Jurista diz que Moro foi devorado pela mídia

"Ao final de seu depoimento, Lula disse que se Moro não o condenasse seria devorado por aqueles que hoje o apoiam. Ao fazê-lo, o ex-presidente expôs as vísceras de um sistema carcomido que nada tem a ver com a Justiça, exceto o mise en scène. De toda aquela pantomima, o que se viu ao final foi um juiz guarnecido por tropas, holofotes e microfones, mas acuado pelos valores elementares da civilização", diz Yuri Carajelescov, mestre e doutor em Direito pela USP

30/03/2017- Brasília- DF, BRasil- Juiz Sergio Moro durante depoimento na comissão de reforma do Código de Processo Penal Foto: Lula Marques / AGPT
30/03/2017- Brasília- DF, BRasil- Juiz Sergio Moro durante depoimento na comissão de reforma do Código de Processo Penal Foto: Lula Marques / AGPT (Foto: Leonardo Attuch)


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Por Yuri Carajelescov, no Justificando

O depoimento prestado pelo ex-presidente Lula ao juiz Sérgio Moro trouxe à tona um debate propositalmente adormecido acerca da relação entre a mídia e o exercício do poder punitivo estatal. Lula lembrou que Moro defendeu em artigo doutrinário sobre a operação “mãos limpas” (mani pulite) que a imprensa deve ser politicamente instrumentalizada pela justiça para atingir seus objetivos persecutórios, sem o qual seria impossível combater a criminalidade organizada.

performance dos atores jurídicos envolvidos na operação Lava Jato, o clímax e anticlímax de um enredo novelesco, os sobressaltos e as reviravoltas transmitidos em tempo real pelas tevês a reter a atenção de um público ávido por justiça a qualquer preço, ou algo assim, indica que a teoria defendida pelo magistrado pode ter encontrado alguma correspondência na prática. É preciso, no entanto, investigar o impacto dessa relação em um sistema que sustenta proteger direitos e garantias fundamentais, além da natureza, extensão e morfologia dessa relação para se saber quem efetivamente é meio e quem é comando. 

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Na sociedade de massa e da informação convém ter presente que a mídia atua como árbitro do acesso à existência social e política, validando determinadas posições e desqualificando outras, em larga medida fornecendo “a imagem do mundo ao homem comum” (BERTRAND). 

Organizada em conglomerados empresariais (e familiares no caso brasileiro), seu objetivo central é a manutenção da estrutura dos processos de acumulação capitalista por meio da divisão social do trabalho. Logo, a mídia não se apresenta como um elemento imparcial nesse processo de apuração de condutas e imputações, como deveria ser o órgão estatal de solução de conflitos, já que apoiar ou rechaçar determinados agentes políticos obedece a uma lógica diversa da que deveria nortear a ação estatal fundada na noção do bem comum.

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Por mais que se queira, instrumentalizar essa poderosa máquina construtora do aparato simbólico para atingir determinadas finalidades não parece ser algo trivial. Atiçar a fera é bulir com o imponderável, pois o único comando que o mastodonte obedece é o que atende ao escopo de sua existência, ou seja, a manutenção do status quo e do ecossistema que alimenta o seu poder.

Moro que de bobo não tem nada já se deu conta disso, prisioneiro que de bom grado se tornou desse enredo. Se pretendia tosquiar com a doutrina colada dos italianos da mani pulite, certo é que voltou tosquiado pela força dos fatos, jamais se opondo aos termos do acordo.

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Em um mundo de imagens e de reality show, muitas vezes a fama e o reconhecimento social são mais importantes que a riqueza material. E no fim das contas, posar de herói é sempre melhor do que de vilão, mesmo que a contrapartida envolva o despojar-se do munus de julgador e a auto-conversão em operador autômato de discursos preestabelecidos segundo interesses hegemônicos.

Entabula-se, então, uma relação real e distante da idealizada inicialmente entre juiz e mídia. Esta lhe concede o efeito celebridade e uma popularidade efêmera. Aquele o ajuste de contas com os desviantes, os inimigos públicos selecionados pelos meios de comunicação, tudo sob a chancela do poder estatal que deveria ser imparcial e tributário do devido processo legal, o qual, assim como os demais direitos e garantias fundamentais, serve apenas como referência retórica.

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No fundo, trata-se de uma privatização ad hoc da função jurisdicional. Os julgamentos não são apenas na, mas, sobretudo pela mídia. O juiz que parece todo poderoso, na verdade, é fraco e impotente, teleguiado por interesses que pouco tem a ver com as coisas da justiça assentada em um sistema de normas escalonadas preestabelecidas.

Ao final de seu depoimento, Lula disse que se Moro não o condenasse seria devorado por aqueles que hoje o apoiam. Ao fazê-lo, o ex-presidente expôs as vísceras de um sistema carcomido que nada tem a ver com a Justiça, exceto o mise en scène. De toda aquela pantomima, o que se viu ao final foi um juiz guarnecido por tropas, holofotes e microfones, mas acuado pelos valores elementares da civilização.

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Yuri Carajelescov é mestre e doutor em Direito pela USP.

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