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Ideias

The Cradle: As cláusulas de segurança escondidas do acordo Irã-Arábia Saudita

‘The Cradle’ revela as cláusulas confidenciais do acordo acertado entre Teerã e Riad que foi alcançado por cortesia de Pequim

(Foto: the-cradle)
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Artigo de Hasan Illaik* originalmente publicado no The Cradle em 12/3/23. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

Sob os auspícios da China, em 10 de março em Pequim, os competidores de longa data Irã e Arábia Saudita chegaram a um acordo para restaurar as suas relações diplomáticas, após uma pausa de sete anos.

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Na sua leitura mais otimista, o acordo pode ser visto como um acordo estratégico histórico, refletindo mudanças importantes que estão em curso na Ásia Ocidental e no mundo. No pior dos casos, ele pode ser caracterizado como um “acordo de armistício” entre dois rivais importantes, o qual proverá um espaço valioso para as comunicações diretas e regulares.

A declaração conjunta Sino-Arábica-Iraniana na sexta-feira inclui fortes implicações que vão além do anúncio da restauração de relações diplomáticas entre Teerã e Riad, que estavam rompidas desde 2016.

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A declaração é muito clara:

  • As embaixadas da Arábia Saudita e a República Islâmica do Irã serão reabertas em menos de dois meses.
  • Respeito pela soberania dos Estados.
  • Ativação do acordo de cooperação de segurança entre a Arábia Saudita e o Irã assinado em 2001.
  • Ativação do acordo de cooperação nos setores econômico, comercial, de investimentos, tecnologia, ciência, cultura, esportes e juventude que foi assinado pelas partes em 1998.
  • Instando os três países para exercer todos os esforços para promover a paz e segurança regional e internacional.

À primeira vista, as primeiras quatro cláusulas sugerem que o acordo intermediado pela China é essencialmente uma reparação das relações diplomáticas entre os dois adversários de longa data. Porém, na verdade, a quinta cláusula está longe do texto-padrão inserido em declarações conjuntas entre estados.

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Isto parece estabelecer uma nova referência para conflitos na Ásia Ocidental, na qual a China desempenha o papel de “pacificadora” — em especial com o Irã e a Arábia Saudita — no qual Pequim assume um papel em vários conflitos regionais ou influencia as partes relevantes.

Fontes familiares com as negociações revelaram ao The Cradle que o presidente chinês Xi Jinping não só seguiu um acordo que já estava a caminho entre Teerã e Riad. Na verdade, Xi pavimentou pessoalmente o caminho para materializar este acordo. O chefe de Estado chinês mergulhou fundo nos seus detalhes desde a sua visita à Arábia Saudita em dezembro de 2022 e, mais tarde, durante a visita do presidente iraniano Ebrahim Raisi a Pequim em meados de fevereiro de 2023.

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Mais de uma rodada de negociações foi conduzida sob os auspícios da China, durante as quais os iranianos e os sauditas finalizaram detalhes negociados entre eles no Iraque e em Omã, durante rodadas anteriores de conversações.

Não estava dado, de maneira alguma, que os dois lados chegariam a um acordo na sua última rodada de discussões (6-10 de março de 2023). Mas o representante chinês conseguiu superar todos os obstáculos entre as duas delegações, após o que as partes obtiveram a aprovação das suas respectivas lideranças para anunciarem o acordo na sexta-feira.

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A China como fiadora regional

Nos dois dias passados, muito foi escrito sobre as implicações estratégicas de um acordo saudi-iraniano intermediado pelos chineses e o seu impacto sobre o papel global da China vis-a-vis ao dos EUA. O Golfo Pérsico é uma região estratégica para ambas potências e a principal fonte de abastecimento de energia da China. É provável que seja por isso que Pequim interviu para desfazer as tensões entre os seus dois aliados estratégicos. Isso também é algo que Washington, por muito tempo visto como “fiador de segurança” da região, jamais poderia alcançar.

Indubitavelmente, muito pode ser dito sobre o “aventureirismo estratégico” do Príncipe da Coroa Saudita Mohammed bin Salman (MbS) e a sua exploração das mudanças globais para contrabalançar o declínio da influência dos EUA na região. A emergência de uma ordem multipolar pós-estadunidense permite que aliados tradicionais dos EUA tenham algum espaço para explorarem as suas opções internacionais afastadas de Washington e a serviço dos seus interesses nacionais imediatos.

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Os atuais interesses da Arábia Saudita estão relacionados com as ambiciosas metas políticas, econômicas, financeiras e culturais que MbS estabeleceu para o seu país, baseadas em dois pilares:

  • Diversificar as parcerias regionais e globais, a fim de adaptar-se às mudanças sistêmicas globais que ajudarão a realizar os grandiosos planos de Riad.
  • Estabelecer uma estabilidade de segurança e política que permita à Arábia Saudita implementar os seus projetos mais importantes, especialmente aqueles delineados no documento “Visão 2030” de MbS, através do que Riad visualiza transformar-se em uma incubadora regional em finanças, negócios, mídias e na indústria do entretenimento — de maneira similar ao papel desempenhado pelos Emirados Árabes Unidos em décadas passadas, ou por Beirute antes da guerra civil libanesa em 1975.

