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Obama contra Guantánamo: amnésia ou cinismo?

O presidente americano tem recurso para mudar a situação atual. O povo confia nele. Mais difícil será dobrar a oposição política e militar. Mas não impossível, como diz seu próprio slogan: Yes we can

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"A ideia de que nós ainda mantemos presos para sempre indivíduos que não foram julgados é contrária a quem nós somos, é contrária a nossos interesses e tem de acabar".

Estas palavras do presidente Obama, numa entrevista à imprensa na Casa Branca, são realmente estranhas.

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Não pelo seu conteúdo, que é certamente elogiável, mas por terem partido dele.

Afinal, o próprio Obama contribuiu, e muito, para a continuação de Guantánamo e a permanência indefinida dos ali aprisionados, sem prévio julgamento.

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Foi ele quem assinou uma ordem executiva condenando 46 dos prisioneiros à prisão sem prazo, sob justificação de que não havia provas suficientes para sua condenação num tribunal e eles seriam muito perigosos para serem libertados.

Contra eles só se dispunha de confissões, provavelmente sob tortura, inválidas num julgamento sério. Já para a CIA e o Pentágono, suficientes para comprovar a periculosidade dos elementos e, portanto, a necessidade de impedi-los de saírem livres para novos atentados.

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São justificações muito discutíveis.

Desde o século 13, quando a Magna Carta, imposta ao rei João Sem Terra, estabeleceu que ninguém pode ser condenado à prisão sem julgamento legal, este princípio está nas constituições de todos os países democratas.

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Dificilmente se poderia aceitar a substituição de um julgamento com juiz, júri e advogado de defesa por um parecer da CIA ou do Pentágono, aprovado pelo presidente.

(A propósito, não foi a CIA que garantiu que Saddam Hussein tinha um projeto de armas nucleares?)

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No seu emocionante discurso, Obama foi enfático: é preciso apurar rapidamente as culpas e liberar os inocentes.

Engraçado, isso já foi feito por uma comissão nomeada pelo próprio Obama em 2010.

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Ela concluiu que nada havia contra 89 prisioneiros. Podiam ir embora.

Sabe o que aconteceu com eles?

Continuam em Guantánamo.

Todos eles eram yemenitas e o governo achou que, devido a situação crítica do país, onde a Al Qaeda está muito ativa, não convinha liberar esse pessoal.

Vai ver parte deles, talvez enfurecidos pelo que sofreram em Guantánamo, poderiam juntar-se aos terroristas.

Provavelmente 6%, conforme estatística da New America Foundation, calculada com base no que aconteceu com os libertados, antes de 2010.

Quanto aos 94% restantes, pagam os inocentes pelos pecadores, o que Rosa Brooks, professora de direito e ex-assessora de Obama, considera "uma prática absolutamente inaceitável pelo direito dos países civilizados."

Mesmo assim, Obama recusou-se a liberar os 89 inocentados.

Ainda nesta semana, a Casa Branca apressou-se a esclarecer que a proposta de Obama, feita na sua entrevista, de soltar aqueles contra os quais não houvesse provas, não incluía os yemenitas.

Esses continuarão atrás das grades, apesar de haver um forte movimento no Yemen pedindo sua liberação, apoiado pelo próprio governo do país, por sinal, satélite dos EUA.

Mas não vamos acusar Obama de ser o responsável pela criação da lei da prisão indefinida, sem julgamento, por ordem do presidente, que lastreia a existência de Guantánamo.

O "mérito" é do Congresso, através do National Defense Autorization Act (NDDA), aprovado em fins de 2011 e renovado no ano passado.

Por sinal, Obama até se manifestou contra.

Na hora do vamos ver, longe de vetar, ele assinou, tornando a lei oficial. Não resistiu às pressões do Pentágono e dos congressistas, particularmente do Partido Republicano.

Na verdade, fez mais do que assinar, aprovando.

Como não estava claro se cidadãos americanos estariam à mercê dessa lei, um grupo de jornalistas e intelectuais, entre os quais Noam Sirotsky e Chris Hedges, foi aos tribunais, arguindo sua inconstitucionaliedade.

