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Mundo

Luto de 9 dias em Cuba é para valer

"O luto de nove dias pela morte do 'comandante', como Fidel Castro é chamado aqui, é levado a sério e não se limita a bandeiras a meio pau. Casas noturnas não funcionam, o tradicional Floridita está fechado, assim como o balcão da Bodeguita onde litros de mojito são vendidos por minuto. Os turistas estão assistindo a um momento histórico, mas não sentem Havana exatamente como ela é", screve o jornalista Hélio Doyle, de Havana, sobre a comoção gerada pela morte de Fidel Castro

MOSCOW, RUSSIA - NOVEMBER 26, 2016: Flowers at the Cuban Embassy in Moscow in memory of Cuba's revolutionary leader and former president Fidel Castro. (Foto: Leonardo Attuch)
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Por Hélio Doyle, de Havana

Quem conhece Havana sabe que a capital de Cuba é uma cidade alegre. Há sempre o som de alguma música por onde se caminha. Vem das casas, dos bares e restaurantes, dos músicos de rua. Os cubanos, geralmente expansivos, falam em voz alta. Pois Havana, desde sábado e até este domingo, é uma cidade sem música e de pessoas comedidas nas falas e nos gestos.

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O luto de nove dias pela morte do "comandante", como Fidel Castro é chamado aqui, é levado a sério e não se limita a bandeiras a meio pau. Casas noturnas não funcionam, o tradicional Floridita está fechado, assim como o balcão da Bodeguita onde litros de mojito são vendidos por minuto. Os turistas estão assistindo a um momento histórico, mas não sentem Havana exatamente como ela é.

Na terça-feira muitos habaneros foram dormir já na madrugada, pois o enorme ato em homenagem a Fidel na Plaza de la Revolución acabou tarde. Na quarta-feira, muitos acordaram bem cedo para ver passar o cortejo que saiu às 7h do Ministério das Forças Armadas levando as cinzas de Fidel rumo a Santiago de Cuba, a segunda cidade mais populosa, a quase mil quilômetros de distância. Amanhã haverá outro grande ato em homenagem a Fidel, em Santiago, e no domingo as cinzas serão depositadas no cemitério da cidade. Aí acaba o luto.

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As avenidas de Havana pelas quais passou o cortejo estavam cheias desde 5h da madrugada. Por todo o percurso a caminho de Santiago, nesses dois dias, repetiram-se as cenas vistas na capital: gente de todas as idades, muitos com bandeiras. Há visível emoção quando passa o jipe levando a urna coberta com o pavilhão cubano. Muitos choram. aberta ou discretamente, especialmente os mais velhos, que viveram os tempos de luta contra a ditadura de Batista e os primeiros anos do governo revolucionário. Mas praticamente todos aplaudem, gritando "Fidel", "todos somos Fidel" e "yo soy Fidel".

Passado o féretro pelas avenidas de Havana, na quarta-feira, a multidão se dissolveu, rumo a suas rotinas. A cidade, que desde sábado parecia viver um feriado prolongado, com enorme fila para homenagear Fidel no monumento ao herói nacional José Martí e as ruas quase vazias, voltou a ter movimento. Mas sem música.

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Nem paraíso nem inferno

Não se pode, é óbvio, falar em unanimidade de sentimentos. Há cubanos, especialmente mais jovens, indiferentes à morte de Fidel. Há os que comemoram bem discretamente, e não por medo de serem reprimidos -- pois são conhecidos oposicionistas que vivem em Cuba -- mas para não desafiar ou provocar a grande maioria que, de alguma maneira, literal ou figurada, mais intensamente ou menos, chora por Fidel.

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Uma boa definição de Cuba é de que está longe de ser o paraíso cantado por alguns, mas não é o inferno visto por outros. É um país com alto índice de desenvolvimento humano, reconhecidas conquistas na saúde, na educação e na proteção social, sem miseráveis e moradores de rua. Mas é um país pobre e com imensas carências em inúmeras áreas, consequência de erros políticos e econômicos cometidos ao longo dos anos mas, em grande parte, causadas pelo bloqueio econômico decretado pelos Estados Unidos em 1962.

Se Cuba fosse o inferno que pintam, o sistema e o governo não teriam sobrevivido ao fim da União Soviética, à crise econômica que nos anos 1990 levou a uma queda de 35% no PIB e de 75% no comércio exterior e às ofensivas patrocinadas pelos Estados Unidos para desestabilizar o regime. E o governo não se arriscaria a promover nove dias de eventos fúnebres, com as cinzas de Fidel cruzando o país e juntando multidões que poderiam se animar a demonstrar suas insatisfações e se revoltar.

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O que protege a "Revolução", que é como se designa o regime, é sua base social ampla. Fidel foi fundamental para formá-la e mantê-la por 57 anos, mesmo formalmente fora do poder. Há muitas explicações, ideológicas e pragmáticas, para a existência dessa base. Desde a incorporação cultural do pensamento socialista até o temor que muitos têm de perder conquistas caso volte o capitalismo -- entre as quais os sistemas gratuitos de saúde e educação ou as propriedades desapropriadas dos que foram para Miami. Mas há muitas outras razões, como o método de direção de Fidel, substancialmente diferente do que existia na União Soviética e em países da Europa Oriental.

Parece paradoxal então que a população esteja insatisfeita, de alguma forma e em diferentes graus, e não deixe de expressar suas críticas. A questão, geralmente ignorada pelos que não entendem Cuba, é que a maioria dos insatisfeitos quer o aperfeiçoamento do sistema e melhores condições de vida, mas não sua queda, seu fim. Entre eles, muitos jovens que, mesmo críticos, não hesitam em se manifestar em defesa do sistema, mas pregando mudanças. E há, claro, os oposicionistas que sonham com a derrubada do regime e a volta do capitalismo.

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Esses últimos, em Cuba, não passam de 10% da população, e há fundamentos para demonstrar isso, entre os quais os votos nulos e brancos nas eleições. No sistema de voto distrital vigente os verdadeiramente oposicionistas não conseguem sequer eleger um vereador, e já tentaram. Seus líderes não passam nem pelas assembleias, abertas a todos os moradores do distrito, para escolher os candidatos.

A força da oposição está no exterior, especialmente na Flórida. De lá, porém, o máximo que os oposicionistas podem fazer é influir na política dos Estados Unidos em relação a Cuba. O que mantém o bloqueio econômico e prejudica a economia cubana, mas não é suficiente para derrubar o governo.

Nesse aspecto, Fidel pode descansar em paz. Os dirigentes cubanos planejam tudo minuciosamente, por isso puderam anunciar toda a programação dos nove dias de luto poucas horas depois da morte. Assim como planejaram a sucessão do comandante, já têm os detalhes da sucessão de Raúl Castro em 2018. Agora, porém, terão de levar em conta o novo e ainda obscuro cenário traçado pela eleição de Donald Trump.

Fidel sobreviveu no poder a 11 presidentes dos Estados Unidos, mas Raúl terá de enfrentar Trump, no momento em que os cubanos pedem mudanças no país, sem o apoio do irmão.

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