Combate ao racismo exige igualdade de oportunidades

Ações afirmativas colocaram a discriminação e o preconceito na agenda pública

Ações afirmativas colocaram a discriminação e o preconceito na agenda pública
Ações afirmativas colocaram a discriminação e o preconceito na agenda pública (Foto: Jacy Afonso)


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Em geral nos referimos à sociedade na terceira pessoa, como se não nos dissesse respeito: "a sociedade brasileira discrimina as pessoas"; "a sociedade brasileira é racista". Um conjunto de pessoas que vivem organizadamente pressupõe convivência corresponsável. Portanto, uma sociedade se conjuga na primeira pessoa do plural: nós. O país é a expressão do que somos, é nossa própria produção.

Uma das maiores e mais graves feridas que ainda hoje agride nossa convivência foi o período da escravidão no Brasil. As dores física e moral não desapareceram com a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel, em 1888. O fim legal da escravidão não significou o estabelecimento da igualdade entre os humanos de nosso país. Essa ruptura não foi acompanhada de políticas públicas e de mudanças estruturais para a inclusão dos trabalhadores negros. Passados 127 anos, os escravos modernos carregam as heranças de nosso passado. A população negra é mais pobre, com menos grau de instrução e menos acesso ao trabalho, à educação, à saúde, e está mais exposta à mortalidade por causas externas, especialmente homicídios.

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A abolição não rompeu todas as correntes

Pesquisa de 2010 do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos – Dieese mostra que os negros predominam no setor agrícola, na construção civil, nos serviços domésticos. Mesmo com o avanço social e educacional, esse grupo populacional ainda não tem oportunidade de ocupar posições mais qualificadas em setores de ponta da economia brasileira. O rendimento médio do homem negro ainda é metade do homem branco. A mulher negra recebe, em média, 30% do salário do homem branco e metade da remuneração da mulher branca.

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Para além desse desenho, os registros de trabalho escravo se acentuam. Somente em 2014, 2.063 pessoas foram resgatadas, de acordo com números do Ministério do Trabalho e Emprego, o que representa uma média de mais de cinco pessoas por dia. No mesmo ano o relatório do Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial, apontou que o risco de um jovem negro de 12 a 29 anos ser assassinado no Brasil é 2,5 vezes maior do que para um jovem branco.

Os dados do Mapa da Violência no Brasil, produzido pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais - FLACSO/Brasil, mostram que na década entre 2002-2012 ocorreu queda no número de homicídios de jovens brancos; ao contrário do ocorrido com os jovens negros. Em 2002 morriam 10.072 jovens brancos para cada 100 mil habitantes, caindo para 6.823 em 2012. O número de homicídios de jovens negros saltou de 17.499 para 23.160 no mesmo período. Houve um decréscimo de 32,3% na morte de jovens brancos e número de jovens negros vitimados aumentou 32,4%. Significa, então, que para cada branco morto, morrem 2,7 negros.

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Apesar dessa situação inadmissível para o que se chama de tempos de paz, há parlamentares trabalhando para aumentar a letalidade entre a juventude negra, com a redução da maioridade penal e a diminuição do rigor para porte de armas, afrouxando as regras previstas pelo Estatuto do Desarmamento. Eles têm o apoio daqueles que acreditam no mito da democracia racial e acham que a única solução para a violência urbana é encher as ruas de polícia.

O Brasil será um país melhor se for um país igual para todas e todos

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A partir do Governo Lula deu-se início a políticas de ações afirmativas com a intenção de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de tratamento e de oportunidades. As ações afirmativas visam influenciar a política, a economia e a cultura com vistas a não só diminuir a desvantagem de um grupo étnico ou social como também de valorizá-lo culturalmente. A implantação de cotas raciais para possibilitar o acesso de negros ao ensino superior e a cargos no funcionalismo público, por exemplo, apontam alguns efeitos positivos. De acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (PNAD/IBGE), são negros 80% dos mais de 40 milhões de brasileiros que subiram à classe C. Nas universidades, eles são 921 mil entre 3,5 milhões de estudantes.

Para os movimentos negros, o principal resultado das ações afirmativas foi o de colocar a discriminação e o preconceito na agenda pública, mudando a lógica dos debates que sempre foram no sentido de criminalizar o racismo, mas não de enfrentá-lo com políticas inclusivas. A intervenção do Estado é que está fazendo a diferença.

