Mercadante: golpe quer privatizar bens públicos e universais

Ex-ministro Aloizio Mercadante afirma que "os imensos retrocessos da chamada reforma trabalhista e na lei de terceirização, além da liberação generalizada de educação à distância na educação universitária, sem os mecanismos de controle de qualidade, estão deteriorando a qualidade da oferta e desestruturando o mercado de trabalho para os docentes titulados e qualificados"; "Esse golpe representa uma segunda onda neoliberal, que pretende desmontar políticas públicas e serviços ofertados pelo Estado"

Mercadante: golpe quer privatizar bens públicos e universais
Mercadante: golpe quer privatizar bens públicos e universais


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247 - Em entrevista ao 247, o ex-ministro Aloizio Mercadante avalia que o golpe parlamentar que retirou Dilma Rousseff e colocou Michel Temer no poder quer privatizar os bens públicos e universais. "Esse golpe representa uma segunda onda neoliberal, que pretende desmontar políticas públicas e serviços ofertados pelo Estado, como a educação superior, e privatizar a oferta de bens que deveriam ser públicos e universais, como a educação", afirma. 
 
Leia abaixo:
 
247 - O orçamento do Ministério da Educação (MEC) sofreu um corte de R$ 18,4 bilhões, segundo dados da própria pasta. No Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) 44% (R$ 2,5 bilhões) foram congelados em 2017, de acordo com números do próprio governo golpista. Para o ex-ministro, qual o impacto esses cortes podem ter na produção científica do país?
 
Aloizio Mercadante: A produção científica depende de vários fatores, dentre elas destacam-se os investimentos feitos pelo MEC e pelo MCTIC para manter projetos estruturantes de pesquisa de ponta, como: o acelerador de partículas-Sirius, o reator atômico multipropósito, o satélite geoestacionário, o desenvolvimento de softwares para o supercomputador, o conjunto de pesquisas e inovações no setor de óleo e gás desenvolvidos para a prospecção e exploração do pré-sal, a pesquisa aeronáutica em projetos da Embraer, a criação da EMBRAPII para fomento da inovação na indústria, os Centros de Tecnologia e Inovação do Senai, que foram financiados pelo BNDES, entre outros projetos, além de bolsas de pesquisa e de pós-graduação, programas de iniciação científica e financiamento de pesquisas e intercâmbios internacionais. Nos 13 anos do governo do PT, os investimentos foram crescentes, esses projetos estruturantes foram implementados e avançaram muito, um conjunto articulado de políticas públicas de fomento a ciência e a pesquisa garantiram avanços expressivos na publicação de artigos, que colocaram o Brasil em 12o lugar no ranking da produção científica no mundo. 
 
Essa política de ortodoxia fiscal permanente do governo Temer, com a aprovação da emenda Constitucional 95 e o teto declinante nos gastos públicos por 20 anos, acompanhado pelo aprofundamento da recessão, estão impondo cortes crescentes nos orçamentos desses ministérios desde o golpe de 2016. Esse arrocho orçamentário vem comprometendo a educação superior e a pesquisa científica, com graves retrocessos nas atividades de pesquisa, com a paralisação dos grandes centros de ciência e tecnologia e com fuga de cérebros para o exterior. O impacto dos baixos investimentos também reflete numa redução da competitividade internacional das empresas brasileiras.
 
247 - Alguns acadêmicos falam em ‘inundação de cérebros’ e criticam o que consideram uma formação excessiva de doutores desde 2008. Na visão do ex-ministro, há de fato uma proliferação excessiva de doutores?
 
Aloizio Mercadante: O Brasil forma aproximadamente 12 doutores por 100 mil habitantes. Esse dado atende a Meta 14 do Plano Nacional de Educação, aprovado como lei por unanimidade pelo Congresso Nacional, mas está longe dos índices encontrados em países desenvolvidos como Alemanha (34 doutores por 100 mil habitantes), Coreia do Sul (25 doutores por 100 mil habitantes), Estados Unidos e França (21 doutores por 100 mil habitantes). O Brasil precisa superar sua condição de um país exportador de commodities, incorporar mais valor agregado na produção e se preparar para a economia do conhecimento. 
 
A pesquisa, o desenvolvimento científico e as inovações são a base da competitividade da economia mundial, impactada pelo novo padrão tecnológico e exigem investimentos pesados em recursos humanos. Os doutores são uma condição indispensáveis para a melhoria da qualidade de nossa educação superior e para o avanço da pesquisa científica e inovações.
 
247 -  O atual Ministério da Educação justifica que a ampliação de universidades federais foi feita “sem planejamento o que causou impacto no orçamento”. Tendo ocupado a pasta por duas ocasiões, como ex-ministro avalia?
 
Aloizio Mercadante: Mesmo com a expansão da educação superior pública federal nos 13 anos do governo do PT, apenas 15% dos estudantes universitários estão matriculados nas Universidades Federais, que estão entre as mais bem avaliadas na educação superior no Brasil. O processo de expansão seguiu um planejamento baseado na criação de 18 novas Universidades, distribuídas regionalmente de acordo com critérios de interiorização do desenvolvimento, na criação de novos Campi e na expansão de vagas nas demais 45 Universidades. Todos os recursos necessários para o processo de expansão foram devidamente pactuados com previsão dos aportes necessários para o custeio, após o processo de consolidação. Considerando-se padrões internacionais de custo por aluno na educação superior, o Brasil com US$ 13.540,00 está abaixo da média dos países da OCDE, que é de US$ 15.772,00.
 
