CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
Ideias

Ocidente cria falsa narrativa sobre Rússia e China, diz Jeffrey Sachs

Busca incessante dos EUA por hegemonia é causa da possibilidade de catástrofe nuclear. Diplomacia é o caminho, diz Jeffrey Sachs

Putin, Xi e Biden (Foto: Sputnik/Aleksey Druzhinin/Kremlin | REUTERS/Jonathan Ernst)
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Artigo do Professor Jeffrey Sachs* originalmente publicado no seu website.Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

O mundo está à beira de uma catástrofe nuclear, não em pequena parte devido à falha dos líderes políticos ocidentais em serem francos sobre as causas dos conflitos globais em escalada. A implacável narrativa ocidental de que o Ocidente é nobre, enquanto a Rússia e a China são o mal, é simplória e extraordinariamente perigosa. Esta é uma tentativa de manipular a opinião pública, de não lidar com a diplomacia real e premente.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

A narrativa essencial do Ocidente é parte construída da estratégia de segurança nacional dos EUA. O cerne da ideia dos EUA é que a China e a Rússia são inimigos implacáveis que estão “tentando erodir a segurança e a prosperidade dos EUA”. Segundo os EUA, estes países estão “determinados a tornar as economias menos livres e menos justas, a fazer crescer as suas forças militares e controlar as informações e os dados para reprimir as suas sociedades e expandir a sua influência.”

A ironia é que, desde 1980, os EUA tem estado em pelo menos 15 guerras no estrangeiro por escolha sua (Afeganistão, Iraque, Líbia, Panamá, Sérvia, Síria e Iêmen – para mencionar apenas algumas), enquanto que a China não esteve em nenhuma e a Rússia apenas em uma (Síria) além da antiga União Soviética. Os EUA têm bases militares em 85 países, a China em três e a Rússia em um (Síria) além da antiga União Soviética.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

O presidente dos EUA, Joe Biden, promoveu esta narrativa, declarando que o maior desafio dos nossos tempos é a competição com as autocracias, as quais “buscam fazer avançar o seu próprio poder, exportar e expandir a sua influência em todo o mundo, e justificar as suas políticas e práticas repressivas como uma maneira mais eficaz de lidar com os atuais desafios.” A estratégia de segurança dos EUA não é o trabalho de apenas um presidente estadunidense, mas, sim, do 'establishment' de segurança dos EUA – o qual é, na sua maior parte, autônomo e opera por detrás de um muro de sigilos.

O exausto medo da China e da Rússia é vendido a um público ocidental através da manipulação dos fatos. Uma geração antes, George W. Bush Jr. vendeu ao público a ideia de que a maior ameaça aos EUA era o fundamentalismo islâmico – sem mencionar que foi a CIA, com a Arábia Saudita e outros países, que criou, financiou e alocou os jihadistas no Afeganistão, na Síria e em outros lugares, para lutarem as guerras dos EUA.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Ou então, considere a invasão do Afeganistão pela União Soviética em 1980 – a qual foi caracterizada nas mídias ocidentais como um ato de perfídia não-provocada. Anos depois, nós soubemos que, na verdade, a invasão soviética foi precedida por uma operação da CIA planejada para provocar a invasão soviética! A mesma desinformação ocorreu vis-à-vis a Síria. A imprensa ocidental está repleta de recriminações contra a assistência militar de Putin à Síria de Bashar al-Assad desde 2015, sem mencionar que os EUA apoiaram a derrubada de al-Assad no início de 2011 – tendo o financiamento de uma grande operação da CIA (Timber Sycamore) para derrubar Assad, anos antes que a Rússia chegasse lá.

Ou, mais recentemente, quando a presidenta da Câmara de Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, imprudentemente voou à Taiwan, apesar das advertências da China, nenhum dos ministros de relações exteriores do G7 criticou a provocação de Pelosi – no entanto, todos os ministros do G7, juntos, criticaram asperamente a China pela sua “reação exagerada” à viagem de Pelosi.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

A narrativa ocidental sobre a guerra na Ucrânia é que este é um ataque não-provocado de Putin, na sua busca para recriar o império russo. No entanto, a história real começa com a promessa ocidental ao presidente soviético Mikhail Gorbachev de que a OTAN não se expandiria para o leste, seguida de quatro ondas de aumento da OTAN: em 1999, ao incorporar três países da Europa Central; em 2004, incorporando mais 7 – incluindo o Mar Negro e os estados bálticos; em 2008, assumindo o compromisso de expandir-se até a Ucrânia e a Georgia; e em 2022, convidando quatro líderes da região da Ásia-Pacífico para se associarem à OTAN, visando a China.