Resumindo, a segurança e estabilidade regional e doméstica são vitais para que Riad seja capaz de implementar as suas metas estratégicas. Como tal, cláusulas confidenciais foram inseridas no Acordo de Pequim para garantir ao Irã e à Arábia Saudita que os seus imperativos de segurança seriam contemplados. Alguns destes detalhes foram providos ao The Cradle, por cortesia de uma fonte envolvida nas negociações:

  • Tanto a Arábia Saudita quanto a República Islâmica do Irã aceitam não se engajar em qualquer atividade que desestabilize nenhum dos dois estados em níveis de segurança, militar ou de mídias.
  • A Arábia Saudita promete não financiar veículos de mídias que buscam desestabilizar o Irã — como o website ‘Iran International’.
  • A Arábia Saudita promete não financiar organizações consideradas como terroristas por Irã — como o ‘People’s Mojahedin Organization’ (MEK), grupos curdos baseados no Iraque, ou militantes operando a partir do Paquistão.
  • O Irã promete garantir que as suas organizações aliadas não violem o território saudita a partir do interior do território iraquiano. Durante as negociações, houve discussões sobre o ataque às instalações da Aramco [empresa estatal de petróleo saudita] na Arábia Saudita em setembro de 2019 e o Irã garante que uma organização aliada não executará um ataque similar a partir das terras iraquianas.
  • A Arábia Saudita e o Irã buscarão envidar todos os esforços possíveis para resolver conflitos na região, especialmente o conflito no Iêmen, a fim de garantir uma solução política que assegure uma paz duradoura naquele país.

Segundo fontes envolvidas nas negociações em Pequim, não foram acordados detalhes sobre o conflito no Iêmen, já que foram conseguidos progressos significativos nas conversações diretas entre Riad e o movimento de resistência Ansarallah no Iêmen em janeiro. Estas conversações levaram a entendimentos importantes entre os dois Estados em guerra — os quais EUA e EAU tentaram minar furiosamente a fim de evitar uma resolução da guerra no Iêmen.

No entanto, em Pequim, os iranianos e os saudita acordaram em ajudar a fazer avançar as decisões já alcançadas entre Riad e Saná e de construir sobre estas para terminar a guerra de sete anos.

Portanto, apesar da declaração de Pequim aborda principalmente questões relacionadas à reaproximação diplomática, os entendimentos iranianos-sauditas parecem ter sido negociados principalmente ao redor de imperativos de segurança. Os apoiadores de cada lado provavelmente alegarão que o seu país se deu melhor no acordo, porém uma olhada mais profunda mostra um equilíbrio saudável nos termos do acordo, com cada parte recebendo garantias que o outro não interferirá na sua segurança.

Conquanto o Irã jamais tenha declarado um desejo de minar a segurança da Arábia Saudita, alguns dos seus aliados regionais não fazem segredo sobre as suas intenções a respeito disso. Além disso, MbS declarou publicamente a sua intenção de levar o combate para dentro do Irã, o que os serviços e inteligência sauditas têm feito em anos recentes, especificamente ao apoiarem e financiarem dissidentes armados e organizações separatistas que o Irã classifica como grupos terroristas.

As prioridades de segurança deste acordo deveriam ter sido de detectar na semana passada em Pequim. Ao final de contas, o acordo foi feito entre os Conselhos de Segurança Nacional da Arábia Saudita e do Irã, e incluiu a participação dos serviços de inteligência de ambos países. Presentes na delegação iraniana estavam oficiais do Ministério de Inteligência do Irã e dos ramos de inteligência do Corpo de Guarda Islâmica Revolucionária.

Numa ligeiramente separada nota relativa à segurança regional — porém, que não faz parte do Acordo de Pequim — as fontes envolvidas nas negociações confirmaram ao The Cradle que, durante as conversações, a delegação saudita salientou o compromisso de Riad com a iniciativa árabe de paz de 2002 — a qual se recusa a normalizar relações com Tel-Aviv antes do estabelecimento de um Estado palestino independente, com Jerusalém como a sua capital. 

O que talvez seja mais notável, e ilustra a determinação das partes de chegar a um acordo sem a influência de spoilers, é que as delegações de inteligência iranianas e sauditas se encontraram na capital chinesa durante cinco dias, sem que a inteligência israelense estivesse ciente do fato. Este talvez seja mais um testemunho de que a China — diferentemente dos EUA — compreende como chegar a um acordo nestes tempos de mudanças.

*Hasan Illaik é um jornalista libanês que trabalhou para vários veículos de mídias e plataformas regionais, incluindo 15 anos com o importante jornal diário Al Akbar. As suas reportagens focalizam em questões relativas à Síria, o Líbano, o intervencionismo dos EUA, economia e questões de segurança, incluindo a espionagem israelense. Perfil do autor (em árabe) no Twitter @hasanillaik

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