plano Nacional de Segurança de Temer não atende as necessidades da população e ainda vai na contramão. Para o procurador Bortolotto, o debate e qualquer caminho que indique para o começo de uma solução precisa derrubar a “cultura velha” e entrar em temas ainda tabu para a sociedade como a descriminalização das drogas, o tratamento de usuários e quais são os presos que interessa que se mantenha nos presídios. No ponto atual, os juízes já terão que escolher.

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