Nossa educação superior é retardatária. Nossa primeira universidade é de 1920, quando todos os países da América Latina já possuíam pelo menos uma universidade, desde o século XIX. Temos 14,6 milhões de estudantes entre 18 e 29 anos que terminaram o ensino médio e não conseguiram acessar a educação superior e mais de 2 milhões de concluintes do ensino médio todos os anos. Por isso, o Enem chegou a ter 9 milhões de inscritos. 
 
Quando chegamos ao governo, tínhamos apenas 3,4 milhões de matrículas de estudantes universitários em todo o sistema e cerca de 800 mil vagas para ingressantes ao ano. Deixamos mais de 8,1 milhões de estudantes universitários matriculados, com mais de 2 milhões de vagas para ingressantes. Ainda assim, se considerarmos os cerca de 9 milhões de inscritos no Enem, 7 milhões vão continuar excluídos do acesso à educação superior. O Enem, o Sisu, o Prouni, o Fies e a Lei de Cotas com recortes para estudantes de baixa renda e raça democratizaram o acesso à educação superior e 35% dos formandos em 2015, que fizeram o Enade, eram os primeiros da família a terem um diploma de curso superior. 
 
Além disso, aumentamos em 286% a presença de estudantes negros na universidade brasileira. E todo esse esforço está sofrendo um grave retrocesso. Em 2016, tivemos uma queda de 3,7% de matriculas presenciais na educação superior presencial, a primeira em vinte e cinco anos. Mais uma tragédia do golpe, que vai aumentar ainda mais a exclusão educacional e a demanda reprimida por acesso à educação superior.     
 
247 - Outro golpe do governo Temer foi no esvaziamento do Ciências Sem Fronteiras. Qual é o impacto para a pesquisa brasileira?
 
Aloizio Mercadante: A internacionalização é uma das ferramentas imprescindíveis para a boa formação de profissionais tanto na graduação, quanto na pós-graduação. Além disso, os intercâmbios internacionais são fundamentais para o estabelecimento de relações duradouras com pesquisadores dos grandes centros de excelência mundiais. 
 
Os principais projetos de pesquisa estão sendo desenvolvidos em redes internacionais. A internacionalização continua sendo o principal desafio para melhorar o desempenho das universidades brasileiras nos rankings internacionais. Quando lançamos a meta de 100 mil estudantes em 4 anos, a China tinha, em 2011, apenas nos EUA 80 mil doutorandos. O setor privado não cumpriu seu compromisso de garantir 25% no financiamento das bolsas e sobrecarregou o Estado brasileiro. O fim do Programa Ciências Sem Fronteiras distancia o Brasil da fronteira do conhecimento em muitas áreas estratégicas para o desenvolvimento.
 
247 - A maioria do doutores formados vão trabalhar em universidades e institutos de pesquisas. Estes, acabam sendo afetados pela crise e cortes nos orçamentos. Como reverter esse cenário e aproveitar o potencial desses pesquisadores brasileiros?
 
Aloizio Mercadante: Na maioria dos países desenvolvidos, as empresas privadas empregam doutores e investem em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação. Nesses países, que aplicam entre 2,0% e 4,5% do PIB em P, D & I, a participação dos recursos públicos oscila entre 20% e 40%. O restante vem da iniciativa privada. 
 
No Brasil, historicamente, 60% dos investimentos são públicos. Com as pressões internacionais por aumento de competitividade, as empresas brasileiras terão que investir muito mais em pesquisa, desenvolvimento e inovação. Nesse sentido, terão que contratar doutores e investirem em laboratórios e convênios com as Universidade e os Centros de Pesquisas nacionais e internacionais. 
 
Os imensos retrocessos da chamada reforma trabalhista e na lei de terceirização, além da liberação generalizada de educação à distância na educação universitária, sem os mecanismos de controle de qualidade, estão deteriorando a qualidade da oferta e desestruturando o mercado de trabalho para os docentes titulados e qualificados. 
 
Em síntese, este golpe esta promovendo um realinhamento geoestratégico do país, vendendo e entregando patrimônios essências como as reservas do pré-sal e empresas fundamentais como a Embraer. Esse golpe representa uma segunda onda neoliberal, que pretende desmontar políticas públicas e serviços ofertados pelo Estado, como a educação superior, e privatizar a oferta de bens que deveriam ser públicos e universais, como a educação. 
 
O golpe é um fracasso econômico, social, político e moral, mas suas consequências são muito graves e profundas. Na educação pública, na pesquisa, ciência e tecnologia estão sendo devastadoras. Temos que resistir e reconstruir o projeto nacional de desenvolvimento com democracia, crescimento, estabilidade, inclusão social e distribuição de renda e inserção soberana do Brasil, como foram os 13 anos dos governos Lula e Dilma.

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