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Padilha: “Pra essa suruba, não tem camisinha!”

Ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha diz que o senador Romero Jucá (PMDB-RR) "escancarou parte do sentimento no interior do bloco que construiu o golpe: ‘Se é suruba, todo mundo tem que participar'”; segundo Padilha, o Brasil “passa por uma grave crise econômica, política, social e institucional para que uma reunião de atores tão consistente como uma ‘suruba’ seja capaz de conduzi-lo”. O ex-ministro dos governos Lula e Dilma acredita que a reconstrução do país só ocorrerá com um processo de debate que passe pelo voto popular e não escapa de Lula, “que deixa de ser visto como o ex-presidente e volta a ser visto como aposta de futuro”

Ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha diz que o senador Romero Jucá (PMDB-RR) "escancarou parte do sentimento no interior do bloco que construiu o golpe: ‘Se é suruba, todo mundo tem que participar'”; segundo Padilha, o Brasil “passa por uma grave crise econômica, política, social e institucional para que uma reunião de atores tão consistente como uma ‘suruba’ seja capaz de conduzi-lo”. O ex-ministro dos governos Lula e Dilma acredita que a reconstrução do país só ocorrerá com um processo de debate que passe pelo voto popular e não escapa de Lula, “que deixa de ser visto como o ex-presidente e volta a ser visto como aposta de futuro” (Foto: Aquiles Lins)
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Por Alexandre Padilha, na Revista Fórum - Uma vez, quando ministro da Coordenação Política do governo Lula, recebi uma ligação do então presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer. Ao contrário do seu tom pausado habitual, ao qual eu já me acostumara, começou tão esbaforido e rápido que nem pude dizer "alô".

Do outro lado da linha ele já dizia: "Padilha, aquilo sobre o qual conversamos esta semana..." Pela minha responsabilidade como ministro, me reunia no mínimo uma vez por semana com os presidentes das duas casas, então não estranhara. "Não vai dar Padilha, não podemos fazer desse jeito, talvez uma maneira seja...", continuava. Quando o papo parecia que iria descambar para um terreno digamos, não institucional, ao qual eu me restringia nas relações com os parlamentares, resolvi interrompê-lo. "Presidente, acho que o senhor está falando com o Padilha errado." Do outro lado, aquele susto: "Meu Deus, estou falando com o Padilha do Lula. Ministro Padilha, desculpe-me".

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Eliseu Padilha nunca fez parte e nem foi aceito na base do governo Lula, comportando-se sempre como opositor. Seria uma tremenda quebra de ritual, algo mortal para um ministro das Relações Institucionais, não alertar um então presidente de uma das casas do legislativo de que falava com a pessoa errada. Refeito do susto, o tom pausado e formal retornou: "Devo ter pedido para a minha secretária ligar para o Padilha, o meu, e ela já ligou direto para você. Desculpe-me. Tomarei o devido cuidado. Mas de resto, como vão as coisas?". E aproveitamos para tratar de temas de votação da Câmara.

Muitos anos depois, com o governo Temer montado, conversando com um ex-ministro dos governos pré-Lula, profundo conhecedor das entranhas do PMDB, ouvi: "Mas Padilha, um governo que tem Geddel, Moreira e Eliseu dentro do Palácio, é inédito na República". Pelos sinais da sua composição, entende-se uma figura como Fábio Ramalho, alçado à vice-presidência da Câmara, dizer pelo telefone e fazer questão de divulgar para a imprensa: "Estou saindo do seu governo". Ele há anos é conhecido na Câmara como o "Fabinho liderança", embora nunca tivesse liderado um partido de peso. Sua capacidade sempre se restringiu a realizar almoços e jantares semanais, regados a boa cozinha mineira, onde todos os parlamentares se sentem a vontade para ir e falar o que estão pensando em fazer.

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Governo e lideranças, que não queiram ser surpreendidos, sempre estão presentes para ouvir e ter o mapa real de uma Câmara que ano a ano se desintegra. Não à toa, enfim, Jucá escancarou parte do sentimento no interior do bloco que construiu o golpe: "Se é suruba, todo mundo tem que participar".

Quem entrou no quarto do golpe sente-se liberado das "amarras" presentes durante os governos Lula e Dilma: não há ritual político de construção de coalizão e seus projetos nos conselhos políticos da coalizão, não há Controladoria Geral da União (CGU) e Policia Federal autônomas e atuantes, não há uma imprensa livre, crítica, nunca censurada, mesmo com um lado claro antigoverno, etc.

