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Juristas lançam livro de crítica sentença de Moro contra Lula

Depois de capitais como Rio de Janeiro e São Paulo, foi a vez de Porto Alegre debater o lançamento do livro Comentários de uma sentença anunciada: o processo Lula; a obra organizada pela advogada, professora da UFRJ e integrante da Frente Brasil de Juristas pela Democracia, Carol Proner, é resultado do trabalho de 122 juristas que analisaram em tempo recorde a sentença de Sérgio Moro condenando o ex-presidente Lula a nove anos e seis meses de prisão; "As ilações, a convicção e o convencimento do juiz valem mais do que as provas", disse ela

Depois de capitais como Rio de Janeiro e São Paulo, foi a vez de Porto Alegre debater o lançamento do livro Comentários de uma sentença anunciada: o processo Lula; a obra organizada pela advogada, professora da UFRJ e integrante da Frente Brasil de Juristas pela Democracia, Carol Proner, é resultado do trabalho de 122 juristas que analisaram em tempo recorde a sentença de Sérgio Moro condenando o ex-presidente Lula a nove anos e seis meses de prisão; "As ilações, a convicção e o convencimento do juiz valem mais do que as provas", disse ela (Foto: Leonardo Lucena)
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Fernanda Canofre, Sul 21 - Depois de capitais como Rio de Janeiro e São Paulo, nesta quinta-feira (31), foi a vez de Porto Alegre debater o lançamento do livro Comentários de uma sentença anunciada: o processo Lula. A obra organizada pela advogada, professora da UFRJ e integrante da Frente Brasil de Juristas pela Democracia, Carol Proner, é resultado do trabalho de 122 juristas que analisaram em tempo recorde a sentença de Sérgio Moro condenando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a nove anos e seis meses de prisão.

O evento em Porto Alegre contou com alguns dos autores no debate como o professor da Unisinos e um dos principais juristas do país, Lênio Streck, o ex-governador Tarso Genro (PT) e a professora da PUCRS, Fernanda Martins. Já na plateia, além do também ex-governador, Olívio Dutra (PT), boa parte dos deputados do PT federal e estadual marcaram presença.

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O projeto surgiu logo após a publicação da sentença e virou uma corrida contra o tempo para ter sua publicação no mês em que o impeachment de Dilma Rousseff (PT) completou um ano. São mais de cem artigos que dissecam argumentos e afirmações apresentados por Sérgio Moro.

“Uma situação evidente, que é trabalhada por todos os artigos, em diferentes aspectos. Está claríssima a situação de parcialidade do juiz Sérgio Moro, um juiz que trabalha a partir de uma posição de juiz super-herói, espetacularização, com um direito penal co-autor, não direito penal do fato, que busca prova do cometimento. Troca-se a ideia de prova, pela ideia de livre convencimento”, diz Carol Proner explicando que o livro é também uma análise sobre as garantias conquistadas depois da Constituição de 1988.

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O Sul21 acompanhou o debate e destaca aqui o que, segundo alguns dos juristas que assinam artigos no livro, a sentença de Moro tem de errado:

Carol Proner

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Como é um caso paradigmático, estava todo mundo esperando o que traria a sentença. No campo jurídico, é uma sentença efetivamente anunciada. O que é gravíssimo no Direito. Você acreditar que a sentença já era esperada e seria condenatória, em qualquer situação, é algo duvidoso. O que não imaginávamos era quais os argumentos ou elementos de enlace que o magistrado curitibano usaria para justificar a condenação sem provas.

Uma vez que não há provas, sequer há fatos que poderiam produzir uma conduta delitiva, porque nem isso ele conseguiu comprovar. As ilações, a convicção e o convencimento do juiz valem mais do que as provas. É um precedente e, se o Tribunal confirmar essa sentença, imagina que mensagem o Judiciário vai estar dando para toda a forma de julgar. A motivação do juiz obedece o critério da convicção, um critério evidentemente conectado ao réu e à pessoa do réu, ao partido político ao qual ele pertence, às suas concepções de Estado. O juiz chega a criticar que o réu é “um réu que se defende na Justiça”. Como assim? Um réu tem direito a se defender, o direito de defesa é inalienável, sagrado, em qualquer código jurídico do mundo.

