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Empresas de ônibus devem R$ 600 milhões e podem ficar fora de licitação

Reportagem especial, assinada pelo jornalista Delano Mendes, revela rombo superior ao valor do famigerado Proinveste e mostra que as empresas de transporte público de Aracaju sonegam "na cara de pau" e usam supostas dívidas para pedir aumento da tarifa; Setransp culpa excessiva carga tributária e encargos pela situação; SMTT não fiscaliza empresas, que operam sem certidão negativa; diante das dívidas das empresas locais com a União, nenhuma das que já atuam na Grande Aracaju poderá participar da licitação, pois nunca conseguirão certidão negativa para licitação

Empresas de ônibus devem R$ 600 milhões e podem ficar fora de licitação
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Delano Mendes, especial para o Sergipe 247 - "Devo, não nego, pago quando puder", parece ser o lema das empresas de ônibus que atuam em Sergipe. Juntas, todas elas, um emaranhado de quase dez companhias, devem cerca de R$ 600 milhões em impostos não pagos à União.

Esse montante é um pouco maior do que a quantia que o Governo do Estado quer receber de empréstimo da mesma União, através do Proinveste, que destinará cerca de R$ 567 milhões aos cofres estaduais.

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Mais que isso, com os R$ 600 milhões em dívidas, seria possível comprar por volta de 3 mil ônibus novos e quase 250 milhões de passagens de coletivo em Aracaju, já com o novo valor proposto de R$2,43.

O pior é que o rombo das empresas com a União não é algo novo. Essas dívidas se avolumam há pelo menos 20 anos, o que leva a crer que o verdadeiro lema dos empresários do setor de transporte é outro: "Devo, não nego, mas não pago nunca".

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Os donos das empresas de ônibus se valem de brechas na lei e de esquemas intricados de abertura de novas empresas para tentar empurrar a dívida e não pagarem os impostos nunca. Isso faz com que o ramo do transporte de passageiros seja uma verdadeira máquina de sonegar.

"Os empresários devem e aproveitam quando surge uma nova lei que permite o parcelamento da dívida. As empresas renegociam o débito com uma nova série de benefícios. Eles retomam o pagamento, mas o abandonam logo e voltam a dever. Já existe uma diretriz, que defendemos, de não se conceder mais pareceres favoráveis ao parcelamento. Isso gera uma eternização da dívida", explica Daniel de Sabóia Xavier, procurador-chefe da Fazenda em Sergipe.

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De acordo com o procurador-chefe, o valor da dívida é relativo a diversos tributos federais não pagos, como Confis, PIS e Imposto de Renda. Há ainda contribuições previdenciárias que teriam sido descontadas no contracheque dos trabalhadores e não foram repassadas ao INSS, o que configura o crime de apropriação indébita previdenciária - a Polícia Federal já iniciou diversos procedimentos para apurar esses casos.

Simulação

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O esquema de sonegação das empresas de ônibus é ainda mais elaborado porque, apesar de não pagarem os tributos, elas usam as supostas dívidas fiscais como justificativa para se mostrarem em má situação financeira e, com isso, conseguir, por exemplo, até influenciar o preço da tarifa de ônibus na capital.

Os impostos pagos pelas empresas são usados na tabela de custos, que apresentada à Prefeitura, serve de parâmetro para que seja concedido o aumento da passagem. Ou seja, as empresas simulam uma despesa para obter lucro fácil com o preço da tarifa.

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"Dentro dessa lógica, é simplesmente inadmissível que essas empresas deem prejuízo por tanto tempo e ainda estejam em funcionamento. Essa de que eles estão em dificuldade financeira não procede. Prova são gastos que as empresas fazem com compras de imóveis", afirma o procurador-chefe Daniel de Sabóia Xavier.

Para provar que as empresas, têm, sim, lucro, a Procuradoria da Fazenda apresenta documentos que mostram que elas têm adquirido bens não relacionados diretamente com a atividade fim de transporte de passageiros. Se elas dão prejuízo, como é que conseguem comprar terrenos milionários?

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A empresa Viação São Pedro, que, segundo, a Procuradoria da Fazenda em Sergipe, deve sozinha à União cerca de R$ 150 milhões, comprou uma fazenda de 1.242 hectares na cidade baiana de Barra do Mendes no valor de R$ 310,5 mil em 2008. Já a Viação Cidade de Aracaju - VCA - adquiriu, em 2009, uma fazenda de 2 mil hectares, na mesma cidade baiana, por R$ 1,3 milhão.

"Quando vejo um ônibus coletivo, penso que eles são como grandes máquinas caça-níqueis. Os donos das empresas os usam como uma forma de sonegar e enriquecer sem nenhum constrangimento", diz o procurador-chefe Daniel Xavier.

Conivência

Conseguir que as empresas paguem o que devem é a tarefa mais difícil. Nesse caso, elas contam com a burocracia do Judiciário para, praticamente, não serem penalizadas nunca.