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Parte do grupo é aquele que hoje não entra no quarto, talvez já tenha entrado um dia, mas deixou disso ou talvez nunca se quer tenha tido pretensão de entrar, mas é quem aluga o quarto, garante a divulgação, a maior parte dos insumos e tem absoluta certeza de que investe porque já ganha e vai ganhar muito dinheiro com tudo isso. É a turma que administra o mercado, cria os produtos, estabelece os meios de divulgação, reúne e financia intelectuais para justificar tudo o que está sendo feito e mantém o taxímetro ligado, cobrando sempre os prazos para o retorno. Liderado pelo setor financeiro global, até porque ele perdeu qualquer base nacional, e seus ideólogos, no curto prazo tem aquela capacidade única de ganhar muito, seja no período de recessão ou de recuperação econômica, seja ela lenta ou não.

No curto prazo, ganham muito ao venderem uma possibilidade em recolocar o Brasil na condição de país que aceitará acriticamente a agenda dos mercados financeiros globais. No médio prazo, sonham e vendem a expectativa de ganharem muito com novos mercados potenciais que se abrem. Em dois segmentos econômicos que acompanhei muito de perto quando ministro de Lula e Dilma, tais movimentos são escancarados. O primeiro da energia, petróleo e gás, que acompanhei ao coordenar o processo político de aprovação do marco regulatório do pré-sal, quando ministro da Coordenação Política de Lula.

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O Brasil, seguramente, reúne o maior potencial de energéticos em região livre de conflito bélico, quando se soma ao pré-sal o etanol/biodiesel e seu sistema hídrico. Aqui, é mais do que evidente o violento estupro ao potencial nacional de consolidar um setor de engenharia, planejamento e prospecção, de inovação tecnológica, de ocupação de mercados e território externo, de mecanismos de financiamento para o seu desenvolvimento, de controle e planejamento do uso da reserva mineral e de retorno financeiro a um projeto de saúde e educação públicas de qualidade.

O segundo na saúde, onde o Brasil resiste como o único país com mais de 100 milhões de habitantes que busca garantir saúde pública universal gratuita. A PEC que congela investimentos em 20 anos inviabiliza o projeto de um SUS de qualidade e o esforço de fim de controle sobre o mercado privado de planos de saúde buscam desmontar qualquer amarra e abrir esta plataforma para interesses privados variados. Este setor lidera economicamente e ideologicamente quem detém o capital.

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A outra parte do grupo são os donos do aparato jurídico-policial, cuja conivência ou participação ativas são decisivas em qualquer ruptura da ordem democrática, prática não legalizada ou perseguida. Tem ali gente que cresceu e conviveu com o quarto e hoje se contém pela veste de toga. Outros se prostituíram intelectualmente para serem alçados aos atuais postos, o que deveria ser traumático para quem pretende estar nas altas cortes.

Tem a turma que está naquela encruzilhada, nunca entrou no quarto, mas em um primeiro momento se sentiu alçado a um poder quase sacrossanto absolutista, por ter se animado com o indescritível apoio recebido quando os alvos a serem pegos de calça na mão interessavam. Esta turma agora tem um tríplex de frustração: qual o desfecho ao não provar o que imaginava ter convicção e ser questionado por aqueles que antes se interessavam na criminalização de algumas figuras e instituições? O que fazer diante da perda de poder e holofotes? O que fazer com quem se aliou e descobriu que muitos dos seus amigos queridos e companheiros de fila se lambuzavam naquilo que tanto criticaram?

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Somam-se aos atônitos, lideranças juvenis e artistas, que emprestaram ao golpe sua energia de mobilização, mas que já haviam revelado estarem dispostos a tudo para acabar com o PT quando deram aquele abraço em Eduardo Cunha. E tem a turma que cresce, se justifica e sobrevive do conflito, da instabilidade, da sensação de insegurança, do ódio e que adora como as pessoas sentem-se agredidas pela política. Neste quesito, Temer e seus ministros oferecem um prato cheio.

O Brasil é um país complexo demais. Apesar de um enorme potencial, passa por uma grave crise econômica, política, social e institucional para que uma reunião de atores tão consistente como uma "suruba" seja capaz de conduzi-lo.

É importante ter demonstração de uma maioria no Congresso para aprovar o que quiser, como este governo tem demonstrado, claro que é, mas não basta. É bom demais ter a condescendência de uma imprensa que tem se revelado cumprir um dos papéis mais cínicos do pêndulo da crítica permanente ao governo Dilma à blindagem explícita do governo Temer, mas não basta.

