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Novo papa é escolhido em meio a um Brasil laico parado

Especificando: por que permitir que se construa uma estátua do Cristo, e não a do Buda? Por que inaugurar um logradouro público com o nome de Praça da Bíblia e não Praça do Alcorão?

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O novo Papa se escolhe. Boa parte do mundo para e o anúncio se faz com uma certa dose de surpresa. Escolhe-se um latino, o argentino Bergoglio, Papa Francisco, apenas Francisco, com idade superior ao que se imaginava (76 anos), e que esperamos todos, apto a romper com os dogmas retrógrados incompatíveis com as realidades hodiernas. O primeiro Papa latino-americano, um primeiro jesuíta. O primeiro que por origem deve romper a fortaleza e a riqueza da Igreja e se misturar aos seus seguidores de fé.

De fato, o Brasil parou. Laico, devo lembrar de antemão, assim é considerado, e disso discorrerei, é o Estado, aos particulares rege a liberdade religiosa, por isso se emissoras televisivas privadas modificam suas grades para mostrar o anúncio do novo Papa, não cabe qualquer insurreição por parte de qualquer outra crença, foi legítimo e funcionou dentro do campo privado da liberdade religiosa.

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A Constituição brasileira de 1824 estabelecia em seu artigo 5º: "A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do Templo".

A atual Constituição não repete tal disposição, nem institui qualquer outra religião como sendo a religião oficial do Estado. Ademais estabeleceu em seu artigo 19: "É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público."

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Nestes termos, o Estado brasileiro foi caracterizado como laico, palavra que, conforme o dicionário Aurélio, é sinônimo de leigo e antônimo de clérigo (sacerdote católico), pessoa que faz parte da própria estrutura da Igreja. Neste conceito, Estado leigo se difere de Estado religioso (confessional), no qual a religião faz parte da própria constituição do Estado. São exemplos de Estados religiosos o Vaticano, os Estados islâmicos e as vizinhas Argentina e Bolívia, em cujas constituições dispõem, respectivamente: "Art. 2. El Gobierno Federal sostiene el culto Católico Apostólico Romano" – "Art. 3. Religion Oficial – El Estado reconoce y sostiene la religion Católica Apostólica y Romana. Garantiza el ejercício público de todo otro culto. Las relaciones con la Iglesia Católica se regirán mediante concordados y acuerdos entre el Estado Boliviano y la Santa Sede".

Ser a Argentina um Estado confeicional católico inserido na América Latina onde o rebanho anda mudando de cercado certamente revelou-se um ponto fulcral para a opção por um papa argentino. Argentina, único país latino que se mantém fiel entre os fieis a seita católica.

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Hodiernamente, a expressão Estado laico vem sendo utilizada no Brasil como fundamento para a insurgência contra a instituição de feriados nacionais para comemorações de datas religiosas, a instituição de monumentos com conotação religiosa em logradouros públicos e contra o uso de símbolos religiosos em repartições públicas. Até mesmo a expressão "sob a proteção de Deus", constante no preâmbulo da Constituição da República não escapou de críticas.

É importante ressaltar que o conceito de Estado laico não deve se confundir com Estado ateu, tendo em vista que o ateísmo e seus assemelhados também se incluem no direito à liberdade religiosa. É o direito de não ter uma religião conforme os ensinamentos Pontes de Miranda: "liberdade de crença compreende a liberdade de ter uma crença e a de não ter uma crença".

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Assim sendo, confundir Estado laico com Estado ateu é privilegiar esta crença (ou não crença) em detrimento das demais, o que afronta a Carta Magna, já que ser ateu é apenas uma das formas de liberdade religiosa.

