Por que Trump anunciou a retirada dos EUA da Síria?
A jornalista Martha Andrés Román, chefe da sucursal da Prensa Latina nos Estados Unidos, comenta as razões que podem ter levado o presidente Donald Trump a anunciar a retirada das suas tropas do país árabe. Estas oscilam entre o intervencionismo e a política com a qual se elegeu sob o lema 'Os EUA em primeiro lugar'
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247, com Prensa Latina, Por Martha Andrés Román (*) - A decisão do presidente Donald Trump de retirar as tropas estadunidenses da Síria ratifica a posição intervencionista de muitos políticos norte-americanos, a postura nacionalista do mandatário e as contradições dentro de seu próprio Governo.
Reiteradas vezes a nação árabe denunciou a presença dos militares norte-americanos em seu território e os bombardeios da coalizão encabeçada por Washington, que provocaram muitas baixas civis.
Os dois mil soldados estadunidenses enviados à Síria permaneceram nesse país sem ter a permissão de Damasco nem a autorização do Conselho de Segurança da ONU, mas esses motivos não foram esgrimidos pelo mandatário republicano ao anunciar em 19 de dezembro o regresso dos soldados.
De acordo com o governante, o motivo da retirada de suas tropas, algo que já havia assinalado a possibilidade de fazer em abril passado, radica na derrota da organização terrorista Estado Islâmico (EI).
Apesar de toda a campanha ocidental contra o Governo do presidente Bashar al-Assad, e ainda quando ordenou em duas ocasiões o lançamento de mísseis contra alvos desse país sob o argumento de supostos ataques químicos, Trump disse no Twitter que a única razão da presença estadunidense na Síria era enfrentar o EI.
Contudo, tal pronunciamento parece ser desmentido com a postura de muitos políticos norte-americanos, incluindo aliados próximos do presidente, que mostraram sua preocupação pelo impacto que a retirada pode ter sobre o papel estadunidense no Oriente Médio.
Tenho o mesmo sentimento sobre isto que tive no Iraque: com o tempo, não vai funcionar bem, expressou o senador republicano Lindsey Graham, um dos chamados falcões conhecidos por sua retórica a favor do poder militar e seu apoio ao intervencionismo.
O Partido Republicano censurou o ex-presidente Barack Obama (2009-2017) por sua decisão de retirar as tropas do Iraque, e membros do Congresso consideraram que a administração Trump se arrisca a cometer um erro similar na Síria, sob o argumento de que o EI não está completamente derrotado, apesar do que disse o presidente no Twitter.
Graham, assim como os também senadores republicanos Joni Ernst, Tom Cotton e Marco Rubio, a democrata Jeanne Shaheen e o independente Angus King, enviaram uma carta ao chefe da Casa Branca para dizer-lhe que retirar as tropas 'renovaria e alentaria' a organização terrorista na região.
Para além de referir-se ao tema do EI, apontaram que tirar os soldados também seria um erro porque isto deixaria o caminho mais aberto a países que Washington considera uma ameaça para seus interesses na região, como o Irã e a Rússia.
Além de receber a condenação de muitos legisladores, a decisão do chefe da Casa Branca também foi criticada por meios de comunicação e analistas, com manchetes que consideram a medida como 'grave erro', ou um 'presente de Natal para os inimigos dos Estados Unidos'.
Segundo um artigo publicado na página digital da CNN, o presidente anunciou uma decisão impulsiva que sacudiu o mundo, mostrou poucos sinais de equilíbrio, confundiu seus principais assessores, e deixou Washington no caos e na confusão.
Por que então o presidente aposta numa medida que lhe causa tantas desavenças, inclusive com membros da cúpula militar do país, segundo indicam os informes?
São várias as especulações que podem ser feitas a respeito, desde as que associam esse passo a uma tentativa de diversionismo em meio aos não poucos problemas internos que o presidente enfrenta, até as que indicam que com isto o presidente busca cumprir uma de suas promessas de campanha.
De acordo com o jornal Army Times, o anúncio de Trump pode estar vinculado com as tensões entre os Estados Unidos e a Turquia, quando a nação euro-asiática busca levar suas tropas à Siria e os curdos - apoiados até agora por Washington - querem mantê-las afastadas.
Uma confrontação entre os Estados Unidos e a Turquia, oficialmente aliados na Organização do Tratado do Atlântico Norte, criaria uma crise geopolítica no coração da aliança militar mais poderosa do mundo, considerou o jornal.
Daí que outros veículos de mídia se refiram também a um possível entendimento entre Washington e Ancara, embora signifique o abandono dos curdos por parte da administração norte-americana, e mencionem uma conversação telefônica mantida entre o republicano e seu homólogo da Turquia, Recep Tayyip Erdogan.
Ao mesmo tempo, difunde-se a notícia de que o Congresso norte-americano recebeu a notificação de uma possível venda ao Governo turco de 140 mísseis terra-ar Patriot e outros equipamentos pelo valor de 3,5 bilhões de dólares.
Mas talvez o principal motivo da retirada tenha sido dado pelo próprio presidente norte-americano em sua conta do Twitter, e tenha a ver com a política que ele defende de "os Estados Unidos em primemiro lugar, que representa uma agenda nacionalista que já lhe provocou críticas nos planos nacional e internacional.
Os Estados Unidos querem ser a polícia do Oriente Médio, não ganhar nada, perder vidas preciosas e bilhões de dólares para proteger outros que, em quase todos os casos, não apreciam o que estamos fazendo? - perguntou em uma tuitada na última quinta-feira (20).
Anteriormente, ao promover planos domésticos de sua administração, o chefe de Estado já tinha questionado o dinheiro que seu país destina a outros lugares do mundo, e em fevereiro passado manifestou que gastaram 'estupidamente' sete trilhões de dólares nessa região.
Para justificar seu passo mais recente, indicou que a Rússia, o Irã e a Síria estavam descontentes pela saída dos militares norte-americanos, já que não queriam lutar sozinhos contra o EI, apesar de que o próprio presidente russo, Vladimir Putin, celebrou o anúncio e sublinhou que a presença estadunidense não era necessária.
De acordo com o jornal Los Angeles Times, a ordem de retirada coincide com a marca política de Trump, que foi aplaudido quando atacou líderes anteriores que 'se comprometeram com a construção de uma nação no estrangeiro, enquanto não conseguiram construir nossa nação em casa', como indicou em um discurso de 2017.
Por seu turno, a rede Fox News, habitual porta-voz e defensora das posições do presidente, considerou que talvez a conquista mais importante deste movimento na Síria seja o menos comentado. 'Ao afastar-se lentamente dos combates em lugares que se estendem desde o Afeganistão à Líbia, pode focar mais nosso poder militar na principal ameaça aos Estados Unidos no mundo: a China', considerou um artigo publicado na página digital da emissora.
*Chefe da sucursal da Prensa Latina nos Estados Unidos; tradução de José Reinaldo Carvalho, editor de Brasil 247 e membro do projeto Jornalistas pela Democracia
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