Um governo em um país como o Brasil tem que ter capacidade de mobilizar diversos atores econômicos e sociais, em torno de pautas e políticas públicas a serem desenvolvidas. Para isso, precisa ter um time que atue em cada território e em cada tema, mas Temer optou por reunir um ajuntado de interesses menores. Precisa ter um núcleo político capaz de conduzir o governo e enfrentar crises em torno do presidente, mas Temer o constituiu como um clube dos seus parceiros previamente enrolados, operadores de interesses de uma parte do PMDB e não líderes de projetos políticos. Precisa ter um líder, mas Temer não lidera, acomoda interesses que lhe são apresentados à mesa. Precisa ter capacidade de interlocução com o povo, e os patamares de impopularidade pioraram a vida de um político que sempre viveu mais dos bastidores do que da disputa e interlocução permanente com a sociedade. Não à toa, sem propaganda de máscara, como nos anos anteriores, sem bonecos infláveis financiados, sem a força das câmeras e das páginas da grande imprensa para repercussão, o "Fora Temer" virou grito de carnaval.

Temer e a suruba PMDB/PSDB e aliados têm de tudo para continuar sendo um governo como o atual. Começa a semana com vitórias políticas importantes, como a presidência das duas casas e nomeação a jato de um ministro no Supremo Tribunal Federal (STF) e termina com o esfacelamento do seu núcleo político: perda de uma figura importante do seu principal partido aliado, o PSDB. Até quando um governo como esse aguenta, em um país com instabilidade política-institucional? Ninguém pode arriscar. Mas uma coisa é certa, quem financia e propaga a atual agenda de governo e do Congresso, e com isso busca dar de reformistas a turma da suruba, tentará de tudo para mantê-lo enquanto este mostrar-se capaz de entregar cada página rasgada da nossa Constituição.

E a turma do prato jurídico-policial tem dado todos os sinais de que está disposta a tudo. Foi assim nos episódios de Lula cassado de ser ministro da Casa Civil, no acompanhamento judicial do impeachment, na solução mantém Renan e garante pauta no senado, no foro privilegiado de Moreira, e outras virão.

Por isso, o tema da reforma da previdência e a luta para impedi-la é tão crucial neste momento. Nenhuma retirada de direitos é tão palpável para a população, uma preocupação em todas as faixas etárias. Não há tema tão sensível como esse no Congresso Nacional, por mobilizar a base dos parlamentares e um sem número de movimentos corporativos que o ocupam. Sempre foi no caso de presidentes populares, o que falar de um presidente ilegítimo, sem ter passado pelo crivo do voto e com baixa popularidade? Nada pode produzir uma derrota para este governo, até então inédita, no Congresso. Além de corroer a popularidade e a imagem deste governo, é a oportunidade para o campo democrático e popular reconstruir relações com bases sociais desconfiadas da agenda da austeridade do segundo governo Dilma.

A reconstrução da crença popular de que os caminhos para o Brasil superar a crise passam pela política só acontecerá com um processo de debate, que passe pelo voto popular. Sem ele, o hiato de representatividade e de autoridade política para por fim a suruba será permanente. Ninguém se sente representado por ninguém. O episódio recente das idas e vindas da bancada federal do PT na eleição do presidente da Câmara foi um exemplo disso. Por isso, a importância de uma eleição direta o mais rápido possível.

E aqui chega mais uma vez Lula, que deixa de ser visto como o ex-presidente e volta a ser uma aposta de futuro. Se seremos capazes de reconstruir essa crença da maioria da população com a política, hoje a oportunidade disso acontecer passa por Lula. Há uma mudança de vetor e de expectativas. Está aberta a oportunidade para que o campo democrático, que se consertou ao longo do governo Lula, saia da defensiva e retome um movimento propositivo que apresente esperança para o país. É Lula se reunindo com economistas, e só se fala nele. É Lula recebendo solidariedade de juristas, e só se fala dele. É Lula em um encontro da juventude, dos sem-teto, dos sem-terra, dos petroleiros e só se fala dele. É Doria perdendo as estribeiras diante do povo no carnaval, e só se fala de Lula. É Fora Temer descendo a ladeira e o bloco Saudades de Lula subindo outra.

Há um longo processo a ser reconstruído, com humildade, sem otimismo exagerado, nem arrogância, relembrando aqui os anos de 1993/94, quando Lula soava inicialmente imbatível e as elites foram capazes de construir, em poucos meses, um programa, uma aliança política, mudanças nas regras eleitorais e um nome, na época FHC, capaz de nos derrotar. Em 2017/2018 o que vai virar esse jogo: a capacidade do movimento de resistência ao golpe desequilibrar a seu favor a ocupação das ruas com a resistência à reforma da previdência, a retomada do cacoete de oposição para as bancadas no Congresso Nacional e Lula livre, leve e solto, discutindo o Brasil.

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