O Departamento de Justiça, setor do governo Obama, foi com tudo, contestou a ação em diversas instâncias, mostrando o empenho dos advogados do presidente em garantir a prisão indefinida e sem julgamento para todos, inclusive os americanos.

Também no caso da "lista de assassinatos", Obama nega a cidadãos do seu país o privilégio de não serem alvo dos mísseis do seu exército.

Os nomes desta lista são selecionados por Obama, com assessoria da CIA, para serem executados sumariamente no estrangeiro, de preferência por drones (os aviões sem piloto).

Novamente aqui, Obama atua como promotor público, juiz e jurado.

Os carrascos são agentes da CIA e oficiais militares que manobram os drones, através de controles eletrônicos, na caça aos presumidos terroristas.

Comodamente sentados numa base americana, eles, entre uma Coca-Cola e um Milk-Shake, acionam botões e seus drones disparam mísseis, matando suspeitos e também incautos camponeses. Pena, tiveram o azar de estar por perto.

Quem iniciou o lançamento de drones foi o ex-presidente Bush, focando no aliado Paquistão.

Obama simplesmente ampliou o seu uso muitas vezes: primeiro no Paquistão, depois também no Afeganistão, Yemen e Somália.

Por enquanto.

Dizem que o governo parou de internar suspeitos em Guantánamo porque é muito mais eficiente mandar matá-los de uma vez no exterior, via drones.

Em ambos os procedimentos, Obama se coloca acima das leis, papel já desempenhado por alguns governantes como Stalin, Hitler, Pinochet, Trujillo, mais uns poucos senhores da vida e da morte.

Não menciono Átila, Gengis Khan ou Nero porque eles viveram antes da Magna Carta, quando a prisão sem julgamento prévio não era legalmente proibido em muitos países.

Mas, fica uma dúvida: porque Obama diz combater esta postura onipotente, quando, na prática, foi um agente de sua promoção?

Deixo fora a hipótese de um súbito ataque de amnésia, que é um tanto fantasiosa.

Um motivo possível seria limpar sua imagem de presidente liberal diante da comunidade internacional, agora que espocam críticas na ONU.

Juan Mendes, o investigador de torturas da ONU, acaba de relatar que a Casa Branca impede seu acesso aos prisioneiros de Guantánamo.

Navi Pillay, relatora de direitos humanos da entidade, ataca o NDAA, afirmando: "Esta peça de legislação contraria alguns dos mais fundamentais princípios da justiça e dos direitos humanos".

Seria devastador para os EUA sua condenação pelo setor de direitos humanos da ONU, onde, aliás, eles não tem poder de veto.

Alguns observadores acreditam que Obama estaria de olho na greve de fome de mais de 100 prisioneiros de Guantánamo, que está deixando os EUA muito mal na opinião pública internacional. Para eles, o discurso presidencial , propondo o fechamento de Guantánamo, poderia ajudar a convencer os prisioneiros de que a greve era desnecessária.

Por uma razão ou por outra, acho que Obama pode estar iniciando uma campanha para resolver o problema.

Quando ele culpa o Congresso, embora omitindo sua co-responsabilidade, ele tem razão. Alem de pressionarem a Casa Branca, os legisladores aprovaram uma lei, negando recursos para o presidente transferir os presos de Guantánamo para território americano.

É uma barreira que Obama pode muito bem flanquear.

Não acredito que o presidente dos EUA, o homem mais poderoso do planeta, não tenha força para mandar pagar a viagem dos 89 presos já inocentados até seus países de origem.

Seria o primeiro passo para fechar a prisão.

Mas, depois, teria de vencer a artilharia de um congresso profundamente reacionário, apoiado discretamente pelo Pentágono e abertamente por boa parte da imprensa.

Pior do que isso, com a opinião pública contra: em pesquisa de dezembro passado, 70% apoiam a permanência de Guantánamo.

Obama tem recurso para mudar isso. O povo americano confia nele, especialmente agora que a economia começa a reagir.

Mais difícil será dobrar a oposição política e militar.

Mas, não impossível, como diz seu próprio slogan de campanha presidencial: Yes we can.

Nos próximos meses saberemos se esta análise otimista é real ou se o discurso de Obama foi apenas uma tentativa de contar pontos com os liberais dos EUA e de fora.

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