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Saúde dos mais pobres. Como uma democracia pode aceitar essa situação?

No seu relatório anual mais recente, a seção francesa da organização Doctors of the World (Médecins du Monde - Médicos do Mundo) denuncia uma degradação do estado de saúde das pessoas em situação de grande precariedade, e também as dificuldades de acesso às estruturas de saúde públicas às quais os mais pobres têm direito. O baixo nível socioeconômico é um dos mais fortes indicadores de morbidade e mortalidade prematura em todo o mundo, afirma o estudo.

Saúde dos mais pobres. Como uma democracia pode aceitar essa situação?
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Por: Cécile Thibert - Le Figaro Santé 

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«Há trintas anos nossas equipes atuam junto aos mais pobres. Há trinta anos nossos médicos, enfermeiros e técnicos da saúde realizam sem descanso, como voluntários, tarefas que deveriam ser asseguradas pelo Estado. E, nos nossos centros de atendimento e cuidados gerais, as filas de espera são mais longas a cada dia que passa”. Esse texto faz parte do 18o Relatório Anual da organização Médecins du Monde (MdM), lançado durante a recente Jornada Mundial contra a Miséria, na França. No momento em que o país, e tantos outros, vive uma grande crise migratória, essa constatação se torna particularmente alarmante. «Infelizmente, constatamos que as coisas permanecem como antes, e verificamos que existe inclusive uma degradação dessa situação”, diz Yannick Le Bihan, diretor de operações da Médecins du Monde na França.

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O ano passado, os médicos dos centros de atendimento, cuidados e orientação da organização realizaram mais de 30 mil consultas médicas e atenderam cerca de 18.800 pessoas. Seis mil outras vieram em busca de ajuda administrativa, jurídica ou social. «Existe uma diversidade muito grande de nacionalidades, constata Yannick Le Bihan. 96% dessas pessoas são de origem estrangeira, principalmente da África subsaariana». Dentre os pacientes, dois de cada cinco necessitam de uma tomada urgente de providências e mais da metade sofrem de alguma doença crônica (hipertensão, diabetes, etc). Os motivos de consulta eram sobretudo por problemas digestivos, respiratórios e osteoarticulares.

  

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«Quando deixaram seus países, a maior parte dessas pessoas gozavam globalmente de boa saúde”.

 

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Os problemas psicológicos são igualmente frequentes: em 2017, os distúrbios dessa ordem foram detectados em cerca de 9% dos pacientes, em particular os distúrbios de ansiedade (angústia, estresse, doenças psicossomáticas) bem como as síndromes depressivas. «As síndromes pós-traumáticas são muito importantes”, ressalta o médico Christian Bensimon, membro da Médecins du Monde na localidade de Saint-Denis. «Os traumatismos podem surgir no próprio contexto da situação que provocou o exílio, e se acumulam ao longo do trajeto migratório ». Mas absorver essas necessidades se torna impossível em um contexto no qual a psiquiatria já se encontra em grande dificuldade.

«Quando elas deixam os seus países, a maior parte dessas pessoas se encontram globalmente em boa saúde”, esclarece Yannick Le Bihan. «É na França que sua saúde se degrada, devido às condições de vida que lhes são impostas ». 98,5% dessas pessoas vivem abaixo do nível de pobreza, quase a metade não possui nenhum tipo de recursos e apenas 6% dispõem de um alojamento pessoal. Na cidade de Calais, onde o contexto é particularmente difícil por causa das condições de higiene muito degradadas e das numerosas intervenções policiais, os médicos observam um surto de doenças dermatológicas e de feridas super infectadas, bem como um aumento de comportamentos de dependência a drogas, sobretudo o álcool.

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POBREZA ENCURTA A VIDA MAIS QUE OBESIDADE, ÁLCOOL E HIPERTENSÃO

 

Estudo critica a OMS – Organização Mundial da Saúde) por não incluir a desigualdade como fator ser combatido.

 

Por: Javier Salas

 

A evidência científica é robusta: a pobreza e a desigualdade social prejudicam seriamente a saúde. No entanto, as autoridades de saúde não dão a esses fatores sociais a mesma atenção que dedicam a outros quando tentam melhorar a saúde dos cidadãos. Um estudo sobre 1,7 milhão de pessoas, publicado pela revista médica The Lancet, traz de volta esse problema negligenciado: a pobreza encurta a vida quase tanto quanto o sedentarismo e muito mais do que a obesidade, a hipertensão e o consumo excessivo de álcool. O estudo é uma crítica às políticas da Organização Mundial da Saúde (OMS), que não incluiu em sua agenda este fator determinante da saúde — tão importante ou mais do que outros que fazem parte de seus objetivos e recomendações.

