Mundo aponta EUA como principais suspeitos de sabotagem dos gasodutos Nord Stream, mas mídia esconde, diz Jeffrey Sachs
“Estamos entrando na era geopoliticamente mais instável em muitas décadas. Estamos entrando na primeira hiperinflação em mais de 40 anos”, diz o economista
Artigo de Tim Hains no site Real Clear Politics. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247
Um apresentador da TV Bloomberg reagiu contra o economista Jeffrey Sachs, da Universidade de Columbia (NYC) nesta segunda-feira (03.10.22) quando ele sugeriu que os EUA e a Polônia provavelmente estão por trás da destruição do gasoduto Nord Stream.
“Muitos no mundo estão assistindo com horror a estes eventos”, disse Sachs. “Eles veem isto como um confronto horrível entre a Rússia e os EUA. Eles não veem isso – como nós o vemos nas mídias [corporativas dos EUA] – como uma ataque não-provocado da Rússia à Ucrânia.”
“A maior parte do mundo não vê isso da maneira como você a descreve. A maior parte do mundo está simplesmente aterrorizada neste momento, francamente”, adicionou.
“A economia europeia está sendo golpeada pelo repentino corte de energia. E agora, para torná-lo definitivo, a destruição do gasoduto Nord Stream (que eu apostaria que foi uma ação dos EUA, talvez dos EUA e da Polônia). Isto é especulação.”
Sachs disse: “Eu sei que isso vai contra a nossa narrativa, não é permitido que se diga estas coisas no Ocidente, mas o fato é que em todo o mundo, quando eu falo com as pessoas, eles pensam que os EUA o fizeram. Até mesmo os repórteres dos nossos jornais que estão envolvidos nisso me dizem 'obviamente' [os EUA o fizeram], porém isto não aparece nas nossas mídias corporativas”.
Transcrição parcial da entrevista
JEFFREY SACHS: Eu fui atacado pela revista The Atlantic por estar do lado da paz. E eu confesso: eu estou do lado da paz. Fico muito preocupado de que nós [os EUA] estejamos no caminho da escalada da guerra nuclear, nada a menos do que isto.
A Rússia sente que esta guerra está no cerne dos seus interesses de segurança. Os EUA insistem que farão qualquer coisa para apoiar a Ucrânia para derrotar a Rússia. A Rússia vê isto como uma guerra por procuração com os EUA. Sejá lá o que for que se pense sobre isso, este é o caminho da escalada extraordinária e perigosa.
[...]
Muitos no mundo estão assistindo estes eventos com horror, e grande parte do mundo não gosta desta expansão da OTAN – que eles interpretam como estando no cerne disso. Eles querem ver um acordo entre os EUA e a Rússia.
Em um voto após o outro na ONU, basicamente, têm sido os países ocidentais que votaram a favor de sanções e denúncias, e outras ações. Enquanto a maior parte do mundo – e certamente a maior parte do mundo, se contados por população – está nas laterais. Eles veem isto como um confronto horrível entre a Rússia e os EUA. Eles não veem isso como nós o vemos nas mídias [dos EUA], como um ataque não-provocado da Rússia à Ucrânia.
Qualquer um nos EUA pensa: “Bem, o que mais pode ser isto?” Porém, isto se deve à maneira como as nossas mídias têm reportado isso. Este conflito remonta há muito tempo, ele não começou em 24 de fevereiro de 2022. Na verdade, a guerra propriamente dita começou em 2014 – não em 2022 – e até isso teve antecedentes.
A maior parte do mundo não vê isso da maneira como nós a descrevemos. A maior parte do mundo está simplesmente aterrorizada agora, francamente.
É inacreditável ouvir, por um lado, que eles usarão armas nucleares se tiverem que fazê-lo, enquanto o outro lado diz: “Vocês não nos amedrontam.”
[…]
A Europa se encontra num declínio econômico muito, muito agudo. O declínio agudo na produção e nos níveis de vida também se mostram como uma elevação de preços, mas o fator principal é que a economia europeia está sendo golpeada pelo repentino corte de energia.
E agora, para torná-lo definitivo, vem a destruição do gasoduto Nord Stream (o qual eu aposto que foi uma ação dos EUA e talvez dos EUA e da Polônia). Esta é uma especulação.
BLOOMBERG: Jeff, nós temos que interromper [a entrevista] agora. Por que você sente que isso foi uma ação dos EUA? Que evidências você tem disso?
