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Oásis

Papa Francisco tem um projeto político para a América Latina

Entrevista com Francisco Mele, um dos amigos mais próximos de Jorge Bergoglio e seu sucessor na cátedra de psicologia: "Ele é um grande estrategista. Não podemos saber quais surpresas ele nos reserva para amanhã. Nem Deus sabe o que se passa na cabeça de um jesuíta"; segundo Mele, "Francisco é o primeiro papa bolivariano da história. A sua visão geopolítica é a de Simon Bolívar, o Libertador: unir a América Latina para fazer dela um ente econômico autônomo e um ator independente no palco do mundo: a Pátria Grande"

Entrevista com Francisco Mele, um dos amigos mais próximos de Jorge Bergoglio e seu sucessor na cátedra de psicologia: "Ele é um grande estrategista. Não podemos saber quais surpresas ele nos reserva para amanhã. Nem Deus sabe o que se passa na cabeça de um jesuíta"; segundo Mele, "Francisco é o primeiro papa bolivariano da história. A sua visão geopolítica é a de Simon Bolívar, o Libertador: unir a América Latina para fazer dela um ente econômico autônomo e um ator independente no palco do mundo: a Pátria Grande" (Foto: Gisele Federicce)
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Entrevista a Lucio Caracciolo, La Repubblica, Itália

"Francisco é o primeiro papa bolivariano da história. A sua visão geopolítica é a de Simon Bolívar, o Libertador: unir a América Latina para fazer dela um ente econômico autônomo e um ator independente no palco do mundo: a Pátria Grande" - Assim fala Francisco Mele, psicoterapeuta argentino, docente em diversas universidades italianas e latino-americanas, amigo de longa data de Jorge Mario Bergoglio e seu sucessor como professor de psicologia no Colégio Universitário Salvador, em Buenos Aires, um dos principais centros de formação da classe dirigente argentina, dirigido pelos jesuítas.

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Mele conhece Bergoglio muito bem, seu percurso teológico e cultural, suas paixões e habilidades políticas. São amigos há muito tempo. Nesta entrevista, pedimos a ele que traçasse um perfil geopolítico-teológico de Papa Francisco.

LC - Todos se referem a Francisco como o "papa argentino". Mas sugere que o horizonte político do pontífice seja muito mais vasto: os Estados Unidos da América Latina, a utopia de Bolívar recentemente reencarnada por Hugo Chávez.
FM - Esse papa representa a voz da América Latina. Ele não é apenas um patriota argentino, talvez um peronista. Como ele mesmo gosta de afirmar, ele fala por todos os povos instalados entre o Rio Grande e a Terra do Fogo. Povos historicamente unidos pela língua espanhola e pela religião católica. É a Hispano-América que, com a presença do Brasil lusófono, torna-se América Latina. Não a caso sua recente viagem ao Brasil alcançou tanto sucesso: as pessoas sentiam que aquele pastor vestido de branco era um dos seus, um latino-americano. Não fosse assim, um argentino não teria nunca sido aclamado pelos brasileiros, bem ao contrário...

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O último papa a ter um projeto político foi João Paulo II, que desejou e soube reunificar a Europa para que ela voltasse a "respirar com dois pulmões". Também Francisco tem, portanto, um projeto?
"Certamente. O projeto político pelo qual papa Francisco tem muita simpatia é o de Bolívar, e também de Artigas, de San Martin e de tantos outros patriotas latino-americanos: a unidade da América do Sul como contrapeso aos Estados Unidos, a superpotência que representa os interesses do Norte. Bergoglio falou e escreveu a respeito da unidade latino-americana em várias ocasiões. Por exemplo, referindo-se ao livro do secretário da Comissão Pontifícia para a América Latina, Guzmán Carriquiry, sobre a América Latina do século 21, publicado em 2011 no âmbito do bicentenário da independência dos países latino-americanos. A atualidade da integração latino-americana foi muito discutida durante a Conferência Episcopal Argentina. Outro interlocutor de Bergoglio sobre esse tema foi o filósofo e historiador uruguaio Alberto Methol Ferré. De certo modo, os jesuítas já tinham dado o primeiro passo no sentido da integração continental quando unificaram suas províncias da Argentina e do Uruguai.