O baixo nível socioeconômico é um dos mais fortes indicadores de morbidade e mortalidade prematura em todo o mundo.

 

“O baixo nível socioeconômico é um dos mais fortes indicadores de morbidade e mortalidade prematura em todo o mundo. No entanto, as estratégias de saúde global não consideram as circunstâncias socioeconômicas pobres como fatores de risco modificáveis”, dizem os  autores do estudo publicado pela The Lancet, cerca de trinta especialistas de instituições de prestígio como a Universidade da Colúmbia, o King's College de Londres, a Escola de Saúde Pública de Harvard e o Imperial College de Londres.

Seu trabalho se concentrou nos dados de 1,7 milhão de pessoas para analisar como o nível socioeconômico influi na saúde e na mortalidade em comparação com outros fatores mais convencionais, como o tabagismo ou a obesidade. O resultado está de acordo com estudos anteriores: a pobreza é um agente que afeta a saúde de forma tão sólida e consistente como o tabaco, o álcool, o sedentarismo, a hipertensão, a obesidade e o diabetes. Além disso, a capacidade de encurtar a vida é maior do que vários desses fatores. O baixo nível socioeconômico reduz a expectativa de vida em mais de 2 anos (2,1) em adultos entre 40 e 85 anos; o alto consumo de álcool reduz em meio ano; a obesidade encurta 0,7 ano; o diabetes reduz a expectativa de vida em 3,9 anos; a hipertensão em 1,6 ano; o sedentarismo, 2,4 anos; e o pior, reduzindo a média de vida 4,8 anos, o hábito de fumar.

 

Da mesma maneira que se pode promover o abandono do hábito de fumar ou o esporte entre a população, o artigo defende que a pobreza também pode ser modificada.

 

A escolha desses fatores não é casual: são aqueles tomados pela OMS para combater as doenças não contagiosas no seu plano para reduzir sua incidência em 25% até 2025, o chamado objetivo 25X25. “Nossas descobertas sugerem que as estratégias e ações globais definidas no plano de saúde da OMS excluem de sua agenda um importante determinante da saúde”, criticam os pesquisadores, liderados por Silvia Stringhini, do Hospital Universitário de Lausanne. E acrescentam: “A adversidade socioeconômica deve ser incluída como fator de risco modificável nas estratégias de políticas de saúde locais e globais e no monitoramento do risco para a saúde”.

Da mesma maneira que se pode promover o abandono do hábito de fumar ou o esporte entre a população, o artigo defende que o fator socioeconômico também pode ser modificado em todos os níveis, com intervenções como a promoção do desenvolvimento na primeira infância, as políticas de redução da pobreza ou a melhoria no acesso à educação. Portanto, as estratégias de prevenção para as doenças crônicas estão equivocadas por não abordarem “poderosas soluções estruturais”.

Não é ideologia, mas ciência

“A força da evidência do efeito do nível social sobre a mortalidade, como exemplifica o estudo de Stringhini e seus colegas, agora é impossível de ignorar”, diz um comentário na The Lancet assinado por Martin Tobias, especialista do Ministério da Saúde da Nova Zelândia. Ele acrescenta: “Eles baseiam seu argumento não na ideologia política, mas na ciência rigorosa”. De acordo com o epidemiologista, ter baixo nível socioeconômico “significa ser incapaz de determinar o próprio destino, privado de recursos materiais e com oportunidades limitadas, que determinam tanto o estilo de vida quanto as oportunidades de vida”.

“A evidência diz que a desigualdade mata. Estamos interessados na saúde do país, tanto na dos pobres quanto na dos ricos?”, pergunta Manuel Franco

 

O pesquisador espanhol Manuel Franco, que não participou do estudo, acredita que “é importante que os autores mostrem que o fator socioeconômico importa, e importa tanto quanto os apontados pela OMS”. “A evidência diz que a desigualdade mata. Estamos interessados na saúde do país, tanto na dos pobres quanto na dos ricos? Esse fator não é atacado porque não interessa”, diz Franco, epidemiologista da Universidade de Alcalá de Henares, especialista nos efeitos dos fatores sociais e ambientais sobre a saúde.

Franco explica como nos países ricos (o estudo foi centrado em dados do Reino Unido, França, Suíça, Portugal, Estados UNidos e Austrália) há diferenças “insuportáveis” na expectativa de vida dentro da mesma cidade, como Barcelona, Madri, Glasgow ou Baltimore. “E a diferença não para de crescer: a expectativa de vida dos pobres não cresce como a dos ricos”, denuncia. E conclui: “Fazemos pesquisas para melhorar alguma coisa. Sabemos que existem fatores estruturais que prejudicam a saúde, mas as autoridades não querem atacá-los, preferem falar apenas dos fatores individuais: pratique esporte, não fume”.

 

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