JEFFREY SACHS: Bem, em primeiro lugar, há evidências diretas do radar que helicópteros militares estadunidenses – que estão normalmente localizados em Gdansk [Polônia] estavam circulando sobre esta área. Também tivemos a ameaça dos EUA anteriormente, neste ano, que “de uma maneira ou de outra, nós vamos acabar com o gasoduto Nord Stream.”Também tivemos uma declaração digna de nota do Secretário [de Estado dos EUA] Blinken, numa conferência de imprensa, na sexta-feira, na qual ele disse: “Esta também é uma tremenda oportunidade”. Esta é uma maneira estranha de falar se você estiver preocupado com a pirataria de uma infraestrutura internacional de vital importância.
Eu sei que isto vai contra a nossa narrativa, não se pode dizer estas coisas no Ocidente; mas o fato é que, no mundo todo, quando eu falo com as pessoas, elas pensam que os EUA o fizeram. Até mesmo os repórteres dos nossos jornais que estão envolvidos me dizem “obviamente” [os EUA o fizeram], mas isto não aparece nas nossas mídias.
[Sobre a falta de confiança nas mídias e no governo dos EUA]
O maior problema é que nós temos conflitos geopolíticos maiores – não somente os EUA e a Rússia, mas também os EUA e a China. De novo, com uma quantidade tremenda de provocações vindas do lado dos EUA, assim nós estamos rompendo com qualquer sentido de estabilidade neste momento. Por ora, muitos na Europa estão dizendo que os EUA são os seus aliados mais próximos e que eles precisam aguentar; mas, veja o que está ocorrendo politicamente. Agora há convulsões na Europa, em um país após o outro. Estamos entrando em um período de enorme instabilidade. E estamos instáveis nos EUA agora também. Passamos por uma insurreição [invasão ao Congresso em 6 de janeiro de 2021] e ainda não a superamos.
Assim, estamos entrando na era geopoliticamente mais instável em muitas décadas. Estamos entrando na primeira hiperinflação em mais de 40 anos. E estamos entrando na primeira escalada em direção ao precipício nuclear em 60 anos. Há exatamente 60 anos neste mês, houve a crise dos mísseis cubanos. Este é o momento mais perigoso desde a crise dos mísseis cubanos.
Esta é uma sobrecarga extraordinária e não vemos qualquer tentativa de abafá-la ou de aquietá-la. A cada dia, trata-se de escalada – nós vamos vencer o outro lado, nós temos os nossos direitos, nós podemos defender o que queremos. Nós temos a presidenta [da Câmara Federal dos Representantes dos EUA] Pelosi voando para Taiwan. Nós temos tantas provocações em meio a uma enorme instabilidade.

*Jeffrey D. Sachs é professor universitário e diretor do Centro para o Desenvolvimento Sustentável (Center for Sustainable Development) da Universidade de Columbia (New York) – onde ele dirigiu o Earth Institute (Instituto da Terra) entre 2002 e 2016. Ele é o presidente da Rede de Soluções Sustentáveis de Desenvolvimento da ONU (UN Sustainable Development Solutions Network), presidente da Comissão de COVID19 da Lancet, copresidente do Conselho de Engenheiros para a Transição Energética (Council of Engineers for the Energy Transition), Comissário da Comissão para o Desenvolvimento da Banda Larga da ONU (UN Broadband Commission for Development), acadêmico da Pontifícia Academia de Ciências Sociais do Vaticano (Pontifical Academy of Social Sciences at the Vatican), e Professor Emérito Tan Sri Jeffrey Cheah da Universidade de Sunway. Ele serviu como Conselheiro Especial de três secretários-gerais da ONU e atualmente serve como Advogado das Metas Sustentáveis de Desenvolvimento (SDG – Sustainable Development Goals) da ONU, trabalhando sob a direção do atual secretário-geral da ONU, António Guterres. Ele passou vinte anos como professor da Universidade de Harvard, onde recebeu os seus títulos de bacharelado, mestrado e doutorado. Sachs foi agraciado com 40 doutorados honorários e os seus prêmios recentes incluem o Prêmio Tang de 2022 para o Desenvolvimento Sustentável; a Legião de Honra, por decreto do presidente da República Francesa; e a Ordem da Cruz do Presidente da Estônia. O seu livro mais recente é 'The Ages of Globalization: Geography, Technology, and Institutions' (2020).