As empresas prestam um serviço essencial à sociedade, por essa, razão, muitas vezes, a penhora dos ônibus, necessária para garantir o pagamento dos impostos devidos, não é concedida pelo Judiciário, que acha que, se assim proceder, estaria prejudicando a população, que ficaria sem transporte.

Mas o mais grave, segundo a Procuradoria, é certa conivência dos órgãos públicos que deveriam fiscalizar as empresas de ônibus. No caso do transporte urbano em Aracaju, isso compete à Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito - SMTT.

"A SMTT permite a atuação das empresas através de um contrato precário. Ela é o órgão que tem capacidade técnico-financeira para fiscalizar as empresas e não conceder a concessão àquelas que devem à União, mas a fiscalização nunca foi feita. As empresas operam e a Prefeitura mantém o contrato sem certidão negativa", denuncia o procurador-chefe Daniel Xavier.

A Lei 8.212/91 é clara quando em seu artigo 47 exige a Certidão Negativa de Débito - CND - para empresas que mantenham contrato com o poder público. Já o artigo 48 também não deixa dúvidas: contratar empresas sem certidões para prestar um serviço público "acarretará a responsabilidade solidária dos contratantes e do oficial que lavrar ou registrar o instrumento, sendo o ato nulo para todos os efeitos". Esse entendimento também já foi defendido pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ.

Ou seja, a Prefeitura pode ser responsabilizada por nunca ter se preocupado em fazer cumprir o que manda a lei. "A irregularidade fiscal perante a União permite a responsabilização solidária da Prefeitura. E vale deixar claro que a exigência da certidão não é apenas durante a contratação da empresa, mas sim enquanto o serviço estiver sendo prestado", afirma o procurador Daniel Xavier.

Fora da licitação

A tão falada licitação para o transporte público em Aracaju tem sido defendida como uma solução para dar mais transparência à concessão e permitir um transporte com mais qualidade à população.

No entanto, diante das dívidas das empresas locais com a União, nenhuma das que já atuam na Grande Aracaju poderá participar da licitação, pois nunca conseguirão certidão negativa para disputar o certame.

O superintendente da SMTT, Nelson Felipe da Silva Filho, ameniza a situação e diz que a licitação é feita em nível nacional, ou seja, qualquer outra empresa do País poderá vir explorar o transporte público em Sergipe. "Se as daqui não puderem, as de fora poderão", diz.

Fiscalização

A SMTT afirma que está ciente da situação do rombo de R$ 600 milhões que as empresas de ônibus têm com a União e já participou de reuniões com a Procuradoria da Fazenda para fornecer dados, mas descartou que já haja uma ação judicial responsabilizando o Município pela falta de fiscalização.

Segundo Nelson Felipe, embora a SMTT seja o órgão competente para fazer a fiscalização, o superintendente diz que não tem como garantir a prestação do serviço e ao mesmo tempo exigir que as empresas paguem o que devem.

"Quem tem que cobrar é a Receita, a gente fica fora disso, não temos como forçar as empresas a pagar. Uma investigação da Procuradoria da Fazenda gerou essa possibilidade. Essa dívida é impagável, levando em conta também que a SMTT ainda acumula outras dívidas, não temos como arcar com uma responsabilização por falta de fiscalização da concessão. Estamos conversando com a Procuradoria, procurando resolver isso da melhor forma possível", diz Nelson Felipe.

"Dever não é crime"

O Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Município de Aracaju - Setransp - tomou com surpresa o fato de as empresas deveram cerca de R$ 600 milhões à União e procurou defendê-las.

Segundo Adierson Monteiro, presidente do Sindicato, as empresas devem por causa de uma "demagogia política" na fixação do preço da passagem. Ele diz que as empresas têm custos elevados e uma pesada carga tributária, o que justificaria as dificuldades financeiras.

"Dever não é crime, se as empresas devem é porque não possuem condições de pagar. Até o sistema financeiro, que possui a maior rentabilidade, deve ao Governo Federal. A carga tributária do Brasil é uma das maiores do planeta, e às vezes temos que escolher pagar os tributos ou salários. Em Aracaju estamos dois anos sem reajuste de tarifa, e não existe bom pagador sem tarifa, não podemos fazer mágica. Em dois anos acumulamos dois aumentos salariais e três aumentos de óleo diesel", diz Adierson, deixando de lembrar-se de que, se dever não é crime, sonegar o é.

Tarifa nova

Os representantes do Movimento Não-Pago, grupo de cidadãos que se mobilizou para protestar e lutar contra o aumento da tarifa de ônibus, discorda do que os empresários do setor de transporte alegam quanto aos custos e preço congelado das passagens.

"Desde a década de 1980 que são as mesmas empresas que atuam em Aracaju e elas atuam sempre da mesma forma, devem em impostos, não depositam o FGTS dos funcionários e nada acontece com elas. Fora isso, a tabela que eles usam para justificar os custos é totalmente inflacionada e não condiz com a realidade", diz Demétrio Varjão, integrante do Movimento.

Os vereadores de Aracaju devem votar nesta terça-feira, dia 7, o aumento da passagem para os R$2,43 propostos pelo Executivo Municipal.

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