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[Entre os erros e exageros da sentença, podemos citar] a ideia de assumir um direito e um processo penal expandido, tendo em vista a ideia abstrata e genérica de corrupção sistêmica. Nas primeiras páginas da sentença, corrupção sistêmica aparece com um valor expressivo de prejuízo a uma empresa estatal – a Petrobras – tentando sensibilizar, como um problema grave da população brasileira. É uma forma de utilização de uma comoção nacional, com algo que é comum a todos nós, que é o repúdio à corrupção. Há um sentimento verdadeiro de repúdio à corrupção, atribuindo uma culpabilidade que não é comprovada depois. Isso é muito grave.

Há ainda o uso de estrangeirismos, como a citação da Operação Mãos Limpas, na Itália, como se pudesse fazer analogia com o caso brasileiro. Tanto o Mãos Limpas tem que ser analisado no contexto histórico e com os problemas que teve, vários dos membros trazem isso à tona hoje em dia, como não se pode aplicar a situação de estrangeirismo, de casos de lá, com o que acontece no Brasil.

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Outro estrangeirismo é a teoria do domínio do fato, que já foi usada no mensalão e que, agora, vem de novo ampliado. A ideia de que não existe propina sem transferência de dinheiro, mas como não se comprova o crime, nem da propriedade, nem do recebimento da propina ou desses valores da empresa, o crime não está provado. A ideia da proteção à sociedade, se opondo à ideia da proteção ao réu ou do estado de inocência, princípio máximo a ser garantido, para evitar a condenação de um inocente. Nesse caso, a condenação do presidente Lula tem implicações sociais, coletivas, de expectativas de todos os brasileiros, ainda tem a questão da disputa das eleições. A nossa preocupação nada tem a ver com a pessoa específica do réu. Eu posso gostar ou não gostar da pessoa do réu. Esse precedente de arbitrariedade, da pessoa de um juiz, que utiliza a própria vontade que pode estar premiada de sentimentos subjetivos, para criar o critério de atribuição de prova e de conhecimento, se isso vira regra, nós temos uma exceção que vira regra. Temos um juízo de exceção que abre precedente para um Judiciário de exceção e, portanto, para um estado de exceção.

Tarso Genro

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A presunção da culpabilidade, organizada pela mídia oligopólica, passa a ser um tribunal fora dos órgãos jurisdicionais dependentes do Estado. Primeiro se julga publicamente, através de vazamentos, de notícias manipuladas, depois vai se inoculando no poder Judiciário o dever de condenação. Porque a condenação já está feita lá fora, na sociedade. Por isso que o Moro diz, uma certa voz de exceção é necessária. Ele sabia o que estava fazendo. Ele estava integrado numa reforma real do Estado. Uma reforma concreta do Estado, transformando o estado democrático constitucional, num estado autoritário, sem revogar a Constituição. Sem que as Forças Armadas derrubassem o Parlamento. Como ocorreu no AI-5, muitos de nós com a cabeça um pouco branca, lembramos desses fatos como se fossem hoje. Não é estranho o que aconteceu no país. Eu sempre lembro, em momentos de debate como esses aqui, uma frase completa e integral, radical, do [Benito] Mussolini, a respeito dessas situações. Quando ele faz a marcha sobre Roma e os camisas negras ocupam a cidade, entram nos sindicatos, devassam, prendem intelectuais, caçam Gramsci e começam o expurgo físico das instituições, Mussolini dá um declaração que é absolutamente certeira: a ação enterrou a filosofia. Ou seja, o movimento real da política, da ação organizada, enterra a filosofia, a norma, a política. É isso que estão fazendo hoje no Brasil.

