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Luis Miguel: defender liberdade de expressão proibindo outros discursos é um tiro no pé

O professor de Ciência Política da UnB Luis Felipe Miguel fez uma defesa veemente da liberdade de expressão, em post em seu Facebook; para Miguel, a liberdade de expressão é muito mais importante para quem quer mudar o mundo do que para quem deseja mantê-lo como está; "Somos nós que precisamos desnaturalizar categorias, difundir informações que estão escamoteadas, desconstruir valores dominantes, mostrar alternativas", diz; "Não podemos responder a ataques defendendo a proibição de outros discursos. É dar um tiro do pé. O que nos convém não é o silêncio, mas o debate"

O professor de Ciência Política da UnB Luis Felipe Miguel fez uma defesa veemente da liberdade de expressão, em post em seu Facebook; para Miguel, a liberdade de expressão é muito mais importante para quem quer mudar o mundo do que para quem deseja mantê-lo como está; "Somos nós que precisamos desnaturalizar categorias, difundir informações que estão escamoteadas, desconstruir valores dominantes, mostrar alternativas", diz; "Não podemos responder a ataques defendendo a proibição de outros discursos. É dar um tiro do pé. O que nos convém não é o silêncio, mas o debate" (Foto: Aquiles Lins)
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Por Luis Felipe Miguel, em seu Facebook - Gente de esquerda julga que reagir às ameaças à liberdade de expressão é cair numa armadilha da direita. Estaríamos nos afastando das questões centrais, tipo a entrega do pré-sal e o fim dos direitos trabalhistas, para cuidar de perfumaria.

Não há dúvida de que existe uma ação deliberada para esvaziar debates sobre temas de enorme importância, como o petróleo ou os reais sentidos do que chamam de "reforma trabalhista". Nem por isso a liberdade de expressão é secundária. Ela está de fato ameaçada, como mostram as decisões da justiça proibindo peças e exposições ou perseguindo jornalistas independentes, o cerco ao pensamento crítico na educação, a punição do CNJ a juízes que ousam declarar compromisso com a Constituição, a ação sem freios das milícias fascistoides, como o MBL e outras, a cumplicidade ativa das forças policiais. E ela é um valor essencial. Um país com petróleo e com CLT, mas também com censura, não é o que me motiva.

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A liberdade de expressão é muito mais importante para quem quer mudar o mundo do que para quem deseja mantê-lo como está. Somos nós que precisamos desnaturalizar categorias, difundir informações que estão escamoteadas, desconstruir valores dominantes, mostrar alternativas. Nosso ponto não é impedir que eles falem. Nosso ponto é lembrar que só haverá liberdade de expressão quando nós também pudermos falar - isto é, falar de verdade, não só para as nossas bolhas, mas com acesso pleno ao debate público e aos meios de ampla difusão dos discursos. Nossa bandeira não é o cerceamento do debate, mas a ampliação da sua pluralidade.

Claro que é um absurdo que museus estejam sob ataque, que um seminário sobre o centenário da Revolução Russa tenha sofrido agressão, que tentem impedir que Judith Butler fale no Brasil. Não gosto da linha de defesa de quem diz que o seminário era "acadêmico", não "comunista", ou que Butler é uma "pensadora respeitada em todo o mundo". E daí? Se o seminário não fosse sobre, mas em exaltação à Revolução de 1917, teria também todo o direito de ocorrer. Butler é de fato uma teórica central em nossos dias (gosto bastante de sua obra recente, humanista, quase kantiana, e bem menos da Butler da teoria queer, mas não dá para negar que ela é incontornável tanto num caso quanto no outro). Mas ela poderia falar igual se fosse uma pesquisadora obscura de uma faculdade isolada do interior do Nepal.

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Não podemos responder a esses ataques defendendo a proibição de outros discursos. É dar um tiro do pé. O que nos convém não é o silêncio, mas o debate.

