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Juca Kfouri sai em defesa de Carol Solberg: politização do esporte é um “falso debate”

“Política e esporte sempre estiveram juntos”, argumenta o jornalista Juca Kofouri, que defendeu o direito da jogadora de vôlei de praia Carol Solberg, assim como o de todos os atletas, de gritar "fora, Bolsonaro"

Juca Kfouri e Carol Solberg (Foto: Felipe L. Gonçalves/Brasil247 | Reprodução)
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RFI - Para o jornalista e comentarista esportivo Juca Kfouri, a politização do esporte é um “falso debate”. “Política e esporte sempre estiveram juntos”, argumenta ele, que já foi diretor de publicações como Placar e Playboy. 

Juca falou à RFI sobre a polêmica envolvendo a atleta Carol Solberg, filha da mítica jogadora Isabel Salgado, duramente criticada pela Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) após criticar o presidente Jair Bolsonaro. “A mesma CBV que saudou a ‘liberdade de expressão’ quando atletas do vôlei masculino fizeram campanha para Bolsonaro nas redes”, lembra Kfouri.

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RFI: O envolvimento de atletas não é algo novo. Um exemplo icônico disso são os atletas negros norte-americanos que erguem o punho imitando o gesto dos Panteras Negras no estádio olímpico da Cidade do México, em 1968. Gostaria que você falasse um pouco sobre o esporte como arena de discussão de assuntos políticos.

Juca Kfouri: Essa é ou deveria ser uma falsa discussão, como se alguma coisa pudesse ser separada da política, ou como se o ser humano não fosse político por natureza. Até a maneira como você toma café da manhã é política: é você que faz seu café da manhã? É você que serve? Ou é alguém que vive com você? Ou é uma empregada ou empregado seu? Antes mesmo do gesto do [ Tommie] Smith e do [John] Carlos na Olimpíada do México de 1968, nós tivemos o Muhammed Ali, que mudou até o nome, que era Cassius Clay. Convocado para ir para a guerra do Vietnã, recusou-se, dizendo que não tinha nada a ver com aquele guerra ilegítima nos cafundós da Ásia. Perdeu o cinturão de campeão mundial dos pesos pesados, foi recuperar anos depois. Aqui no Brasil, tivemos outras demonstrações, como a Democracia Corintiana, de Sócrates, Casagrande e Vladimir, a faixa pela Anistia aberta no Morumbi. Você querer que o atleta não participe da vida política é condená-lo a ser um cidadão de segunda classe. O que nós estamos vendo, muito motivado pelos atletas do basquete nos Estados Unidos contra a violência policial, é isso se espalhar pelo mundo. O que nós vimos aqui no Brasil esta semana [o episódio com a jogadora Carol Solberg] dá a medida de como isso se espraiou e como isso enfrenta uma reação dos poderosos. Porque é uma mulher falando contra Bolsonaro e ah... isso não pode!

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Você cita na sua coluna uma possível ambiguidade da Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) que considerou uma “liberdade de expressão” quando os atletas Wallace e Mauricio de Souza fizeram campanha para Jair Bolsonaro nas quadras. Dois pesos, duas medidas?

É isto, dois pesos e duas medidas da elite branca brasileira, que quer subjugar a maioria do povo brasileiro há mais de 500 anos. (...) Não há nada do que a nossa elite branca tenha mais medo do que da cidadania. (...) Isso vem desde o impeachment da presidenta (sic) Dilma Rousseff, quando essa mesma elite começou a reclamar que os aeroportos pareciam rodoviárias. O Brasil foi o último país do mundo a acabar com a escravidão, e o fez de maneira bem cafajeste. Quis “branquear” a raça brasileira, trazendo migrantes da Europa, do Japão. Este é o Brasil que se orgulha de não ser racista e mata oito jovens negros por dia pela letalidade policial. Você querer que um atleta consciente se cale diante disso, que ele se limite a disputar as suas competições, é subjuga-lo à condição de segunda classe.

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Como está neste momento a reação no Brasil à fala da jogadora Carol Solberg?

