Ebola em West Point: roteiro de horror do século XXI

Confinados geograficamente em áreas de epidemia do Ebola, milhares de africanos são abandonados a própria sorte

Confinados geograficamente em áreas de epidemia do Ebola, milhares de africanos são abandonados a própria sorte
Confinados geograficamente em áreas de epidemia do Ebola, milhares de africanos são abandonados a própria sorte (Foto: Chico Vigilante)


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

A história da civilização humana não deixa de nos surpreender sempre - pelo bem ou pelo mal - mas algumas vezes os fatos em torno de uma questão são tão absurdamente complexos e assustadores aos olhos da modernidade, que nos vemos obrigados a parar para refletir a respeito.

Como a um filme de ficção, a população do mundo inteiro acompanha o desenrolar da evolução da epidemia do virus Ebola na Libéria, Serra Leoa, Guiné e Nigéria e se pergunta, certamente, assim como nós brasileiros, porque as grandes economias do mundo não atuam de forma coordenada e eficiente para conter o surto que em 5 meses já infectou mais de 2 mil africanos e já matou mais da metade deles?

continua após o anúncio

Médicos e voluntários estrangeiros entrevistados por agências internacionais contam que para limitar o contágio, vilas inteiras de regiões gravemente afetadas na fronteira comum entre esses países foram colocadas em quarentena, deixando mais de um milhão de pessoas isoladas e privadas de alimentos e outras necessidades básicas.

Estarrecedora é a situação de confinamento imposta há dois dias aos 70 mil habitantes da península de West Point, bairro pobre de Monróvia, capital da Libéria. Segundo a revista americana Time, seus habitantes estão proibidos de sair do bairro e milícias fortemente armadas vigiam as saídas por terra e patrulham as águas da área costeira da península.

continua após o anúncio

Esta foi a maneira encontrada pelo governo liberiano que se alarmou ao perceber que a epidemia, antes localizada na área rural de Lofa County, havia chegado à West Point, região urbana superpopulada da capital Pretória, pobre e sem saneamento básico.

miséria e supertição - dueto explosivo presente à realidade africana - ajuda a deteriorar a situação. Muitos moradores locais negam a epidemia e acreditam tratar-se de uma conspiração contra eles. desta forma, organizam ataques a clínicas de tratamento, fazendo com que moradores infectados fujam e voltem para suas casas, infectando desta forma familiares e amigos.

continua após o anúncio

Por falta de hospitais e por medo do que pode acontecer a eles, muitos doentes são tratados em casa, perpetuando assim a cadeia da epidemia.

Reportagem do jornal O Globo desta semana divulga um emocionante e estarrecedor relato da esposa do embaixador do Brasil na Libéria, André Luis Azevedo dos Santos, publicado e depois retirado de sua página no Facebook .

continua após o anúncio

O texto de Arlinda dos Santos descreve a situação de uma cidade tomada pela epidemia de febre hemorrágica que começou em fevereiro e levou a Organização Mundial de Saúde a decretar estado de emergência mundial.

Num relato onde deixa claro ser sua visão pessoal e não a oficial da embaixada brasileira na Libéria, Arlinda fala do drama de muitas famílias com doentes infectados pelo Ebola.

continua após o anúncio

Na tentativa de esconder o fato dos vizinhos e das autoridades sanitárias, por medo de serem também internados, acabam escondendo por vários dias dentro de casa o corpo de mortos, enterrados durante a noite com a ajuda de mendigos "contratados" para este fim.

Nesse processo, familiares e mendigos encarregados de mover e enterrar o corpo são contaminados. Por conta disso, a presidente do país, decretou o toque de recolher entre 9 da noite e 6 da manhã, numa tentativa de impedir as pessoas de circularem pelas ruas e, assim, organizarem enterros clandestinos.

continua após o anúncio

Me impressionou muito o relato de Arlinda a respeito de uma conversa por telefone com a Irmã Maria - freira brasileira que mora no país há 30 anos, trabalhando em acões humanitárias - e que vive a uns 20 km de Monróvia. Segundo ela, famílias inteiras amanhecem mortas; mães perdem seus bebês mas continuam carregando e ninando o corpo por vários dias, até que elas mesmas morrem; pais que ao perder a esposa de Ebola se junta ao corpo com os filhos para que todos possam se contaminar e morrer... criando roteiros verdadeiros de filmes de horror.

O post de Arlinda dá um resumo estarrecedor da situação: estabelecimentos comerciais fechando, alimentos sumindo das prateleiras, aumento do número de protestos e distúrbios de rua da população que é contra a segregação imposta a força aos moradores de West Point e o pior de tudo, o número de infectados continua aumentando.
Em entrevista ao jornal inglês Financial Times, o diretor de operações do Médicos Sem Fronteiras (MSF), Brice de le Vingne, afirmou estar "completamente espantado com a falta de vontade, profissionalismo e coordenação para enfrentar esta epidemia". Segundo ele, os países da África Ocidental foram "deixados por si só", e podem entrar em colapso.

continua após o anúncio

É isso mesmo que estamos presenciando ? Em pleno século 21, populações infectadas por doenças contagiosas de cura desconhecida, segregadas e abandonadas à própria sorte? Nada mais falta a eles. Estão além da degradação e da vergonha dos sinos impostos aos leprosos, confinados em cavernas e leprosários, e dos infectados pela peste negra na idade média. São pobres, contam com poucos ou nenhum recurso de saúde pública, e agora são confinados pela força das armas.

A Organização Mundial de Saúde já decretou estado de calamidade. O que os grandes dignatários do mundo estão esperando? Essa não é uma guerra onde é quase impossível negociar a paz como entre Israel e Hamas, na Faixa de Gaza. Trata-se de providenciar ajuda humanitária. Vamos permitir que milhares de africanos moram contaminados pelo vírus Ebola, ou de fome, forçados à segregação, totalmente abandonados pela humanidade?

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247