Jornalista brasileira receberá a Medalha Marielle Franco

A jornalista e correspondente de guerra internacional Lúcia Helena Issa recebe nesta sexta-feira (14), na Casa de Cultura Olodum, em Salvador, a Medalha Marielle Franco; em outubro, ela também ganhará, em Paris, um prêmio como Embaixadora da Paz, concedido pela Divine Académie Française des Arts Lettres et Culture, por seu trabalho humanitário 

Jornalista brasileira receberá a Medalha Marielle Franco
Jornalista brasileira receberá a Medalha Marielle Franco (Foto: 247)


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247 - A jornalista e correspondente de guerra internacional Lúcia Helena Issa recebe nesta sexta-feira (14) às 19h, na Casa de Cultura Olodum, em Salvador, a Medalha Marielle Franco. Em outubro, ela também ganhará, em Paris, um prêmio como Embaixadora da Paz, concedido pela Divine Académie Française des Arts Lettres et Culture, por seu trabalho humanitário. 
 
Nascida em Guaratinguetá (SP), Lúcia mora no Rio de Janeiro desde 2013 para trabalhar como correspondente internacional. É graduada em jornalismo e fez pós-graduação em Roma, na Itália, onde viveu por seis anos. Em 1998 começou a trabalhar como colaboradora especial da Folha de São Paulo em Roma, onde morou por seis anos. Também publicou livros sobre os direitos das mulheres que buscam e lutam por respeito e dignidade. 

Com larga experiência, a jornalista, cobriu o fim da guerra da  Iugoslávia em 2001, o conflito Israel-Palestina nos últimos quatro anos e a Guerra da Síria em 2017. 

Leia a entrevista dela concedida à jornalista Hildegard Angel, acompanhada pelo repórter João Francisco Werneck:

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O que significa para você receber a Medalha Marielle Franco?

Emoção. A história da Marielle é muito bonita. As pessoas a querem colocar em uma caixinha sectária, e isso é o oposto de sua luta. Ela defendia igualmente os policiais militares e as pessoas da comunidade dela, na Maré. Só espero estar à altura desta homenagem. Considero a luta de Marielle pelos negros semelhante à minha pelos refugiados e as mulheres refugiadas no Brasil.

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Como foi a experiência em um campo de refugiados sírios?

A dor daquelas pessoas me impactou muito. Apenas na Síria são cerca de 480 mil mortos e 1.200.000 feridos. As mulheres são as que mais sofrem. Elas acordam em um local bombardeado, onde a alimentação foi destruída, contaminada por urânio, bombas, e precisam dar algo de comer às suas famílias. O corpo da mulher é utilizado como arma e troféu dessa guerra. Já em 2001, na Guerra da Iugoslávia, reportei isso: estupros, mulheres usadas como escravas sexuais. Na guerra da Síria isso se repete entre aqueles que apoiam Bashar Al Assad e os outros. 

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O que mais a tocou nesse conflito?

Eu imaginava encontrar apenas muita mágoa. Porém, conheci as mulheres que criaram a “Tenda do perdão”. Eu supunha que o ódio prevaleceria sobre a esperança, o medo sobre o amor. E quando cheguei lá vi essa tenda com mulheres difundindo o perdão, o diálogo. Isso mexeu muito comigo. Era possível ajudar uns aos outros. Um grupo de mulheres convocava outras mulheres, de cidades inimigas, para conversar, promover ações em conjunto e simbolicamente dizer “eu te perdoo”. Esse projeto de pacificação passa muito por elas. Uma cristã e uma muçulmana coordenam esse projeto “Tenda do perdão”, e seu ideal é evidenciar o que nos une, e não o que nos separa. É lembrar que Jesus é cultuado nas duas religiões, que o anjo Gabriel tem um papel importante para ambas religiões. Isso me emocionou muito. Elas plantam a reconciliação. O processo de construção da paz passa muito pelas mulheres nessa guerra.