As mídias ocidentais tampouco mencionam o papel dos EUA na derrubada do presidente pró-russo da Ucrânia, Viktor Yanukovych, em 2014; a falha dos governos da França e da Alemanha, fiadores do acordo Minsk II, a pressionar a Ucrânia para cumprir os seus compromissos; os vastos armamentos enviados à Ucrânia durante os governos de Trump e Biden na preparação para a guerra; nem, tampouco, a recusa dos EUA em negociar com PUTIN sobre a expansão da OTAN na Ucrânia.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Obviamente, a OTAN diz ser puramente defensiva, de modo que Putin nada teria a temer. Em outras palavras, Putin não deveria considerar as operações da CIA no Afeganistão e na Síria; nem a ocupação do Afeganistão pela OTAN durante 15 anos; nem a “gafe” de Biden, quando ele clamou pela derrubada de Putin (a qual, obviamente, não foi gafe alguma); nem a declaração do secretário de defesa dos EUA, Lloyd Austin, de que o alvo da guerra dos EUA na Ucrânia é enfraquecer a Rússia.

No cerne de tudo isso está a tentativa dos EUA de seguir sendo a potência hegemônica do mundo, ao aumentar as suas alianças militares em todo o mundo para conter ou derrotar a China e a Rússia. Isto é uma ideia perigosa, delirante e ultrapassada. Os EUA são meros 4,2% da população mundial e, agora, meros 16% do PIB mundial (medido em preços internacionais). Na verdade, os PIBs combinados dos países do G7 totalizam, atualmente, menos do que o dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), enquanto que a população do G7 é apenas 6% do mundo, comparado com 41% dos BRICS.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Existe apenas um único país cuja fantasia autodeclarada é de ser a potência dominante do mundo: os EUA. Já passou o tempo para que os EUA reconheçam as verdadeiras fontes de segurança: coesão social interna e cooperação responsável com o resto do mundo, ao invés da ilusão de hegemonia. Com tal política externa revisada, os EUA e os seus aliados evitariam uma guerra com a China e a Rússia e capacitariam o mundo a lidar com a sua miríade de crises ambientais, energéticas, alimentares e sociais.

Acima de tudo, nestes tempos de extremo perigo, os líderes europeus deveriam buscar encontrar a verdadeira fonte de segurança europeia: não a hegemonia dos EUA, mas os arranjos europeus de segurança que respeitem os legítimos interesses de segurança de todas as nações europeias – certamente incluindo a Ucrânia, porém também incluindo a Rússia, que continua a resistir à expansão da OTAN no Mar Negro. A Europa deve refletir sobre o fato que a não-expansão da OTAN e a implementação dos acordos Minsk II teriam evitado esta guerra horrível na Ucrânia. Neste ponto, é a diplomacia, e não a escalada militar, que é o caminho para a segurança europeia e global.

Assista a entrevista (em inglês) de Jeff Sachs ao DemocracyNow:

*Jeffrey D. Sachs é professor universitário e diretor do Centro para o Desenvolvimento Sustentável (Center for Sustainable Development) da Universidade de Columbia (New York) – onde ele dirigiu o Earth Institute (Instituto da Terra) entre 2002 e 2016. Ele é o presidente da Rede de Soluções Sustentáveis de Desenvolvimento da ONU (UN Sustainable Development Solutions Network), presidente da Comissão de COVID19 da Lancet, copresidente do Conselho de Engenheiros para a Transição Energética (Council of Engineers for the Energy Transition), Comissário da Comissão para o Desenvolvimento da Banda Larga da ONU (UN Broadband Commission for Development), acadêmico da Pontifícia Academia de Ciências Sociais do Vaticano (Pontifical Academy of Social Sciences at the Vatican), e Professor Emérito Tan Sri Jeffrey Cheah da Universidade de Sunway. Ele serviu como Conselheiro Especial de três secretários-gerais da ONU e atualmente serve como Advogado das Metas Sustentáveis de Desenvolvimento (SDG – Sustainable Development Goals) da ONU, trabalhando sob a direção do atual secretário-geral da ONU, António Guterres. Ele passou vinte anos como professor da Universidade de Harvard, onde recebeu os seus títulos de bacharelado, mestrado e doutorado. Sachs foi agraciado com 40 doutorados honorários e os seus prêmios recentes incluem o Prêmio Tang de 2022 para o Desenvolvimento Sustentável; a Legião de Honra, por decreto do presidente da República Francesa; e a Ordem da Cruz do Presidente da Estônia. O seu livro mais recente é 'The Ages of Globalization: Geography, Technology, and Institutions' (2020).

jeffrey-sachs

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Carregando os comentários...
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Cortes 247

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO