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Ideias

Flávio Vassoler traça as origens do conflito Rússia X Ucrânia: supressão étnica recíproca e histórica, até o século 21

Ressentimento étnico inflamado ao longo de séculos e carregado de “ucronazismo” explica declaração russa de estar agindo para encerrar conflito que já borbulhava

Stepan Bandera, Josef Stalin, Flávio Vassoler (Foto: Reprodução)
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Leonardo Sobreira, 247 - Diversos países, como Espanha, Reino Unido e China, passam por algo que não transpira no Brasil. “São países pluriétnicos que demandam aspectos de secessão”, afirma Flávio Vassoler, especialista sobre a Rússia.

Nas terras de Vladimir Putin, há eslavos, turcos, siberianos e cerca de 50 outras etnias reconhecidas oficialmente. No entanto, a visão de que a Rússia é uma nação pluriétnica incontestada é manchada por casos como o dos muçulmanos tártaros da Crimeia, que apoiam as forças de Kiev. 

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Já nas terras de Zelensky, há o nacionalismo histórico dos falantes de ucraniano, que regrediu ao nazismo na Segunda Guerra, e, desde então, se dispersou em um espectro. O peso histórico desta regressão vem sendo carregado até os dias de hoje e está por trás, em parte, das justificativas russas pela ação militar na Ucrânia, entre elas a “desnazificação” do país do Leste Europeu.

Com os dois em aparente choque, uma das chaves para se pensar numa saída do conflito passa pelo entendimento da “complexidade das forças locais que estão em jogo”, afirma Vassoler.  

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Nacionalismo floresce contra czarismo

Para o especialista em literatura russa, o nacionalismo ucraniano não deve ser automaticamente caracterizado como nazista. Sua verdadeira origem é indeterminada e atravessa séculos de história, passando de fato por Hitler, mas ganhando amplitude, em particular, na resistência contra o czarismo. 

“A Ucrânia sempre foi uma terra dominada, mas as línguas ucraniana e russa estavam ligadas somente até o século 11”, explicou. “O nacionalismo ucraniano não é só Azov, o batalhão do Exército ucraniano financiado pelo Ocidente. O povo ucraniano não é fascista. Sua identidade é difusa”, disse. 

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Um dos fatores para essa difusão é a influência histórica da Rússia na região, que levou à cisão entre o leste e o oeste da Ucrânia. “No século 17, a Rússia e a Ucrânia pactuaram pela proteção da Ucrânia contra a dominação da Polônia, enquanto os bielorrussos assumiram um caráter patriarcal à Rússia. Na Ucrânia de hoje, isso se reflete no leste do país, mais identificado com a Rússia”, prossegue Vassoler.

“A desconfiança em relação à Rússia por parte do oeste do país surge no século 19, quando floresce o nacionalismo ucraniano frente a um czarismo que tornou o país súdito”, disse. 

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Tragédia para o povo ucraniano

Vassoler destacou o papel devastador do stalinismo na Ucrânia, que levou ao Holodomor. O termo significa fome induzida e exterminatória. 

“Nos tempos da União Soviética, em especial durante o stalinismo, os ucranianos viveram um período duríssimo, por conta do período da coletivização forçada. Isso levou ao Hodomor (Fome-Terror). A fome vermelha matou de 3 a 5 milhões de pessoas", disse Vassoler. “Foi uma tragédia para o povo ucraniano, e um fator para a União Soviética”. 

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Nazismo vem à tona

No século 20, a Organização dos Ucranianos Nacionalistas (OUN), que dialogou com o nacionalismo ucraniano, buscava auto-determinação. O grupo de exilados, que teve em um de seus líderes Stepan Bandera, declara a independência do país em 30 de julho de 1941, durante a ocupação nazista, declarando ainda lealdade a Hitler na Guerra. O braço armado da organização, criado em 1942, o Exército Insurgente da Ucrânia, foi ativo no combate de guerrilha contra a União Soviética. Mais recentemente, em 2019, os combatentes dos grupos armados da OUN que lutaram contra as forças da União Soviética receberam status de veterano. 

“Espremida entre duas, a Ucrânia escolhe a Alemanha nazista”, disse o professor. “Os judeus em específico foram muito acossados, com, por exemplo, apedrejamentos públicos, e é inegável a ligação antissemita no nacionalismo ucraniano extremista”. 

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“Bandera imaginava que a Ucrânia receberia autonomia como Hungria e Romênia, que lutaram ao lado da Alemanha na Segunda Guerra”, disse. 

Entre os planos da organização, estava ainda a criação de um Estado monoétnico, similar à Croácia Ustashi. Este excluiria judeus, russos, húngaros e poloneses. Poloneses foram massacrados na Volhynia e na Galícia do Leste. O envolvimento de Bandera é contestado, mas foi a OUN-B, sua ala particular, que executou os massacres. 

Atualmente, há diversos grupos que disputam a contestada herança histórica da OUN, “mas são os ucronazis que têm um antisemitismo muito arraigado”. 

Crimeia

Na própria Crimeia atual, os muçulmanos Tártaros que respaldam as forças ucranianas chamam de Sürgünlik o exílio e genocídio de seu povo, em 1944, por parte do governo soviético. 

“A Crimeia foi dada pela Ucrânia por Nikita Khrushchov 300 anos após o tratado do século 17. Contudo, a Crimeia é um lugar histórico para os russos, como um centro religioso e histórico”, apontou. 

Donbas

Ao leste, a população da industrializada região é, de acordo com Putin, vítima de genocídio. A identificação étnica e com a Rússia é forte. 

“Pelo prisma da Rússia, ela está terminando a guerra na região onde há maior identificação com seu povo e que é altamente industrializada”, disse Vassoler. “Nessa região, com Donetsk e Lugansk autônomas, as forças armadas ucranianas intensificam o bombardeamento”. 

“A Rússia já concedeu milhares de passaportes para o Donbas. Existe força majoritária de identificação com a Rússia”, prosseguiu. “As demandas dos movimentos separatistas no Donbas poderiam ser resolvidas nos termos de referendos. Na história, contudo, não há subjetivo. Isso só ocorre quando a Ucrânia também deixar de ser usada como bucha de canhão pelo Ocidente”, ponderou. 

"Há uma longa discussão no bolchevismo sobre as minorias sociais. Lenin queria que houvesse forças centrípetas, e não centrífugas". 

Ocidente

Há de se destacar o papel crucial do Ocidente na formação do conflito atual. “Movimentos endinheirados pelos EUA tiveram um papel muito grande na russofobia”, lembrou Vassoler. “Antes da Crimeia (reunificação/anexação em 2014), os ucranianos tinham uma posição muito favorável à Rússia”. 

“A sucesão Ianukovytch, Poroshenko, Zelenski, este último que começou a tolher a língua russa e derrubar estatuas da União Soviética, fez o país inflamar ressentimentos anti-Rússia”, disse.

Ao mesmo tempo, “a identidade russa é forjada no conflito no Ocidente do país, com a possibilidade de adesão da Ucrânia à Otan”, completa. 

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