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    A utopia violentada: o dia em que o poder perdeu

    Os senhores governantes, que diziam que não voltariam atrás, terão que voltar atrás; terão que governar, daqui pra frente, para uma maioria e não mais para alguns poucos privilegiados que, definitivamente, não andam de trem, ônibus ou metrô superlotados

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    “Desculpe-nos o transtorno, estamos mudando o Brasil”. Vi cartazes com essa frase-bandeira empunhados por mais de um militante do movimento de jovens insurrectos que incendiou São Paulo e ameaça agora despertar todo o país. A frase é muito bonita, sagaz e dá margem a várias possíveis leituras ou interpretações. Denota criatividade, sarcasmo, destemor – tão caros aos jovens. Mas, sobretudo, sinaliza, com insuspeita galhardia, uma obra que estaria sendo construída: a utopia.

     Poderia denotar também, sejamos honestos, uma mera pretensão e ingenuidade, também tão caras aos jovens. Ingenuidade pretensiosa ou utopia? Fico com a utopia.

    E o que vem ser uma utopia? Uma civilização ideal; algo que se busca ad eternum? O fim da pobreza não é em si uma utopia? Já não ousamos dar pequenos, mas firmes passos, no Brasil rumo a essa meta elegendo governos comprometidos com bandeiras sociais, populares? Isso já não encerraria uma utopia? Pelo visto não. Não parece ser o bastante. Não parece ser essa a utopia ora pretendida. A juventude parece clamar a mesma poesia titânica que (en)cantava a minha geração:  “A gente não quer só comida/ a gente quer comida, diversão, balé./ A gente não quer só comida/ a gente quer a vida como a vida quer/ a gente quer saída para qualquer parte (...).

    Eu também já fui jovem e também já tive a pretensão de mudar o mundo. Eu fracassei; a minha geração talvez tenha fracassado, bem como as anteriores a minha, com certeza. Mas isso não quer dizer que essa geração que aí está vá fracassar na semeadura de sua/nossa utopia. Talvez devamos pensar que cada geração dá a sua contribuição, passo a passo, semente após semente, para a transformação das coisas do mundo. Deixemos a desesperança para os caquéticos, para os fracassados, para os conservadores.

    Outra frase-emblema desse movimento que li e escutei muito ao longo de toda a caminhada foi “SEM VIOLÊNCIA”. Escrevo assim em caixa alta para tentar expressar a sua força e o quão pungente foi escutá-la, em uníssono, nas vozes daqueles jovens. Difícil traduzir em palavras o que senti depois ao vê-la, mais tarde, calada de modo abrupto, esmagada pela força da truculência.

    Percorri a pé, previamente, todas as principais ruas e locais pelos quais passaria a “livre” e “pacífica” manifestação. Confesso que fiquei impressionado (e amedrontado) com aquele cenário de guerra que minhas retinas já tão fatigadas por tantas outras manifestações e passeatas registraram.

     Nunca havia visto tanta polícia nas ruas na minha vida ou em todos esses mais de vinte anos que vivo aqui em São Paulo! E olhe que eu sou daqueles que reclamam da falta de policiamento nas ruas. Sim, você acertou em cheio: a mesma polícia que foi acionada/mobilizada para reprimir, com desmedida e descabida violência, uma livre manifestação política dos nossos jovens – um gigantesco contingente de policiais utilizados de modo competente para reprimir os nossos filhos em pleno exercício da sua cidadania – é aquela mesma polícia que não é utilizada, com a mesma magnitude e competência, para nos proteger dos criminosos de verdade. Nossos filhos não são criminosos! Nossos filhos são os cidadãos que edificarão o novo mundo.

    Cabe então fazermos algumas perguntas. Por exemplo: que cidadãos são esses que desejamos formar? Cordeiros amestrados para o abatedouro do mercado?

    Que democracia é essa que só permite a livre manifestação do pensamento daqueles que concordam com o que foi estabelecido pelos poderes constituídos? Uma democracia para inglês ver?

    Que partidos políticos são esses que trazem a palavra “democracia” em suas siglas como meros penduricalhos bizarros, chamativos, foras de lugar como as argolas das tristes prostitutas dos bregas da minha infância no interior da Bahia. PSDB, DEM etc.?

    Afinal, que democracia é essa?! Que cidadania é essa?!

    Ah, mas é uma manifestação de “vândalos” e “baderneiros” ecoou aos quatro cantos a grande imprensa prostituída. Sem sequer se dar ao “trabalho” de cumprir com a obrigação de um jornalismo honesto: ouvir o outro lado. Quase ninguém, da grande imprensa, deu vez e voz aos jovens manifestantes. O que lhes salvou, o que lhes manteve mobilizados e informados, foi a internet e as redes sociais. A internet é o fiel guardião da Democracia.

    Ah, esses jovens bárbaros...

    Para a nossa imprensa as manifestações na Turquia eram louváveis, já as manifestações dos nossos jovens... Deploráveis.

    Sim, foi na internet, pesquisando, lendo testemunhos, assistindo imagens gravadas por celulares, conversando com jovens integrantes e/ou simpatizantes do movimento que pude descobrir que havia um outro lado da história. Não apenas a “baderna” promovida por alguns poucos em reação intempestiva à repressão desmesurada dos agentes do Estado. A cada ação corresponde uma reação. Esta é uma lei nem o mais empedernido reacionário conseguirá revogar. A violência foi deflagrada pela polícia.

    Por uma dessas curiosas ironias do destino, a mesma grande imprensa que alardeara, dias antes, a suposta violência dos “vândalos” e “baderneiros”, fazendo coro às palavras de um governante de sua simpatia e predileção, foi uma das vítimas da violência, que em verdade, restou provado ao final, era da polícia. Alguns repórteres da Folha foram vítimas “privilegiadas” da violência policial. Além, é claro, de dezenas de jovens, mas esses são “desimportantes”, são “vândalos”.

     Sim, o feitiço virou contra o feiticeiro. Foi uma lição aprendida à duras penas. Mas será que aprenderam de fato?

    Agora, ao menos pelo que evidenciam as novas manchetes, alguns órgãos da grande imprensa já sabem o que todo o mundo sabia: que o  transporte público em SP, como em quase todo o país, é péssimo, desumano; que são verdadeiros navios negreiros que conduzem mão de obra barata para alimentar as fornalhas de um subcapitalismo escroto; que a polícia desse estado é uma das mais violentas do Brasil, e vem reprimindo, de forma violenta, há décadas, manifestações pacíficas dos nossos jovens, de professores em greve, moradores sem-teto etc.

    É a mesma polícia que mata jovens nas “quebradas” na periferia, mas aí ninguém reclama. Não é mesmo?

    É essa mesma polícia militar – por que ainda militar, em plena democracia, e não cidadã? – despreparada e mal remunerada, que agora espanca sem dó nem piedade garotos de classe média, muitos são nossos filhos ou amigos dos nossos filhos, nossos sobrinhos ou filhos dos nossos amigos.

     Em ambos os casos é a nossa gente que está sendo massacrada por uma polícia covarde e despreparada; por um governo incompetente.

    Resta perguntar: por onde andam o Ministério Público e os promotores da Cidadania? Onde anda a nossa Justiça, diante de tantas prisões arbitrárias; diante de tanta violência gratuita?

    Os senhores governantes, que diziam que não voltariam atrás, terão que voltar atrás; terão que governar, daqui pra frente, para uma maioria e não mais para alguns poucos privilegiados que, definitivamente, não andam de trem, ônibus ou metrô superlotados.

    Oxalá os jovens não percam o foco e se mantenham firmes no caminho da sua/nossa utopia.

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