Arévalo e o que está em jogo na Guatemala
Forças corruptas entrincheiradas no aparato estatal não pouparam esforços para reverter a vontade popular expressa nas urnas
Por Giorgio Trucchi (*) - Ao final de um dia extenuante, durante o qual as forças corruptas entrincheiradas no aparato estatal não pouparam esforços para reverter a vontade popular expressa nas urnas, o presidente eleito Bernardo Arévalo tomou posse e assumiu a presidência da Guatemala.
O dia 14 de janeiro foi caracterizado pela tentativa dos deputados cessantes, em sua maioria próximos ao ex-presidente Giammattei, e aos poderes fáticos guatemaltecos de impedir a instalação da nova legislatura.
Além disso, perseguiam o objetivo de impedir que os deputados do partido governista, Movimiento Semilla (Movimento Semente), fossem empossados, e que o partido e seus aliados garantissem o controle do novo conselho diretor.
O acordo alcançado entre o Movimiento Semilla e seis bancadas parlamentares, incluindo a esquerdista/indigenista Winaq-Urng, o progressista VOS e os de direita e centro-direita CABAL, BIEN, VIVA e VICTORIA, conseguiu destravar o impasse em que o Poder Legislativo se encontrava.
Após a instalação da nova legislatura, a aliança majoritária elegeu o novo conselho diretor, nomeando Samuel Pérez, do Movimiento Semilla, como presidente.
Também reverteu a decisão dos deputados cessantes de considerarem "independentes" tanto os deputados eleitos do Movimiento Semilla, uma vez que o estatuto legal do partido havia sido suspenso, como os deputados dissidentes da UNE (Unidad Nacional de la Esperanza).
De acordo com os estatutos internos do Congresso guatemalteco, os deputados independentes não são elegíveis para cargos diretivos.
Arévalo é empossado
Depois da meia-noite, os legisladores seguiram para o Centro Cultural "Miguel Ángel Asturias", onde o presidente Bernardo Arévalo e sua vice-presidente Karin Herrera foram juramentados e tomaram posse.
Tanto a sua posse quanto a maioria alcançada no Congresso representam, sem dúvida, um primeiro duro golpe no que na Guatemala se conhece como "pacto dos corruptos".
Esse resultado que não teria sido possível sem a luta e a mobilização incessante dos povos originários, que durante meses saíram às ruas exigindo respeito à vontade popular, enfrentando a repressão ordenada pelo Executivo.
Em seu primeiro discurso como presidente da Guatemala, Arévalo disse que durante seu governo não permitirá que as instituições públicas "se curvem novamente à corrupção e à impunidade".
Lembrou ainda que "não pode haver democracia sem justiça social. E a justiça não pode prevalecer sem democracia", comprometendo-se a mostrar resultados concretos e não apenas promessas.
Suas primeiras medidas, explicou, terão como objetivo resolver a grave situação de pobreza e abandono em que vivem milhões de guatemaltecos, investindo na geração de emprego, acesso à saúde, à educação, à energia e à moradia.
Arévalo também agradeceu às autoridades indígenas e aos quatro povos que compõem a Guatemala, valorizando sua mobilização em defesa da democracia.
O mais difícil está por vir
Um Congresso pulverizado e uma maioria parlamentar muito diversa, instituições públicas infiltradas e controladas pelos poderes constituídos e por redes ilícitas, juntamente com expectativas muito elevadas de mudança por parte da grande maioria da população, colocam desafios muito grandes ao novo Executivo.
Além disso, o apoio popular alcançado nos últimos meses certamente não constitui um cheque em branco para o governo, mas, sim, um sujeito fiscalizador atento e severo de sua atuação futura.
A formação do novo governo, que reúne membros da elite empresarial, tecnocratas, ex-funcionários e ex-assessores dos governos anteriores, membros de Semilla e apoiadores incondicionais do presidente, já despertou algumas suspeitas.
Além disso, a oligarquia guatemalteca e os grupos de poder de fato não ficarão de braços cruzados.
Menos de 78 horas depois da tomada de posse presidencial, o Tribunal Constitucional (TC) pronunciou-se sobre algumas medidas cautelares apresentadas por deputados da oposição, ordenando a repetição da eleição da mesa parlamentar.
Com essa resolução, os magistrados anulam os acordos que revertiam a condição de "independentes" dos deputados do Movimiento Semilla e dos dissidentes da UNE.
Isso deixa Samuel Perez e a maioria dos membros da junta eleita no último domingo fora do cargo, abrindo caminho para uma nova votação e para um reajuste dos equilíbrios da aliança majoritária.
O TC esclareceu ainda que essa resolução não afeta em nada o que o conselho tem feito nos últimos dias, deixando vigente a tomada de posse pelo presidente Arévalo.
Diante desse cenário extremamente difícil e instável, a única forma de o novo governo avançar, combatendo os ataques dos setores mais extremistas do país, é não apenas cuidar da correlação de forças política e institucional, mas, ao mesmo tempo, aprofundar a aliança com os povos e as organizações sociais e populares mobilizadas.
Só assim será possível iniciar um caminho de mudança real no país.
(*) Giorgio Trucchi é jornalista. Publicado originalmente em espanhol por Rel-UITA (Regional Latinoamericana de la Unión Internacional de Trabajadores de la Alimentación, Agrícolas, Hoteles, Restaurantes, Tabaco y Afines - http://www.rel-uita.org/guatemala/arevalo-y-lo-que-esta-en-juego/
Tradução: Rose Lima