O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, que tinha acompanhado todo esse movimento, quando vê que passa a atingir determinados setores, das classes dominantes, ele começa a falar de novo na Constituição. A Constituição se transforma em uma barreira, conveniência de poder, não em uma norma para o convívio social, o diálogo social.

É um situação que é muito séria. O fascismo societal está presente nas redes e vai passar a estar presente nas ruas. Não se surpreendam se tivermos uma nova vaga de violência de rua, onde as organizações, os padrões fascistas da classe média de ontem, comecem a atacar as instituições democráticas, das organizações sociais, magistrados e juízes que não aceitam essa farsa que está aí. A situação é uma situação difícil. Mas quando alguém diz que uma voz de exceção é necessária, ele já está dizendo que a ação enterrou a filosofia.

José Carlos Moreira

Estamos vivendo a identificação de uma exceção na democracia. Walter Benjamin, em uma de suas teses já dizia: para quem vive na exceção, ela é a regra. Essa realidade, infelizmente, existe no Brasil há muito tempo e não foi até hoje devidamente confrontada. O processo de redemocratização que nós fizemos, não minou com pautas e questões que hoje estão batendo na nossa cara. Os governos que estiveram nos últimos anos à frente do nosso país, também não colocaram como prioridade essa questão. Na necessidade de termos uma política de segurança pública, na necessidade de fugirmos com todas as nossas forças dos discursos criminalizastes, punitivistas. O punitivismo de esquerda também não é algo que a gente possa admirar.

Ele leva a um crescente, porque a exceção é como um vírus, que vai crescendo, vai crescendo, quando a gente se dá conta, está comendo as coisas à nossa volta. Hoje, o reconhecimento do estado de exceção que está sendo adotado, ultrapassou os espaços de invisibilidade da sociedade. Ele está presente em decisões judiciais que tem uma importância nacional e internacional. Não foi só a palestra do juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, que disse que às vezes, uma dose de exceção é necessária.

Quando foi apresentado ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região representação disciplinar que questionava a atitude desse juiz, de ter feito gravação ilegal de uma conversa entre a presidenta da República em exercício e o ex-presidente Lula, de ter enviado essa conversa, não para o Supremo Tribunal Federal (STF), para que ele visse se era caso de fazer uma investigação, mas monocraticamente, com o poder de submeter o Direito, como quiser, enviou essas gravações para a execração pública, em pleno Jornal Nacional. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, então, concedeu esse ato de exceção e não apenas este, mas também o de enviar à execração pública, conversas particulares da Sra. Marisa Letícia com seu filho. Conversas que não tinham nada a ver com a questão que se discutia.

Assim como tantas outras, como gravar escritórios de advocacia, que é aquilo que o Lênio falava da criminalização dos que defendem as garantias que estão na Constituição. Nessa sentença, o juiz Sérgio Moro passa 70 páginas só justificando porque ele é imparcial. Não precisa ser um especialista em Direito ou Psicologia para entender o que significa isso. Ele diz que não viu que eram escritórios de advocacia, embora tenha recebido dois ofícios da telefônica. Qual a justificativa que ele deu? Estou com muito trabalho, tanta coisa pra fazer. Outra justificativa, que ele dá quanto à condução coercitiva do ex-presidente Lula, diz que existiam outras gravações não divulgadas na época, que davam conta que a militância iria à residência do ex-presidente Lula, porque souberam da busca e apreensão que se faria na sua casa. Então, isso foi pensando na segurança dos policiais federais que poderiam ser atacados. Na época, ele disse que a coercitiva era para proteger o ex-presidente Lula. Agora ele diz que é para proteger a Polícia Federal.