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Como você avalia o papel dos EUA nesse conflito?

Muito cruel. O motivo de tudo é um gasoduto que os Estados Unidos iriam fazer com a Arábia Saudita. O maior aliado dos EUA no Oriente Médio é o pior dos países, a Arábia Saudita. Só que a Síria, a Rússia e o Irã iriam construir outro. Nesse momento, Al Assad se tornou um ditador. Está mais do que comprovado que os EUA armaram rebeldes sírios. Obama chegou a pedir perdão por isso. Grupos de extremistas, como o ISIS, foram armados pelo governo norte-americano para derrubar Bashar Al Assad e matar pessoas na Síria. E isso deu errado, porque ele não foi derrubado, e agora sai dessa guerra mais forte ainda. Antes da Guerra, a Síria era um dos países com melhor qualidade de vida na região do Levante. Não se viam refugiados sírios desde a Segunda Guerra. Agora eles estão por aí, desesperados. 

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De que forma a nossa imprensa aborda esse conflito?

Comete erros, mas não são propositais. Isso é ruim. Temos uma visão americanizada, e pró Ocidente. É uma situação muito complicada. Mas, claro, há grandes jornalistas na nossa mídia que tentam contar todos os detalhes dessa guerra. Quando eu estive no campo de refugiados, eu fui a primeira brasileira. E as pessoas me questionavam: “Vocês só compram a versão americana? Por que vocês não estavam aqui?”.

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Isso reflete a forma como o Brasil enfrenta hoje uma crise de refugiados venezuelanos?

O Brasil foi construído por refugiados e negros. Pessoas que nunca fi zeram guerra, nunca praticaram atentados. Há um sentimento de Inquisição, a mesma, inclusive, que expulsou os Mouros, os muçulmanos, da Espanha na Idade Média. Eu quero dizer que o Brasil é um país laico, multicultural. Quero destacar o momento triste de intolerância pelo qual passamos em nosso país, e o meu trabalho ao longo da minha carreira tem sido para desmistificar o ódio alimentado contra os muçulmanos. E ver isso acontecendo aqui no Brasil me deixa imensamente triste.

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Como uma Inquisição?

Acho que sim. E motivada pelo o quê? Eu acho que é resultado de vivermos uma imensa crise moral e ética. O medo dá origem ao ódio; é o medo a origem de tudo isso que nós estamos vivendo hoje. Principalmente desses que querem a volta da ditadura militar. São reféns do medo, pessoas mais frágeis, talvez. E elas querem uma autoridade, um pai, que lhes dê a solução para tudo. Isso não existe. Eu acredito que o ódio e a intolerância sejam os fi lhos do medo.

O que poderia ser feito?

Os venezuelanos são os nossos irmãos sul americanos. Eu estou para ir para lá, talvez dentro de um mês. Quando vemos essas cenas, de pessoas que se dizem cristãs, cantando o Hino Nacional, e chutam uma criança, empurram uma mãe de volta à fronteira, isso não tem nada de cristão. Os vulneráveis neste momento são os venezuelanos. Esse episódio foi uma vergonha para o Brasil, para o Temer, para todos. Nós não temos tradição de xenofobia.

O “Fundamentalismo cristão” também é um perigo para a ordem mundial?

Ouvi de pessoas em congressos na Itália, nos Estados Unidos em Nova York, em Londres, e em diversos outros lugares, que rifl es são vendidos com passagens bíblicas. É um movimento que lembra de alguma forma a Ku Klux Klan, Timothy McVeigh, Jim Jones. Não eram vistos como terroristas, mas alguns pregavam a supremacia branca. Quer dizer: é um tipo de terrorismo. E as peças desse mosaico, quando se juntam, apresentam um crescimento exponencial dos ataques. As pessoas pensam, “ele só lê a Bíblia e tem um rifle”. Enquanto os muçulmanos tentam combater esse fundamentalismo entre eles, nós por aqui parecemos apreciar esse crescimento.

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