A Constituição da República apesar do disposto em seu artigo 19, inciso I, protege a liberdade de crença, o livre exercício dos cultos religiosos e o faz da seguinte forma:

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Art. 5. VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:VI - instituir impostos sobre: b) templos de qualquer culto;
Art. 210 § 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.
Art. 213 - Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas
Art. 226 § 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

Além das formas de assunção colaborativa estatal especificadas no texto constitucional, o próprio artigo 19, inciso I estabelece, de forma genérica, que no caso de interesse público, havendo lei, os entes estatais podem colaborar com os cultos religiosos ou igrejas, bem como não pode lhes embaraçar o funcionamento.

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Por estas razões, para alguns, mais adequado do que chamar a República Federativa do Brasil de Estado laico seria chamá-la de Estado plurirreligioso, que aceita todas as crenças religiosas, sem qualquer discriminação, inclusive a não crença. Mas não é assim que tratamos oficialmente a questão nos termos da lei. Em verdade poder-se-ia asseverar que o Brasil está em um processo de laicização, já que, de fato, ainda há um certo grau de privilégio ao Cristianismo. O Estado brasileiro possui tratados com o Vaticano como o livre acesso às terras indígenas para catequização, há o ensino religioso (cristianismo) em escolas públicas, forma de uso de dinheiro público que não se deveria mais permitir em um país laico na forma da ordem posta. Há de fato distorções outras nesta progressiva laicização, mas dadas estas considerações passemos a considerar o Brasil um Estado laico para fins de melhor compreensão do artigo.

Questão interessante surge na concepção de Estado plurirreligioso, a respeito da forma a ser utilizada pelo Estado, em certas ocasiões, de optar pelo culto de determinada crença religiosa, quando isso implica em afastar outra. Especificando, por que permitir que se construa uma estátua do Cristo, e não a do Buda? Por que inaugurar um logradouro público com o nome de Praça da Bíblia e não Praça do Alcorão? E por que não deixar de construir um monumento com conotação religiosa, com o fim de não ofender a consciência dos não crentes e a dos crentes de outras seitas?

Somos de opinião que este impasse deve ser resolvido através da interpretação sistemática do texto constitucional.

Assim dispõe a Constituição da República em seu artigo 1º: "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito(...)Parágrafo único - Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".

Afirma a doutrina que o princípio da maioria, juntamente com os princípios da igualdade e da liberdade, é princípio fundamental da democracia. Aristóteles já dizia que a democracia é o governo onde domina o número. Embora a democracia que desrespeita suas minorias é, de fato, uma democracia capenga, caolha e de certa forma parcialmente omissa.

Destas considerações, sustentam alguns, embora o Estado deva dispensar tratamento igualitário a todas as religiões, bem como deixar que funcionem livremente, com base no princípio da maioria, poder optar, quando necessário for, por determinada crença, como por exemplo na ocasião de instituir um feriado, de construir um monumento em logradouro público, de utilizar a expressão "Deus seja louvado" que consta no papel moeda em curso, bem como elaborar sua legislação tomando como base as orientações doutrinárias de um determinado credo, nisto incluindo questões polêmicas como aborto, uso de células de embriões humanos e união homoafetiva.

Particularmente discordo em parte, melhor a interpretação de não se privilegiar qualquer das crenças de fé como forma de não se amesquinhar-se na democracia das maiorias, mas lograr prestígio a uma democracia plural de respeito às minorias, com iguais privilégios e restrições.

Sustentam que tal posicionamento ao qual não adiro não visa beneficiar a Igreja Católica, cuja predominância no Brasil se deve às razões culturais e históricas decorrentes do processo de colonização que deu origem ao povo brasileiro maciçamente composto por descendentes de europeus católicos, além do fato de já ter sido religião oficial do país por mais de trezentos anos. Em vista disto, é perfeitamente natural, sustentam, que sendo a maioria da população brasileira católica, que o culto católico tenha maior atenção estatal que os demais. Salientam que o que determina a preferência estatal por determinado credo é a vontade majoritária popular, que não obstante às razões históricas, pode se modificar, mormente como se vê nos tempos atuais em que as seitas evangélicas vêm ganhando força política, importando até mesmo na eleição de representantes.