Qual é a substância sociopolítica e teológica desse projeto?
È a Teologia do Povo. Essa teologia deve ser entendida como a superação da Teologia da Libertação, sem contudo renegá-la. Os teólogos da libertação se inspiravam numa interpretação sócio-estrutural de viés marxista. Os teólogos do povo se inspiram na doutrina social da Igreja, nos documentos do episcopado latino-americano de Medellín (1968), Puebla (1979) e Aparecida (2007) e num filão histórico-cultural que foi exprimido entre outros por Lucio Gera e Juan Carlos Scannone. Tais teólogos não creem nas classes sociais, e sim, exatamente, no povo. Dedicam uma especial atenção aos pobres que, na América Latina, ainda são tantos, demasiados. Bergoglio quer uma Igreja "dos pobres e para os pobres", perfilada junto ao povo sofredor, humilhado, traído pela elite e exposto às insidias do individualismo hedonista-libertário do capitalismo selvagem e da globalização imperialista. A ele interessa aquele modelo de pessoa que vive em íntima união com os elementos primordiais da natureza: não esqueçamos que no tempo dos conquistadores foram os jesuítas que defenderam a tese de que também is indígenas possuíam uma alma. Além disso, na teologia de Bergoglio encontramos tônicas que derivam do estudo da filosofia de Romano Guardini e da obra literária de Fiodor Dostoievski - refiro-me à aversão aos espertalhões e aos prepotentes. Para o papa é válida a ideia de que a doutrina nos ensina em que crer, mas é o povo que nos ensina como crer. Uma influência muito importante foi exercida pelo seu professor, e meu professor também, Ismael Quiles, historiador da filosofia, que abriu as portas da universidade dos jesuítas ao estudo do zen budismo, da ioga, ao respeito às outras culturas e às diversas religiões. As referências de papa Francisco aos "irmãos muçulmanos" ou o respeito aos "irmãos sacerdotes judeus" também são fruto dessas lições.

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Bolivarismo e teologia do povo como receita para recuperar a identidade latino-americana na senda do catolicismo, contra a penetração das seitas protestantes?
Exatamente assim. Bergoglio, bem como toda a Igreja católica, pretende reagir à difusão do cristianismo por-sua-conta-e-risco proposto pelas seitas protestantes, que nos anos oitenta foram apoiadas e sustentadas por ricos financiamentos norte-americanos inclusive para combater a teologia da libertação, e que hoje conquistaram boa parte dos crentes em toda a América Latina e para além dela. Papa Francisco critica com veemência as seitas, a new age, as religiões adocicadas, relativistas.

Esse papa, como o senhor mesmo, ensinou psicologia na universidade. Mas a matéria, historicamente, não é bem vista para o clero.
Já passou o tempo em que a Igreja pensava que a ciência da alma fosse a peste dos conventos, porque os sacerdotes que se submetiam à análise quase sempre abandonavam o ministério. Hoje respiram-se novos ares. A Igreja reabilitou a psicanálise como terapia da palavra. Entre o cristianismo e a psicanálise existem pontos em comum: sobretudo, o valor e o poder fundador da palavra. A palavra tem força para escravizar e para libertar. No início era o Verbo, mas no final será sempre o Verno. Hoje, os seminaristas são estimulados a passar por um período de análise para verificar os alicerces da sua fé e vocação. Até porque, se alguns deles perdem a fé depois da análise, isso significa que já não a possuíam antes.

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Qual é o perfil psicológico de Bergoglio como chefe da Igreja?
Francisco é um grande estrategista. Faz-me recordar Napoleão. Como o imperador, que estava sempre perto dos seus soldados, este papa ama misturar-se ao seu povo e aos seus padres, para encorajá-los e estimulá-los no caminho da sua missão pastoral. Além disso, é um papa que pensa e age com grande rapidez. Não podemos saber quais surpresas ele nos reserva para amanhã. Nem Deus sabe o que se passa na cabeça de um jesuíta.

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