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Em 2014, a Lei 12.990, sancionada pela presidenta Dilma, estabeleceu as cotas nos concursos públicos no âmbito da administração federal. Em março deste ano, para regulamentar a Lei, o ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal assinou resolução que institui a reserva de 20% das vagas para negros nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos na Corte e no Conselho Nacional de Justiça.

Ainda o ex-presidente do TST ministro Carlos Alberto Reis de Paula, primeiro negro a ocupar o cargo, defende que a política de cotas deve se estender a todos os espaços de trabalho, incluindo o setor privado. Para ele, há algo errado em um país em que mais de 50% da população é composta por negros e pardo e, no entanto, ocupam poucos cargos de direção tanto no serviço público quanto nas empresas privadas.

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Porém, como o próprio governo federal indica, é preciso aprofundar os efeitos das políticas afirmativas, por meio da gestão integrada e coordenada das ações. As políticas de inclusão devem ser promovidas no âmbito do emprego, incluindo os serviços públicos e o setor privado. No trabalho devem ser punidos aqueles que distinguem as pessoas em razão da cor da pele, descumprindo a Convenção 111 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) que prevê a discriminação indireta. O Ministério Público do Trabalho apontou, por exemplo, a ausência de regras claras e públicas nas contratações realizadas pelo Itaú Unibanco quanto aos critérios de admissão, ascensão e remuneração dos funcionários. Constatou em análise estatística grande disparidade entre o número de negros, mulheres e pessoas acima de 40 anos empregadas pelo banco e a população economicamente ativa do Distrito Federal.

Na educação, além da regulamentação das cotas para as universidades federais, o Plano do Governo Federal prevê o monitoramento da situação de trabalho de negros cotistas depois de formados, o oferecimento de auxílio financeiro a estes durante a graduação e a reserva de parte das bolsas do Programa Ciência Sem Fronteiras.

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Combate ao racismo: ação permanente da CUT

Os militantes do movimento negro, dos movimentos social e sindical mantêm a luta cotidiana contra o racismo e rompem o silêncio e a invisibilidade da questão racial.

A Central Única dos Trabalhadores trouxe em seu âmago o debate sobre a discriminação e o preconceito. As ações passaram a serem melhor sistematizadas com a criação, em 2008, da secretaria de Combate ao Racismo que teve seu nascedouro na Comissão Nacional Contra a Discriminação Racial da CUT, implementada em 1992. Fruto de uma luta histórica, a CUT tem produzido um debate fecundo e importantes iniciativas foram colocadas em prática.

Para atender à atribuição da Secretaria de elaborar e coordenar a implantação de políticas de combate ao racismo nos diversos setores de atuação da CUT é preciso avançar. Não seria este o momento de contribuirmos novamente, a exemplo das mulheres que garantiram a cota de 30% em 1993 e agora a paridade na direção da CUT? As cotas para negros em nossas entidades sindicais podem ajudar na correção de injustiças, fortalecendo nossa determinação de construir uma sociedade igualitária.

Também é importante ressaltar que a CUT possui acordos de cooperação bilaterais ou em parceria com centrais sindicais europeias, com 18 países africanos. São programas na área de formação e organização sindical tendo em vista o reconhecimento da dívida que o nosso país tem para com a África e com seu povo aqui escravizado e do qual foram arrancados seu sangue e sua vida para o princípio da constituição de um país.

Estamos com mais de cem anos de espera por dias mais igualitários. Os pobres e negros sempre foram tratados à margem. É urgente o enfrentamento das desigualdades com implantação de políticas públicas no ensino fundamental e no ensino médio, a exemplo do estabelecido no ensino superior. O reforço das cotas na universidade, o aprimoramento das medidas distribuição de renda, a implantação de tributação mais justa são indispensáveis para aproximarmos as distâncias. Um país que se quer solidário, igualitário, plural e democrático exige atuação diária e decidida pela construção da clareza do entendimento ético da luta coletiva pela convivência digna entre todas e todos. A sociedade brasileira é nossa produção. Não são os outros que vão mudá-la. A vitória do coletivo sobre as pretensões individuais é que vai definir nosso caminho para a igualdade.

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