Novamente ouso divergir, não é uma maioria ou minoria que irá fazer o Estado inclinar-se mais a uma ou outra seita. A posição Estatal deve ser de neutralidade, segundo os termos de nossa Lei Maior.

Embora o Estado deva respeitar e proteger os não crentes e os crentes de outros cultos, sustentam inadequado o Estado suprimir de seu ofício qualquer alusão a determinado culto religioso, ou deixar de colaborar com este por causa de uma minoria insatisfeita, que tem toda a liberdade, constitucionalmente assegurada, de pregar a sua crença ou não crença, com o fim de conquistar novos adeptos, bem como eleger seus representantes para que defendam seus interesses perante o Estado. Em parte discordo, pois entendo que o Estado não deve em momento algum prestigiar mais uma que outra fé. A preferência deve ser franqueada ao particular, jamais ao Estado que se define como laico e que não por isso deixa de ser plurirreligioso por aceitar com igualdade de respeito e prerrogativas todas as crenças e não crenças.

Sustento que as imagens referentes a dada religião em espaços públicos devam sim ser mantidas em uma espécie de direito adquirido além do fato de muitas delas apresentarem conotação de arte, não havendo razão para delas sonegar, pois estaríamos sonegando nossa história, já que um dia formamos um Estado confeicional.

Por fim, vale também colocar que, de acordo com o artigo 19, inciso I da Constituição, é vedado ao Estado embaraçar o funcionamento dos cultos religiosos. Tal informação tem grande relevância, principalmente em face de situações concretas em que se postula ao Poder Judiciário pretensões no sentido fazer com que determinada religião haja em desconformidade com a sua doutrina, na maioria das vezes para satisfazer um capricho. Exemplo mais comum é pretender que a Igreja Católica realize casamento de pessoas divorciadas, o que vai de encontro com a sua doutrina que não reconhece o divórcio e veda a duplicidade de casamentos. Da mesma forma seria incabível a imputação do delito previsto no artigo 235 do Código Penal, no caso de religiões que permitam a prática da poligamia, desde que a multiplicidade de casamentos se restrinja ao âmbito da religião, sendo que estes casamentos não deverão produzir efeitos para o direito civil pátrio, por afrontar os princípios constitucionais que tratam da família. Nos demais casos, a intervenção estatal nos cultos religiosos deve se reger, como já foi aduzido, através de uma interpretação sistemática e harmônica do texto constitucional.

Do exposto, retornando-se a temática papal, espera-se uma autoridade religiosa disposta a reflexão e com força suficiente para propor a revisão de alguns dogmas eclesiásticos para que ao catolicismo seja referendado a credibilidade perdida diante da sociedade inserida em um mundo moderno. Espera-se uma igreja mais transparente, à semelhança do que se espera de um Estado bem administrado, que se apresente menos tolerante com os desvios de finalidade dos membros que a compõe. A igreja não poder continuar a representar um perigo em potencial a incolumidade sexual de seus púberes e impúberes fieis... Em assim permanecendo seus rebanhos continuarão no processo de mudança de cercado.

Sobre o novo papa correm sérias acusação fundadas em provas de que a Igreja Católica por sua figura teria se utilizado de uma larga venda nos olhos em época de ditadura na Argentina e acatado com complacência as decisões de um Estado ditador. Padres vocacionados a causa dos pobres sumiram sob os olhos dadivosos do novo Papa, um jesuíta que se adequou muito bem às imposições de Estado absolutista. Saliente-se que este, em regra, foi o papel da Igreja Católica ao londo da história, quando não no poder político irmanada a ele. Talvez essa particularidade do novo papa também haja corroborado para sua escolha, bem inserido no papel histórico da Igreja Católica que de seus métodos se insurgir.

Afinal, que papa é esse que se elegeu? O Papa jesuíta protetor dos pobres ou o parceiro por subserviência de Estados autoritários? O tempo nos dirá.

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