A representação foi levada ao Tribunal da 4ª Região e a resposta foram três votos a um. Ele diz citando um grande filósofo, que trabalho o conceito do estado de exceção, que a exceção significava a suspensão da regra do Direito. A interpretação do autor era de que isso era uma coisa boa. Ou seja, ele confundiu exceção com regra especial. A exceção como algo que foge à regra é normal no campo do direito. Em casos especiais excepcionais isso está amparado dentro da legislação, pelo estado de direito. Fugir da regra para impor uma exceção fora de toda a regra existente é barbarie.

Lênio Streck

Estamos em uma situação gravíssima, que é o estado de exceção. Uma tempestade perfeita, aos poucos, porque estas coisas foram acontecendo e nós exageramos. Primeiro, judicializamos a política, depois, estamos politizando a justiça. A tempestade perfeita e depois se fazem manifestos a partir das instituições, como se defensores de réus fossem confundidos com o que os réus fazem. Você demoniza a política e criminaliza o Direito. Isso é muito grave. Esse processo é uma crônica de sentença anunciada. Eu chamo o réu de Luiz Inácio Santiago da Silva, por causa do personagem do romance do Gabriel García Márquez (Crônica de uma morte anunciada), onde todos sabiam o que ia acontecer e ninguém fez nada.

Todos nós sabíamos o que ia acontecer e aconteceu. Foram postos aí 2.500 anos de filosofia de lado, 200 ou 300 anos de teoria da prova, isso está se tornando algo exótico. O Ministério Público se comporta hoje como parte, fazendo um agir estratégico, em que pese as alegações finais, com teorias absolutamente exóticas. Se elas fossem analisadas pelo Conselho Nacional do Ministério Público, seriam anuladas. Tanto é que uma das teorias utilizadas foi utilizada como prova e essa prova foi anulada. Isso são questões que foram se acumulando.

Fomos ingênuos em várias coisas, uma delas foi acreditar que os juízes possam ter um convencimento. Demorei anos para convencer uns amigos meus que não poderia ser assim, que na democracia, você não pode depender das pessoas, de uma pessoa, você tem que depender do Direito. Hoje, chegamos ao ponto em que defender a estrita legalidade é um ato revolucionário. Primeiro, porque nosso Direito está sendo substituído por opiniões pessoais. Em todo o Brasil, a moral enfrentou o direito e já não sobra mais direito.

O ex-presidente Lula teria muito mais chance de ser julgado pela tribo Azembe, da África do Sul. Eles têm uma técnica muito interessante para julgar os réus, eles têm um sistema fantástico. Eles preparam um ritual, do qual o juiz não participa, nem sabe como se prepara o veneno. Eles criam uns pintinhos, vem o réu, preparam a  acusação. Eles dão veneno para o pintinho, se o pintinho morre, o réu está ferrado. Se o pintinho vive, o réu está solto. Ou seja, tem sempre 50% de chance do réu escapar. Aqui, nesse caso, como se sabe, parece que não tinha nenhuma possibilidade de escapar.

O grande problema aqui, se trouxéssemos a tese da tribo dos Azembe, seria que sempre haveria alguém mexendo antes no veneno. Portanto, a chance do réu aqui, nem 50%. O grande problema do Brasil é que, na esquerda, os setores progressistas nunca se preocuparam tanto com o Direito, porque tinham uma visão mecanicista, marxista do que o Direito é. Como diria Thompson, o Direito importa e por isso que nos importamos com tudo isso. Na hora em que soga pega no pescoço, se vê que alguém assinou o ato para o outro ter uma soga no pescoço. A gente se dá conta do quanto o Direito é importante.

Nós temos, hoje, quase um milhão de encarcerados, considerando aqueles que usam tornozeleiras. Todos os dias, nós invertemos o ônus da prova contra o Código do Processo Civil e ninguém fala para essa gente. Que nos sirva de lição, aqueles que todos os dias enchem os cárceres, que são condenados, às vezes, sem prova ou invertendo o ônus da prova. Isso também tem que fazer parte das lutas de todos que estão pensando num estado democrático de direito.

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