Todos os nomes

No O Globo babás não têm nomes. São simplesmente “babás”. Para o jornal destinado à elite do Leblon, de Ipanema e arredores, essas pessoas não existem enquanto cidadãs

No O Globo babás não têm nomes. São simplesmente “babás”. Para  o jornal destinado à elite do Leblon, de Ipanema e arredores,  essas pessoas não existem enquanto cidadãs
No O Globo babás não têm nomes. São simplesmente “babás”. Para o jornal destinado à elite do Leblon, de Ipanema e arredores, essas pessoas não existem enquanto cidadãs (Foto: Washington Luiz de Araújo)


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Moro num lugar onde todo mundo é chamado pelo nome. Onde moro, na Praça São Salvador, Flamengo, Rio de Janeiro, o mendigo chama-se Haroldo, embora alguns o intitulem de Morgan Freeman, graças a uma certa  semelhança com o ator dos Estados Unidos. Temos na nossa praça dois rapazes com deficiência mental, o Nelson, que circula mais pelo logradouro de dia, e o Paulo Roberto, notívago. O primeiro é fã incondicional da Nike, enquanto o segundo vive distribuindo santinhos pela praça, sempre à procura de  namorada. Os garçons do boteco de minha preferência chamam-se Jackson e  Romário e o proprietário é o Anselmo. Ah, e tem dois Franciscos: um, chamamos de Chico, e o outro, para não confundir, de Francisco.  Toda praça que se preza tem um pipoqueiro. O nosso chama-se Régis. No prédio onde moro, o Presidente Vargas, mais conhecido como prédio dos Bancários, pois foi construído em 1952 para os trabalhadores de bancos, empreendimento do  chamado IAPB – Instituto de Aposentadoria e Previdência dos Bancários, os porteiros chamam-se Geraldo, Antonio, Ademar, Francisco, Ademar, Celso... O síndico é o seu  Ubiraci, de 87 anos.

Na frente do meu prédio fica um vendedor de frutas, o Sebastião Roberto. Ele  passou por um dissabor recente:  a fiscalização municipal levou sua mercadoria logo na  manhãzinha de um sábado. De pronto, Sebastião Roberto criou um abaixo-assinado  para que os moradores informassem  aos fiscais da sua importância, de sua boa índole. Mais de 200 assinaturas já foram colhidas. Em breve, Sebastião irá até a prefeitura e mostrará às autoridades juramentadas que na Praça São Salvador ele merece respeito.

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Resolvi relatar tudo isso depois de ficar sabendo do tipo de matéria que  o jornal O Globo fez  sobre o acidente com o avião da família de Luciano Huck e Angélica. Em seu  exagero jornalístico, destinado rotineiramente pelo jornal aos “globais”, aos políticos que rezam na cartilha contra o governo federal e às personalidades afins,  a “reportagem” apresentava um infográfico listando  quem estava no avião na ocasião da pane: Luciano Huck, Angélica, os filhos Benício, Joaquim e Eva, duas babás, o piloto Osmar Frattini e o copiloto  José Flávio de Souza. Pois bem, ao contrário do que acontece na  minha Praça São Salvador, no O Globo babás não têm nomes. São simplesmente “babás”.  Para  o jornal destinado à  a elite do Leblon, de Ipanema e arredores,  essas pessoas não existem enquanto cidadãs. Não merecem sequer ter seus nomes citados. É uma ocasião emblemática – rotineira, mas emblemática – em que o preconceito, a discriminação, a grosseria fazem que deixem ser cumpridas regras básicas do jornalismo. Eram nove ocupantes do avião e sete foram nomeados.

Esse fato me faz lembrar um casal de amigos que visitou Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio da Alvorada, na década passada.  Logo depois da visita,  perguntei ao casal sobre como era a rotina do local em que moravam Lula e dona Marisa Letícia. Fizeram vários comentários, mas o que mais me chamou a atenção foi o de que o pessoal que trabalhava no Alvorada  mencionou a eles  que na época de Fernando Henrique Cardoso sempre foram tratados polidamente, mas de uma forma fria e distante.  Já Lula e Marisa os chamavam pelos nomes e perguntavam sobre suas vidas, sobre seus filhos e netos. Lula e Marisa conheciam todos pelo nome, como na minha Praça São Salvador. 

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