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Coronel acusa Mourão de favorecer empresa em contrato do Exército

Acusação é feita pelo coronel da reserva Rubens Pierrotti Junior, supervisor operacional do Simulador de Apoio de Fogo (SAFO) do Exército, elaborado por uma empresa espanhola para projetar cenários e missões virtuais para treinamentos; suspeitas de irregularidades envolvem militares e um lobista; o coronel questiona atuação general Hamilton Mourão, vice de Bolsonaro, no negócio entre 2012 e 2016

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El País - “A corrupção nem sempre acontece com mala de dinheiro. Ela acontece também no Diário Oficial, disfarçada de atos oficiais”. As palavras são do coronel da reserva Rubens Pierrotti Junior, de 49 anos. Ele foi supervisor operacional durante o desenvolvimento do Simulador de Apoio de Fogo (SAFO) do exército Brasileiro, elaborado pela empresa espanhola Tecnobit para projetar cenários e missões virtuais para treinamentos de militares a custos mais enxutos. Inaugurado em 2016, seis anos depois da licitação, o Exército garante que o simulador gera hoje uma economia de 50 milhões de reais por ano, mas o projeto acabou se tornando o epicentro de uma batalha na corporação: gerou resistência entre oficiais, demorou mais do que deveria para ser entregue e se tornou a razão de uma briga entre Pierrotti e o então general quatro estrelas Antonio Hamilton Martins Mourão, atual candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro.

A história do simulador ainda envolve relações estreitas demais entre oficiais da alta patente e executivos da empresa e até a suposta dívida por um favor prestado por um membro da maçonaria espanhola a um general brasileiro, segundo documentos reunidos em um dossiê de 1.300 páginas ao qual o EL PAÍS teve acesso através da Brasileaks, uma plataforma on-line de denúncias anônimas ao estilo da Wikileaks. A partir da documentação, a reportagem conseguiu contactar Pierrotti, que era um dos mencionados nos documentos e aceitou relatar com detalhes o desenrolar do projeto.

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Ao longo do desenvolvimento do simulador, a Tecnobit recebeu um total de oito reprovações do corpo técnico do Exército de etapas que eram dadas como concluídas. Mais de dez oficiais foram afastados ou pediram para deixar o projeto. Pierrotti foi um deles: ele pediu seu afastamento em março de 2014, após ele mesmo reprovar sete vezes o simulador. Depois de deixar o projeto, Pierrotti comandou um quartel paraquedista no Rio de Janeiro e passou para a reserva em setembro de 2016, após quase 32 anos de serviço. Hoje ele atua como advogado. Já o general Mourão, que a partir de 2012 passou a se envolver mais na coordenação do projeto, fazendo a interface entre o Exército e a Tecnobit, ficou conhecido por suas manifestações a favor de uma intervenção militar como forma de resolver a crise política brasileira. Desde que entrou na reserva, em fevereiro deste ano , vem se envolvendo mais ainda em assuntos políticos e promovendo candidatos militares nas eleições de outubro de 2018.

Suspeitas de fraude na licitação

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Pierrotti conta que as conversas e os problemas sobre o projeto SAFO começaram no primeiro semestre de 2010, meses antes da contratação da empresa que o desenvolveria. Um processo que, segundo garante, foi "moldado" para favorecer a Tecnobit. “A Diretoria de Educação Superior Militar, chefiada na época pelo general Marco Aurélio Costa Vieira e subordinada ao Departamento de Educação e Cultura do Exército, resolveu encampar essa ideia e comprar o simulador da Tecnobit a qualquer custo”. Pierrotti narra que antes mesmo de a licitação ser aberta, “todo mundo já sabia” que haveria “uma missão para a Espanha”. Outra fonte próxima ao projeto, que não quis se identificar, confirmou o conhecimento prévio da empresa que ganharia o contrato e contou que o então chefe do Departamento, o general Rui Monarca da Silveira, chefe de Marco Aurélio, "deu total apoio" à empreitada.

"Proposta indecente"

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Não demorou para que os primeiros problemas entre a Tecnobit e o Exército aparecessem. Em abril de 2011, estava prevista a entrega da primeira das quatro fases do desenvolvimento do simulador, que consistia em detalhar e analisar os requisitos técnicos e operacionais da empresa. Foi quando o então major Renato Carvalho de Oliveira, do escritório de gerenciamento do projeto, enviou um e-mail a generais afirmando que existia uma “falta de capacidade técnica por parte da Tecnobit”, fazendo com que a empresa quisesse “tomar atalhos para se livrar de algumas responsabilidades previstas em contratos ou acertos”. O conteúdo do e-mail foi redigido após uma conversa com o então fiscal do contrato, o tenente coronel Eric Julius Wurts, e o supervisor técnico, na época major André Gustavo Monteiro Lima.

