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Plebiscito para acabar com a Copa

Como "acabar" com a Copa do Mundo no Brasil? Eu simplesmente acredito que essa questão deveria ter sido levada ao eleitor bem no início. Ao final, a escolha teria sido feita com mais consciência e transparência

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Um brasileiro contra a Copa do Mundo de 2014? Para o suíço Joseph Blatter, se esse cidadão existir deve sofrer de alguma forma rara de amnésia crônica. Afinal, o presidente da FIFA acredita que a partir do momento em que o juiz apitar o início da partida no gramado do Itaquerão, os 194 milhões de habitantes do maior país da América do Sul irão esquecer os problemas terrenos e só se interessar pelas paixões do futebol.

Balela! Os milhares de manifestantes nas ruas e a violência colateral dos protestos mostraram que Blatter se enganou, assim como o governo brasileiro. O sonho de coroar o apogeu internacional da nova potência com uma dupla de megaeventos se espargiu no ar frente à sombria perspectiva para os próximos meses. Ao contrário da Alemanha em 2006, onde a Copa levou um povo sisudo a festejar o Mundial como um grande abraço caloroso ao mundo, o Brasil de 2014 será o país da economia em queda, da bolha imobiliária a explodir, da criminalidade avassaladora e de uma infraestrutura diametralmente oposta aos novos estádios, superfaturados e predestinados a se transformar em ruínas maias em poucas décadas, especialmente sob as condições climáticas de Manaus e a qualidade do futebol jogado em Brasília.

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Mas vamos parar de ser ranzinzas. Também acredito no Juca Kfouri, quando ele comenta que a Copa de 2014 será um sucesso por duas razões: os organizadores saberão improvisar e o brasileiro é um povo festeiro. Também sou um brasileiro, chegado a uma pândega, apesar de viver há quase duas décadas na Europa, o que explica meu caráter um pouco sisudo. Por isso lanço a pergunta: como acabar com a Copa através de um plebiscito?

Sim, esse é o tema do momento depois que a presidenta Dilma apresentou-o como proposta para apaziguar os eleitores indignados ou fatalistas. Este instrumento das urnas eu os conheço, pois vivo há onze anos na Suíça, uma das mais antigas democracias do mundo. E foi exatamente na prática democrática que o eleitor helvético acabou, na canetada do plebiscito de três de março de 2013 realizado para os eleitores do cantão (estado) dos Grisões, com o sonho nacional de receber os Jogos Olímpicos de Inverno de 2022. O interessante são os paralelos com o Brasil.

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Os defensores da ideia na Suíça não pouparam esforços. Segundo planos do governo dos Grisões, o evento seria organizado em St. Moritz e Davos, dois vilarejos cravados nos Alpes e conhecidos como estâncias de esqui para ricos e famosos ou ponto de encontro dos poderosos no Fórum Econômico Mundial (WEF). O orçamento elaborado com apoio do governo federal era de 2,8 bilhões de francos (6,6 bilhões de reais). Além disso, o governo previa investir mais de 1,5 bilhões de francos (2,3 bi) em infraestrutura e segurança, dos quais uma grande parte serviria para melhorar as estradas e o transporte ferroviário.

Os organizadores também não se esqueceram de falar dos cinquenta mil empregos que seriam criados e bilhões em receitas geradas com o turismo, o principal negócio dessa região montanhosa. Se algum crítico levantasse o dedo para acusar possíveis prejuízos, a resposta já estava na ponta da língua: o governo federal helvético prometera cobrir em até um bilhão de francos, os 1,3 bilhões de déficit estimados na realização do evento. Ou seja, tudo que viesse seria lucro geral.

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Além disso, não faltaram as estrelas para "dourar" a pílula ao povo. Mais de 100 embaixadores das Olimpíadas como o tenista Roger Federer e outras celebridades nacionais do esporte, além do próprio ministro da pasta correspondente, apoiaram publicamente as olimpíadas em St. Moritz e Davos. Dentre os chavões mais empregados estavam aqueles que diziam que os Jogos Olímpicos de Inverno seriam um reforço à identidade nacional e uma bela propaganda para a Suíça como destino turístico, que nos últimos anos sofre com a fama de país caro. Não é a toa que muitos contornem a Suíça para fazer férias de esqui na vizinha Áustria, cujas montanhas são morrinhos em comparação com os Alpes suíços.

Todos esses argumentos não serviram para nada. Os suíços desconfiam geralmente de grandes planos ufanistas, especialmente aqueles que podem doer no seu bolso de contribuinte. E a experiência não faltava para a população, pois St. Moritz já havia recebido os Jogos Olímpicos de Inverno em 1928 e 1948. Porém quando a mesma proposta foi lançada ao eleitor do cantão dos Grisões em 1980, a rejeição havia sido massiva nas urnas: 77% disseram "não" aos campeonatos de esqui, bobsled ou hóquei no gelo nas suas montanhas.

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E finalmente, em 2013, quando o mesmo cantão pergunta a seus eleitores se não queriam se fazer de palco mundial para o evento olímpico de inverno, que hoje se transformou em megaevento de orçamento bilionário e negócios escusos (vide Sochi 2014, cidade quase tropical à beira do mar Negro), o golpe foi duro para os promotores: 53% riscaram um "não" sonoro nas cédulas, com uma participação de quase dois terços do eleitorado, a maior em um plebiscito regional das últimas décadas.

Após o choque, os analistas logo se apressaram a justificar a baixa motivação do eleitorado com o medo da carga financeira dos Jogos Olímpicos de Inverno para o erário e também o simples fato de muitas regiões no cantão dos Grisões sentirem não estar sendo verdadeiramente beneficiadas com o evento.

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Finalmente volto à questão lançada no início do texto: como "acabar" com a Copa do Mundo no Brasil? Eu simplesmente acredito que essa questão deveria ter sido levada ao eleitor bem no início, inclusive com o acréscimo de uma pergunta sobre o número ideal de sedes para os jogos. No espaço de tempo até a votação, a população estaria debatendo com paixão nas ruas os valores, problemas e vantagens com argumentos e contra-argumentos. Ao final, a escolha teria sido feita com mais consciência e transparência. A responsabilidade estaria compartilhada sobre os ombros de todo o eleitorado.

Pessoalmente acredito até que a ameaça de uma conta salgada não amedrontaria ninguém. Nós teríamos a Copa, sim. Mas cada um dos torcedores na frente da sua telinha estaria envergonhado de sair às ruas em protesto, pois escolheu de livre vontade trocar as escolas sem professores ou hospitais sem injeção pela possível vitória da seleção no Maracanã. Neymar, não nos decepcione!

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