Os embargos infringentes no julgamento do mensalão

Imaginemos se, depois de proferida a decisão pelo pleno da corte suprema, após mais de 5 anos, ter esta decisão que submeter-se a nova apreciação



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O processo do mensalão encontra-se em profundo estado de letargia. Ainda não produziu seus efeitos decisórios e dúvidas pairam no cenário jurídico quanto à forma que o STF interpretará a questão dos Embargos Infringentes, para que enfim produza um desfecho ao alcunhado "julgamento do século".

A "quaestio iuris" que precisará ser esclarecida pelo STF é a atinente ao cabimento ou descabimento de recurso com capacidade de produzir efeito modificativo nas questões de mérito, da obrigatoriedade ou não do duplo grau de jurisdição, da possibilidade de impetração do recurso de embargos infringentes da decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal para que os senhores ministros rejulguem o caso.

Neste propósito de esclarecimento é que colaciono as razões de um artigo a mim encomendado onde discuto as possibilidades de interpretação que o ordenamento nos oferta, sem descurar-me do que entendo ser a solução mais consentânea com o melhor direito.

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Comecemos tecendo breve comentário introito sobre a natureza jurídica do duplo grau de jurisdição apenas para iniciar uma maior ambiência ao leitor, assentando que, para parcela da doutrina, trata-se de uma garantia de "status" constitucional, estando à divergir os que entendem tratar-se de mera previsão de natureza ordinária.

Sustentam os defensores de sua natureza constitucional que, embora o princípio não esteja expressamente previsto no texto maior, está umbilicalmente ligado ao Estado de Direito. Que o princípio é parte do devido processo legal constitucional (Due Processo of Law), servindo como controle das decisões, sendo uma válvula de pacificação social e de concretização da justiça. Neri Jr. acrescenta que o duplo grau teria previsão constitucional nos termos do art. 102, II e III da Carta Magna, quando prevê que os tribunais terão competência para julgar causas originariamente ou em grau de recurso.

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Nelson Nery Jr, no entanto, expressa com imensa felicidade ser o duplo grau de jurisdição um princípio, e por este motivo passível de sopesamento pelo legislador com outros princípios de mesma hierarquia normativa, que a partir da relevância social da causa, circunstâncias procedimentais e a razoável duração do processo, poderá o legislador, concedendo maior peso a efetividade ao processo, optar por restringir o duplo grau de jurisdição a certas causas ou determinadas circunstâncias. Disto nota-se uma possível e até aconselhável relativização.

Diversamente pensam outros jurisconsultos, que atestam não constar com art. 5º LV a garantia do duplo grau de jurisdição por uma opção legislativa, estando ao contrário, de forma expressa, as garantias do contraditório e da ampla defesa. Desta forma o legislador optou, não podendo ser considerado princípio fundamental de justiça, sendo possível o legislador ordinário deixar de prevê a revisão do julgado por um órgão superior, já que a Constituição não houvera mencionado. Esta é a visão de Marinoni, Didier e deste que vos fala, uma visão pós-positivista e mais moderna.

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Em verdade, a previsão da Constituição quanto à possibilidade de interposição de recursos não quer dizer que todas as decisões possam ser impugnadas, já que o referido princípio, segundo esta corrente última, encontra-se circunscrito ao âmbito infraconstitucional. Este lado da doutrina deixa claro que, em não ostentando o princípio natureza constitucional, mas infraconstitucional, poderá ser afastado por outro princípio, restringido, inclusive, por legislação infraconstitucional.

Passa-se neste momento a análise de um calo incomodativo, passa-se ao ponto nevrálgico da questão, a pedra de toque, com base no que foi exposto e a partir da posição que se defende:
Reafirmando ser partidário e defensor do princípio do duplo grau de jurisdição como norma infraconstitucional, que não restou assegurado como garantia constitucional de um devido processo jurisdicional pelos motivos supra-arrolados, na esteira cognitiva de Marinoni e Didier. Sendo o princípio de albergue infraconstitucional, pode ser afastado por norma infraconstitucional de previsão diversa como pelos inúmeros dispositivos constitucionais que expressamente restringem a aplicação do princípio em foco. O art. 515, parágrafo 3º; art. 475 e 557; todos do CPC, e todos exemplos de restrições expressas a aplicação do duplo grau de jurisdição.