Está menos reativa por parte dos atletas do que gostaríamos. Acabei de publicar uma nota provocando os atletas a tomar uma atitude solidária. Na intelectualidade e em algumas reações da rede, a Carol Solberg vem tendo muita solidariedade. Até agora, a Comissão de Atletas do Vôlei de Praia, que tem como ex-presidente um ex-campeão olímpico, Emanuel Rego, censurou a Carol. E veja a ironia: esse rapaz foi secretário de Esportes do governo Bolsonaro e foi demitido por ser casado com a senadora Leila, ex-atleta do vôlei, que andou fazendo críticas à política do governo.  E aí, o demitiram, ou seja, ele que foi vítima de censura, agora, como é candidato à vice-presidência no Comitê Olímpico Brasileiro, adota a função do censor. O problema é estrutural.

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A questão da raça parece ser importante neste “levante” dos atletas brasileiros, como no caso do ginasta Ângelo Assumpção, que denunciou o racismo na ginástica olímpica.

O caso dele é um caso típico. Ele sofria bullying já há algum tempo no Clube Pinheiros, da elite paulistana, e acabou demitido. Só aí ele veio a público. Porque se viesse antes, seria demitido antes. Eu não exijo heroísmo com o pescoço alheio. Eu sei das minhas circunstâncias, não sei das dos atletas que se submetem. Mas o que aconteceu com ele é o mais comum, infelizmente, entre os atletas negros. Não é diferente das mulheres que hoje tem a coragem de denunciar assédio. Quantas guardaram por 20, 30 anos, por vergonha, o fato de terem sido assediadas? Felizmente estamos vivendo no mundo um momento onde essas coisas estão sendo destampadas. É um processo. De todos os jogadores de futebol brasileiros um dia eleitos o número 1 do mundo, apenas um é branco, o Kaká. Sem nenhuma crítica a ele, o menos genial. Antes dele, Didi, Pelé, Garrincha, Romário, Ronaldo Fenômeno, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho, todos negros. Marta, seis vezes eleita a melhor jogadora do mundo, é negra. (...) Já no panorama dos treinadores brasileiros, é raro ter um negro na primeira divisão. Jamais um treinador negro brasileiro foi técnico da Seleção Brasileira numa Copa do Mundo. O único técnico brasileiro negro que participou de uma Copa do Mundo foi o Didi, à frente da seleção do Peru, em 1970. Quantos presidentes de clube de futebol no Brasil são negros, na primeira divisão? Nenhum. Da segunda divisão: um, eleito vice-presidente que assumiu a presidência do clube quando o titular renunciou. Isso num país que possui 55% de negros.

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Qual a sua aposta para o desenrolar com a polêmica sobre o insulto racista que Neymar declarou ter recebido do zagueiro espanhol Álvaro Gonzalez, do Olympique de Marselha?

No Brasil, especialistas em leitura labial contratados pela TV Globo confirmam que o Neymar foi chamado de “Mono” (“Macaco”, em espanhol). Não se trata de uma leitura que poderia ser considerada “brasileira”. Não estamos mais nesta fase de “puxar sardinha para a nossa brasa”, num caso importante como esse. Pesam contra o Neymar uma série de aspectos: as confusões todas nas quais ele já se meteu; o fato de um dia ele ter dito que não era negro; o próprio comportamento dele durante a partida; chamar o jogador espanhol de “maricón”, o que também é uma atitude deplorável sob todos os aspectos. Mas o que me chamou mais atenção na primeira nota do PSG foi – “o atleta diz que”. Se fosse o Leonel Messi envolvido, o Barcelona diria “Messi que FOI ofendido racialmente”. Não se coloca em dúvida a palavra do atleta. Infelizmente o histórico do Neymar justifica esse cuidado. As imagens através das quais os especialistas em leitura labial chegaram à conclusão em que há o xingamento de “Mono” estão à disposição das autoridades francesas. Existem condições tecnológicas e especialistas que possam dar um veredito. Está demorando muito, e quando demora, a gente sabe que a tendência, principalmente no mundo do futebol, é abafar.

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