"Liberdade é sempre a liberdade de quem pensa de modo diferente. Não por fanatismo pela 'justiça', mas porque tudo quanto há de vivificante, salutar, purificador na liberdade política depende desse caráter essencial e deixa de ser eficaz quando a 'liberdade' se torna privilégio". Essas palavras, que poderiam ser atribuídas talvez a um liberal como Stuart Mill, são de Rosa Luxemburgo, pensadora marxista de primeira linha, de compromisso revolucionário inatacável, heroína comunista e mártir da classe trabalhadora. Como ela, eu quero, sim, o fim da exploração e da alienação, o fim da propriedade privada, se possível de toda a economia monetária, sem com isso abrir mão das liberdades e dos direitos individuais. Meu problema com o liberalismo não é seu ideal de autonomia pessoal, mas sua incapacidade de persegui-lo de forma consequente, incorporando à sua narrativa as relações de dominação e as opressões estruturais.

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Falou-se muito, nos últimos dias, da confusão na UFPE em torno do filme sobre Olavo de Carvalho. Pelas informações mais confiáveis, não houve tentativa de impedir a exibição do filme sobre o astrólogo. O que se tentou foi promover paralelamente a exibição de outro filme, sobre a resistência ao golpe, o que me parece adequado e inteligente. Os neofascistas não aceitaram e partiram para o ataque; um deles, ao menos, armado com um soco inglês.

Acho que os principais desafios vêm de uma parte da chamada "esquerda identitária", que parece buscar um poder de veto sobre os discursos públicos cujo resultado líquido é minar qualquer base para a defesa da liberdade de expressão. Afinal, argumentos similares são usados desde sempre pela direita - a peça sobre Jesus estrelada por Renata Carvalho pode ferir a sensibilidade de cristãos conservadores tanto quanto o filme de Daniela Thomaz pode ferir a sensibilidade de militantes negros preocupados com a memória histórica da escravidão no Brasil. Não vi o filme, mas achei arrasadora a crítica que Inácio Araújo fez a ele - e muitíssimo débeis os argumentos que a diretora esgrimiu a seu favor. Mas acho que ganhamos muito mais com esse debate do que com a suspensão da exibição do filme, como alguns chegaram a propor. O mesmo vale para muitas outras da polêmicas identitárias que nos engolem nos últimos tempos. Elas, sim, me parecem um diversionismo nefasto.

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Isso não significa erigir, como fazem alguns ultraliberais pretensamente desinteressados, a liberdade de expressão como valor supremo e indiscutível. Primeiro, ela tem sua vigência diferenciada de acordo com o campo em que se insere. Jornalistas precisam de liberdade de expressão, mas não para inventar suas notícias. Pesquisadores precisam de liberdade de expressão, mas não para falsificar dados. Professores precisam de liberdade de cátedra, mas isso não os exime de construir, com seus estudantes, os conteúdos programáticos necessários (o que os obscurantistas do Escola Sem Partido fingem não entender). O discurso publicitário, manipulador por definição e que não agrega nenhum valor social relevante, se submete a regras bem mais estritas do que a arte ou a política.

Também há situações em que a liberdade de expressão precisa ser calibrada para garantir a preservação de outros direitos. Por exemplo, a prevalência de comentários ou chistes racistas, sexistas ou homofóbicos, mesmo que "leves", em espaços de trabalho ou educação representa uma forma de assédio moral e precisa ser coibida.

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Por fim, há o caso de discursos de ódio, que incitam a inferiorização e a violência contra grupos de pessoas. O supremacismo branco, a homofobia ou a banalização do estupro servem de exemplos. Mas da afirmação geral para os casos particulares há uma distância nem sempre fácil de ser trilhada, sobretudo porque, em muitos casos, os discursos guardam ambiguidades e permitem leituras diversas. Em especial nas manifestações artísticas: a mimetização de um discurso racista, numa obra literária, é um endosso ou uma denúncia?

Por isso, creio que a liberdade de expressão deve prevalecer como padrão. Para revogá-la, só quando o caso está além da dúvida razoável, tipo Bolsonaro, Alexandre Frota, Danilo Gentili, Rafinha Bastos. Só que não são esses que estão na mira, no Brasil em que vivemos.

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