Cada dia sua agonia: Projeto 122
Datado de 2001, projeto de lei que pune crimes por discriminação ou preconceito ainda desperta debates acalorados. Por que?
Desde que foi apresentado na Câmara dos Deputados pela então deputada Iara Bernardi, em 2001, o projeto que trata da punição de crimes resultantes de discriminação ou preconceito passou a despertar debates inflamados. Aprovado na Câmara em 2006, o projeto chegou ao Senado e foi identificado como Projeto de Lei da Câmara (PLC) 122. A partir daí, tornou-se um das mais emblemáticas matérias em tramitação nessa Casa.
O PLC 122 era relatado, à época, pela então senadora Fátima Cleide. Com a mudança de Legislatura, foi arquivado na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). Em fevereiro, assim que assumi meu mandato no Senado, apresentei como minha primeira iniciativa parlamentar um requerimento pelo seu desarquivamento, tendo o apoio de mais de vinte sete outros senadores e senadoras.
Designada relatora na CDH, em maio deste ano coloquei-o em votação. Diante das circunstancias desfavoráveis, optei por ampliar o leque de discussões em busca de um entendimento com outros setores sociais e religiosos, sem os quais dificilmente conseguiria sua aprovação. O texto a que chegamos pode não ser o ideal, mas foi o possível de forma a permitir e possibilitar a sua aprovação.
Novo texto
Mantivemos intacto o princípio norteador da proposta original apresentada há dez anos, que é a criminalização da homofobia. No substitutivo, incluí as condutas de maior desvalor, ou seja, os atos de discriminação mais repudiados pela sociedade como um todo, sob uma perspectiva republicana e democrática, independentemente da ideologia de cada indivíduo.
Restou expressamente penalizada qualquer conduta que possa induzir a prática de qualquer ato de violência contra as pessoas em razão de sexo, orientação sexual e identidade de gênero. Também criminalizamos possíveis discriminações contra as minorias sexuais no âmbito das relações de consumo, de trabalho e nas relações com os serviços públicos.
Alteramos o Código Penal para explicitar que os crimes cometidos em função do sexo, da identidade de gênero ou orientação sexual da vítima sejam incluídos no rol das agravantes genéricas. Aumentamos a pena para os crimes de violência contra menores, para o de formação de quadrilha ou bando, para os crimes de lesão corporal, para os crimes de injúria e para o crime de incitação da violência quando praticados em função das condições já descritas. Entretanto, julguei necessário que os tipos penais fossem objeto de uma lei específica, ficando preservada a Lei nº 7.716/1989 (Lei do racismo), por conta das peculiaridades que envolvem a discriminação de gênero, orientação sexual ou identidade de gênero.
Sempre considerei que o texto de autoria da deputada Iara Bernardi, que foi aprovado na Câmara em 2006, é indubitavelmente muito mais abrangente e corresponde o entendimento construído naquele tempo, mas que não encontrou a mesma ressonância no Senado Federal. Há cinco anos que o PLC122 tramita nesta Casa.
Há ainda um ponto delicado da matéria: Embora desnecessário em função do princípio da supremacia da norma constitucional, explicitei o disposto contido no substitutivo não se aplicava à manifestação pacífica de pensamento decorrente da fé e da moral fundada na liberdade de consciência, de crença e de religião de que trata o inciso VI do art. 5º da Constituição Federal, pois se inserem no âmbito do direito à liberdade religiosa. Nem assim arrefeceu os ânimos dos senadores contrários à matéria.
Reexame
Na última quinta-feira (8/12), o novo texto foi novamente colocado em pauta na CDH. Foi um enfrentamento importante com as forças conservadoras. Achei por bem pedir o reexame da matéria em vista de avaliar empate nos votos ali presentes e com possibilidade de surpresa. Preferi não colocar em risco o projeto 122 e continuar as conversações para tomar uma decisão. Decisão essa que poderia ser: (1) colocar o original para votação com todos os riscos ou (2) fazer um novo texto, aproveitando o projeto que quase foi votado na última semana e teve como objeção mais o número simbólico: 122.
Como destacou o advogado Luis Roberto Barroso em sua defesa da união estável homoafetiva durante o julgamento no Superior Tribunal Federal (STF), “a história da civilização é a história da superação dos preconceitos. E a cada momento histórico as pessoas tem de escolher de que lado vão ficar da história”.
A dificuldade para aprovar o 122 no Senado é a mesma de sempre: grupos religiosos que fazem da homofobia sua plataforma eleitoral, pessoas que confundem o combate aos atos de violência contra homossexuais com o apoio à união estável ou ao casamento e senadores nada interessados em se expor por um assunto cada vez mais radicalizado e mal compreendido por uma parte do eleitorado.
A consequência desse apequenamento e conservadorismo dos parlamentares tem sido o aumento de crimes homofóbicos no Brasil e a judicialização de uma responsabilidade que é do Congresso. Durante o debate na CDH, demos um passo à frente em uma batalha que ainda será longa. Desta vez, a discussão foi mais respeitosa de ambos os lados, com mais senadores presentes. Notei uma mudança no discurso antagonista: está ficando cada vez mais difícil ter argumentos contra um projeto que criminalize a homofobia.
Com isso em mente e muitas conversas com todos os senadores para ampliar a compreensão –além dos presentes na CDH-, espero conseguir a aprovação do projeto. A reunião da última semana trouxe pontos importantes à discussão. E também muitos erros. Há mais de 20 anos a homossexualidade já não é mais considerada doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS), não podemos mais admitir comparações desse tipo. Também é inadmissível relacionar pedofilia e homossexualidade. Pedofilia é uma perversão e crime.
É importante destacarmos a evolução no debate que tivemos de maio, quando tentamos colocar o projeto em votação pela primeira vez, até aqui. Os discursos mudaram e isso é resultado de uma maior tolerância ou da percepção do agravamento da situação de violência. É o grito da rua que provoca o Congresso a se posicionar.
Sabemos que a simples questão legal não é suficiente para acabar com a violência homofóbica no Brasil, mas certamente é um instrumento que auxiliará a comunidade LGBT na luta por direitos à plena cidadania. É como diz a frase de Amyr Klink: “na vida, o maior naufrágio é não partir“.
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