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O grande problema infirma-se quando a contenda tratar de matéria processual penal, quando o princípio, para muitos, teria força de uma garantia constitucional, pelo fato de ser o Brasil signatário do Pacto São José da Costa Rica e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Trata-se de tratados de direitos humanos, que em tese (até a EC 45) teriam o "status" de norma constitucional. Ocorre que, a EC 45/04 trouxe como nova previsão constitucional uma mudança de interpretação a partir do art. 5º, parágrafo 3º da Constituição, segundo a qual o "status" constitucional dos tratados de direitos humanos está condicionado a sua aprovação em dois turnos, por 3/5 dos integrantes das Casas legislativas. Aplicando-se o disposto aos tratados mencionados, estes não teriam o "status" constitucional, mas supralegal (conforme entendimento do STF), não revelando capazes de se imporem diante das exceções constitucionais ao duplo grau de jurisdição.

Parte dos doutrinadores, em especial os internacionalistas, poderia argumentar que os tratados de internacionais de direitos humanos já possuíam força constitucional antes da Emenda 45, e esta regra revelar-se-ia um retrocesso de uma garantia fundamental do cidadão, (efeito cliquet). Penso que não, pois em verdade não possuíam "status" constitucional, mas sim parte da doutrina e da jurisprudência assim os entendia. Não havia qualquer norma interna no ordenamento que conferisse mencionado "status" a estes tratados, por isso o art. 5º parágrafo 3º é sim de aplicação imediata e retroativa a todos os tratados ratificados antes ou após o início de sua vigência.

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É neste diapasão que sustento a valia, sim, do princípio do duplo grau de jurisdição, salvo exceções constitucionais expressas. É nesta ordem excepcional que se encontra o foro por prerrogativa de função dos "mensaleiros", que por "vis atractivas" (conexão) ou não, estão sendo julgados pelo Supremo Tribunal Federal, última instância jurisdicional, segundo imperativo de nossa Constituição, não assistindo razão aos que defendem a obrigatoriedade do reexame da decisão proferida pelo pleno da Corte mais alta do país.

Como se não bastasse o que até aqui se expôs, confere força ao que defendo a outra alteração imposta pela EC 45/04, que dispõem como garantia fundamental do cidadão a razoável duração do processo. Imaginemos o julgamento do mensalão: proferida a decisão pelo pleno da maior Corte Jurisdicional do país, após mais de 5 anos, ter esta decisão que submeter-se a nova apreciação meritória do que já se decidiu a partir não de um juízo monocrático, mas de uma decisão plenária, de órgão colegiado (onde a possibilidade da ocorrência de "error in iudicando" é, por lógica, infinitamente menor que no juízo monocrático).

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Só seria palatável este caminho caso o objetivo fosse a obtenção da extinção da punibilidade pela prescrição, em absoluta frustração ao "ius puniendi" do Estado e da própria sociedade, que espera por justiça e não por impunidade. Frustrar-se-ia em exato, inclusive, o que o direito moderno busca, que é a efetividade do processo, de forma capital e inexorável.

Some-se outra razão, como se suficiência não já não houvesse, esta de ordem prática, que por dedução lógica já ventilei no presente artigo. Quem julgaria em grau de recurso uma decisão proferida pelo pleno da maior instância jurisdicional do país? O próprio pleno novamente? Revelar-se-ia a meu ver um despautério imaginar a reanálise do mesmo caso, com as mesmas provas, pelos mesmos julgadores, ops, (QUESTÃO!), sendo certo, que ainda assim, não se atenderia ao Pacto São José da Costa Rica (art. 8, 2, h), que exige que a reanálise do mérito se faça em uma instância superior, o que se faz faticamente inviável pelo teto jurisdicional já ter sido alcançado colegiadamente.

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A questão trazida com imperatividade no parágrafo anterior é a seguinte: Assumiram novos ministros após a publicação do acódão, que como se sabe foram indicados pela Presidência da República, vale dizer, interessada no resultado da demanda. Teori e Barroso estariam impedidos, a meu sentir, pelo princípio do juiz natural, mas continuando...

Salienta-se que, o Regimento Interno do STF, art. 333 do RISTF, que data anteriormente a CF/88, previa os embargos infringentes nos casos de procedência da ação penal, desde que houvesse quatro votos favoráveis à tese vencida. Ocorre que, há legislação posterior que discrepa do entendimento esposado no RI, e o art. 22, I, da CF é claro quando proclama que os RI dos Tribunais devem respeito à reserva de Lei Federal. A lei revogadora do art. 333 do RISTF é a L. 9038/90, que trata especificamente do processamento das ações penais originárias nos Tribunais Superiores, sendo certo, que a partir da CF/88, o RI não pode tratar de matéria estritamente processual, como a previsão de um recurso não previsto em legislação Federal, inovando em matéria de processo. Desta feita, a meu pensar, é forçoso concluir pela impossibilidade jurídica do recurso de embargos infringentes na seara da decisão plenária do STF.