Na segunda fase, na qual um protótipo deveria ser apresentado, o constrangimento ficou maior. No dia de sua apresentação, o simulador ainda não conseguia realizar o cálculo da trajetória balística, como se esperava, lembra Pierrotti. “A proposta da Tecnobit foi indecente”, diz ele. “Eles pegaram um programa executável do simulador de artilharia de campanha da Espanha, o Simaca, e apresentaram como se fosse um protótipo do simulador brasileiro”. Fontes militares que participaram desta etapa contam que os executivos da Tecnobit entregaram um CD com uma cópia do simulador espanhol sem levar em conta as especificidades do armamento e da geografia brasileira e já defasado. “A apresentação do protótipo já foi fake”.

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Mourão surge para "destravar" o projeto

Diante de sucessivos atrasos e constrangimentos, o Exército Brasileiro designou em julho de 2012 o general Antonio Hamilton Martins Mourão, que já participava do projeto de forma discreta como vice-chefe do Departamento de Educação e Cultura do Exército, para sua primeira missão na Espanha com o objetivo de acompanhar e, nas palavras de Pierrotti, "destravar o andamento do projeto". "Existe uma grande maioria no Exército que trabalha bem e que é honesta. Mas existe uma parcela, que não é pequena, que sob uma falsa justificativa moral, é conhecida como a tropa que resolve problema, ainda que ilegalmente ou de qualquer maneira", explica. "Ninguém vai sair com uma mala de dinheiro, mas o camarada pode sair promovido a general ou receber uma missão no exterior como prêmio".

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Nessa viagem, Mourão e outros militares levaram suas respectivas esposas. Uma programação especial fora elaborada pelo adido militar brasileiro na Espanha para elas durante a missão de uma semana. No primeiro dia, um jantar foi oferecido para todos da missão pelo representante comercial da Tecnobit, Tomas Sarobe Piñeiro. Traje: esporte fino, previa o convite. A prática de oferecer jantares pelos executivos da empresa aos oficiais seria recorrente durante todo o processo. “Eu mesmo presenciei atitudes estranhas envolvendo viagens, jantares e pagamentos nesse projeto”, diz Pierrotti. “Em dezembro de 2013, depois que eu reprovei pela sexta vez o simulador, escrevi um relatório para o comando do Exército e disse que um dos diretores da Tecnobit me chamou para um jantar para resolver todos os problemas. Eu suspeitava que ele ia me oferecer alguma coisa durante o encontro e não aceitei o convite”.

Em uma reunião posterior a esse relatório, em janeiro de 2014, Pierrotti conta ter dito a Mourão que estava preocupado e que poderia assessorá-lo tanto na parte técnica como na parte jurídica, já que é formado em direito. "Mas ele ameaçou me mandar para a prisão". Dois meses depois, em março de 2014, o general assinou um certificado de que a empresa havia terminado seu trabalho, apesar de mais um parecer negativo de Pierrotti, do fiscal do contrato e de outros militares envolvidos no projeto. "Entramos em uma reunião na AMAN [Academia Militar das Agulhas Negras] com Mourão para prepará-lo para um encontro com representantes da Tecnobit. Ficamos ali conjecturando ideias e propostas para dar continuidade ao projeto. Uns vinte minutos depois, ele se encontrou com o Tom Sarobe no corredor e disse tudo o que a gente tinha falado pra ele", relata Pierrotti. "Isso pode se enquadrar em quebra de sigilo profissional. Ele entregou de bandeja todos os nossos argumentos para o representante da empresa. De que lado ele estava nisso?".

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À reportagem, o general Mourão, que hoje está na reserva, admite que os atrasos ocorreram porque a empresa não "conseguia atingir aquilo que havia sido acordado no contrato", mas justifica dizendo que se tratava do desenvolvimento de um "software difícil". Ele nega que a empresa não tivesse capacidade técnica para realizar o trabalho, mas afirma que o processo ocorreu com certa dificuldade. "Tivemos várias discussões com a empresa, muita briga em determinado momento, mas ela cumpriu com o que foi contratado", disse. "Mas foi debaixo de muita pressão".

Leia a reportagem na íntegra aqui.

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