Faço lembrar que RI é "lei material" e não pode tratar especificamente de processo, para isso há o CPC e o CPP, nos termos do art. 22, I da CRFB. Corrobora esse entendimento uma questão de ordem lógica, pois vejam: Para declarar a nulidade de uma lei ou ato normativo contrários a CF através de ADI, bastariam 6 votos dos senhores ministros, já para condenar definitivamente um réu, 7 votos não seriam suficientemente capazes pela hipotética existência dos embargos infringentes, a partir da dissidência de 4 votos, o que se revela em clara desproporcionalidade.

Por último, toco em mais uma ferida purulenta da questão que se debate, mas que em nada modifica as convicções aqui esposadas. O Pacto São José da Costa Rica, em seu art. 33, dispõe que eventuais violações aos termos do Pacto sujeita o país violador a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que tem o poder de determinar ao violador o cumprimento de suas regras, segundo disposto no art 63. Parte-se da premissa de que norma constitucional excepciona o duplo grau de jurisdição (de natureza infraconstitucional) de forma expressa, atribuindo ao STF competência originária por foro por prerrogativa de função para julgamento, sendo a exata hipótese do caso mensalão. Mesmo que hipoteticamente se viesse a considerar como de "status" constitucional o duplo grau, a partir de excepcionado pela Constituição a sua inaplicabilidade, não há qualquer violação a se ventilar, já que a regra no ordenamento continuaria a ser o duplo grau de jurisdição, salvo exceções (esta de natureza constitucional).

Inconcebível ainda, seria imaginar qualquer Tratado Internacional de Direitos Humanos acima da própria Constituição de um país, como se uma norma supraconstitucional fosse, principalmente em se tratando de Estado Democrático de Direito. Normas desse talante não existem em nosso ordenamento, onde a Constituição é indeclinavelmente a lei maior, além do que o referido Pacto foi incorporado com lei infraconstitucional, por não haver sido aprovado com o quórum qualificado que exige a Constituição. Considerar o duplo grau de jurisdição como de um "status" superior ao da própria Constituição, que o excepciona, é algo a meu sentir impensável, e por isso um argumento fragilmente defensável.

Quanto à "parcialidade" que sugeriu o brilhante artigo do emérito professor LFG ainda no início do julgamento, quanto à participação de Joaquim Barbosa, também entendo, com a devida máxima vênia, não assistir-lhe razão. Ao juiz, e por maior razão no âmbito penal, é dado o poder instrutório para alcançar a verdade possível suficiente para o seu convencimento. Ao MP coube, como não poderia deixar de ser com colaboração policial, a devida persecução penal para o oferecimento da denúncia. Ao ministro relator restou-lhe apenas a busca de seus convencimentos com o auxílio de praxe de um magistrado de 1º grau de jurisdição nomeado, para a produção do relatório e o pronunciamento de seu voto, nada que produza qualquer parcialidade.

A parcialidade poderia ser sustentada sim, na participação do ministro Dias Tóffoli e Ricardo Lewandowski, tendo em vista a estreitíssima ligação profissional e afetiva, respectivamente, com os réus e a causa por eles defendida.

É desta forma que insofismavelmente deve o melhor Direito perceber a questão. Vê-la de forma diversa é percebê-la segundo fomentadores interesses advindo do mensalão. Ventilar pela invalidade do julgamento do mensalão é tarefa para "guerreiros" que querem polemizar além da própria polêmica. Uma decisão deste quilate retiraria por completo a autonomia da Corte de Justiça maior deste país, o que não há como cogitar sem que haja ocorrido efetiva lesão a direitos ou liberdades protegidos na Convenção e vistos como desprotegidos pela ordem constitucional interna do país, até porque, trata-se de um Estado Democrático de Direito Constitucional, que deve ter respeitadas suas soberanas peculiaridades com independência para excepcionar direitos que não são absolutos.

O que se pode cogitar seja feito é um pedido de alteração em nossa estrutura jurisdicional para adequar-se paulatinamente aos anseios do Pacto São José da Costa Rica caso seja a vontade dos legisladores, nada que interfira de agora na independência soberana de nossa jurisdição constitucional.

Lembro por último, da possibilidade de revisão criminal, esta uma ação autônoma após a ocorrência da coisa julgada, proposta no tribunal, que possui competência originária, caso preenchidos seus requisitos. Passado o prazo desta ação formar-se-á o que se denomina de coisa soberanamente julgada.

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